Messi e Neymar voltam a se encontrar no Paris Saint-Germain
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Action Plus Sports Images / Alamy Stock Photo
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Foi em novembro de 2010 que a Argentina jogou o que parecia ser um amistoso um tanto sem sentido contra o Brasil, no Estádio Internacional Khalifa, em Doha, no Qatar. O futebol em si foi mediano, embora a torcida local tenha explodido em êxtase quando Lionel Messi, o argentino de 23 anos naquele momento, marcou o único gol da partida.
Em retrospecto, foi o início de uma história confusa sobre dinheiro e geopolítica que culminará no ano que vem, quando o Qatar sediará a Copa do Mundo. Na época, Messi jogava pelo vitorioso Barcelona de Pep Guardiola. À sua frente naquela noite estava o brasileiro Neymar, atacante de 18 anos do Santos. Eles não sabiam ainda, mas seus futuros se entrelaçariam.
Passariam quatro anos até que Neymar fechasse com o Barcelona, completando o temível trio de ataque "MSN" com o argentino e o uruguaio Luis Suárez. Em 2017, Neymar foi comprado pelo clube francês, Paris Saint-Germain, propriedade do Estado do Qatar, em um acordo no valor de 222 milhões de euros, quebrando o recorde mundial da taxa de transferência mais alta paga por um jogador de futebol.
Quatro anos depois, Messi e Neymar voltam a se reencontrar, uma vez que o argentino assinou com o clube da capital francesa por um salário de no mínimo 35 milhões de euros por temporada.
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Hoje, mais de uma década depois, sabemos que o jogo da Argentina contra o Brasil foi tudo menos sem sentido. De fato, podemos argumentar que foi o "amistoso" mais significativo de todos os tempos. Três semanas depois do jogo, o Qatar ganhou o direito de sediar a Copa do Mundo de 2022 de forma controversa, uma vez que várias figuras importantes ligadas à votação do anfitrião compareceram ao jogo naquela noite de novembro.
Assistindo ao jogo em Doha também estava o então presidente do Barcelona, Sandro Rosell. Foi Rosell quem, em meados de dezembro de 2010, anunciou que seu clube havia assinado um contrato recorde de patrocínio de camisas de 170 milhões de euros com a Fundação Qatar. Em 2013, esse foi substituído por outro acordo multimilionário com a Qatar Airways.
Aquele amistoso de 2010 marcou uma aceleração nas ambições do Qatar, esportivas e além
Nesse intervalo, Guardiola serviu como embaixador da Copa do Mundo de 2022 do Qatar. A ex-estrela do Barcelona, Xavi, deixou a Espanha para jogar e depois treinar o Al Sadd, principal clube do Qatar – um dos favoritos da família governante do país, os Al Thanis. Em 2011, a Qatar Sports Investments comprou o PSG. A saída de Messi do Barcelona e chegada a Paris, portanto, sempre pareceu de alguma forma inevitável.
O significado imediato do amistoso de 2010 entre os dois gigantes sul-americanos foi que marcou uma aceleração nas ambições do Qatar, esportivas e além. O país pequeno (tem uma população de menos de 3 milhões) era estrategicamente vulnerável, excessivamente dependente das receitas do gás e do petróleo e, no geral, desconhecido por muitas pessoas ao redor do mundo.
O governo em Doha havia então colocado em prática uma estratégia de desenvolvimento nacional, projetada para enfrentar os desafios que enfrentava. O esporte se tornou um dos pilares centrais dessa estratégia, com o futebol e a candidatura à Copa do Mundo no centro. Os governantes do Qatar acreditavam que garantir a sede do torneio aumentaria a visibilidade do país, daria voz às suas ambições, permitiria ao país projetar soft power, ajudaria a construir a marca da nação e impulsionaria a mudança econômica e social interna.
Ao mesmo tempo, o Qatar é um estado rentista. Sua dependência de depósitos de recursos naturais e a ausência de um sistema tributário doméstico significam que o país deve buscar fontes alternativas de receita externas. A realização da Copa do Mundo visa, entre outras coisas, a ajudar a impulsionar a indústria do turismo no país. A aquisição do PSG foi também um investimento estatal rentista clássico: um ativo comercialmente subdesenvolvido em uma das capitais mais proeminentes do mundo, com potencial para gerar fluxos regulares de renda.
Se 2010 marcou uma aceleração dos planos do Qatar, 2022 parecer apontar o cume dos planos do país
Os críticos inevitavelmente retrataram o Qatar, seus governantes e cidadãos como fãs de futebol não autênticos. De fato, para muitos, ainda existe a sensação de que os investimentos do Qatar no futebol são apenas vaidade. A crítica é um tanto hipócrita, uma vez que o ex-protetorado britânico tem uma história estabelecida de jogar e assistir futebol, o que ajudou a viabilizar politicamente seus gastos pródigos no esporte.
Mesmo assim, os governantes do Qatar nunca tiveram medo de usar o futebol para fins político-econômicos. Por exemplo, a contratação de Neymar em 2017 foi feita contra o pano de fundo de uma crescente rivalidade com vizinhos, incluindo a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. O contrato recorde do PSG com o brasileiro parecia uma extravagância desnecessária.
O Qatar, porém, usou a transferência para sinalizar que enfrentaria seus adversários e que tinha recursos para fazê-lo. Também simbolizou a maneira como o governo em Doha vê o futebol como parte de seu arsenal de soft power. Enquanto Riade e Abu Dhabi faziam ameaças de intervenção militar contra o governo de Doha, o Qatar ativou a lei da atração ao fechar com Neymar. Alguns permanecem não convencidos, que continuam a rotular tal extravagância como lavagem esportiva.
Se 2010 marcou uma aceleração dos planos do país, 2022 parecer apontar o cume dos planos do Qatar. Ao contratar Messi, o PSG espera estar finalmente em condições de ganhar a Liga dos Campeões da UEFA. Conquistar o cobiçado campeonato no mesmo ano em que recebe a Copa do Mundo não seria apenas um triunfo para o país, mas também constituiria um retorno significativo dos investimentos geopolíticos do país no futebol.
A assinatura de Messi pode parecer mais o resultado de um acaso do que de um planejamento. Mas a linha entre uma noite quente de novembro no Estádio Khalifa e hoje parece ter sido traçada há muito tempo.
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