Prigozhin é uma figura polêmica demais para aspirar a se tornar presidente, mas pode desempenhar o papel de articulador – seu sentimento antielitista e a imagem de masculinidade guerreira encontram força nas cidades depressivas da Rússia, na classe trabalhadora pouco qualificada e nas populações carcerárias.
Em um cenário de aumento de poder para Prigozhin e o ”partido da guerra” da Rússia, a versão da guerra na Ucrânia que vimos até agora – um conflito distante se desenrolando nas TVs russas enquanto a vida de muitas pessoas comuns continua igual – chegaria ao fim.
Cada cidadão russo teria que contribuir no campo de batalha ou no local de trabalho e abandonar seus planos, esperanças e sonhos pessoais. Se as forças políticas patrióticas da Rússia puderem oferecer um exemplo convincente de viver de acordo com os valores que pregam (talvez enviando seus próprios filhos para a linha de frente, o que ninguém na liderança atual mostrou vontade de fazer), então a guerra se tornaria a norma.
Neste ponto, pode ser útil recordar as lições da história: as consequências sociais na Alemanha após o fim da Primeira Guerra Mundial, uma guerra civil e uma paz amarga, da qual surgiram os Freikorps, o fascismo e o terror nazista.
A questão da Crimeia
Finalmente, nenhum presidente russo, por mais que esteja interessado em consertar as relações com o Ocidente, estaria disposto a abrir mão da Crimeia. (Esta é uma área em que Elon Musk, que sugeriu que a Rússia deveria manter a Crimeia, pode ter razão.)
Com base em minhas próprias conversas com muitos russos (incluindo membros da oposição), o intenso apego emocional das pessoas à Crimeia significa que apenas uma ameaça existencial à própria sobrevivência do país superaria sua potencial perda. A oferta de acesso aos mercados financeiros globais não é suficiente.
Não apenas a liderança, mas também muitos membros da sociedade russa estão dispostos a arcar com enormes custos para manter a Crimeia. A posição ucraniana – de que deve controlar a Crimeia – não deixa uma liderança russa com outra opção a não ser continuar a guerra.
Esperar por uma “Rússia pós Putin” é como esperar por Godot. Uma mudança de liderança não é iminente, nem abre nenhuma chance de paz. Em vez disso, enfrentamos a perspectiva de um cenário Síria 2.0 de longo prazo, que drenaria tanto a Ucrânia quanto a Rússia, e no qual não haverá vencedores.
Politicamente, a guerra já está perdida para a Rússia, independentemente dos acontecimentos no campo de batalha. Putin é responsável por iniciá-la; seria consolador se ele fosse forçado a enfrentar as consequências de suas ações. No entanto, até agora, temos poucos motivos para acreditar que isso acontecerá. Não há fuga fácil da tragédia.
Para permitir um pensamento sóbrio, é essencial abandonar a ilusão de que uma “Rússia sem Putin” está no horizonte e que será fundamentalmente melhor. Se não estamos preparados para lidar com a Rússia como ela é – ao contrário do que deveria ser –, com Putin fazendo parte do pacote, devemos prever anos de guerra na Ucrânia.
E devemos começar a pensar sobre os efeitos de uma longa guerra na Europa, em nossas próprias sociedades e como elas responderão.
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