
Agente anti-narcóticos guardando embalagens de cocaína em San José del Guaviare, Colômbia . AP Photo / Fernando Vergara . Todos os direitos reservados.
A guerra contra as drogas na Colômbia foi a forma como o Estado se relacionou com as extensas zonas marginalizadas do país, enquanto que a política antinarcóticos foi a linguagem usada pelo governo central para responder aos desafios da periferia. Nestes lugares, as comunidades tornaram-se visíveis porque aparecerem nos mapas com cultivos ilícitos; aí não há suficientes votos, nem os incentivos necessários para que o Estado assuma as suas funções mais básicas.
Mudar esta realidade requer entender que a solução para o tráfico de drogas passa pela adopção duma perspectiva mais ampla de desenvolvimento rural, que supere as respostas fundamentadas em subsídios e projetos fragmentados. Tratasse de repensar a relação com os territórios e de que o Estado supere a sua histórica incapacidade de subministrar bens públicos.
Este artigo defende que apesar de que os acordos da Havana definam um plano de ação parcial e restringido para responder ao tráfico de drogas, a sus ligação com o ponto um, quer dizer, com a Reforma Rural Integral, abre uma oportunidade para que o que até agora foi um problema de segurança comece a ser tratado desde a perspectiva do desenvolvimento territorial. Tendo em conta o anterior, a pregunta fundamental do pós-conflito não será se os novos grupos preencheram os vazios deixados pelas FARC, mas sim se o estado fará para algo evitá-lo, mais além da erradicação e do glifosato.
Desde esta perspectiva, este artigo analisa as respostas dadas para o problema do tráfico de drogas na periferia rural, assinalando pontos chaves para deixar atrás a guerra contra as drogas, o que implica necessariamente mudar a forma como se construí o ineficaz e fraco Estado na Colômbia.
As duas caras do Estado
Na Colômbia, o Estado tem tido duas caras visíveis perante o problema das drogas. Dum lado, encontrasse o Estado que fortaleceu a Força Pública, com uma maior capacidade de desdobramento armado no território e de perseguição contra as organizações criminosas. É importante entender que num país onde o conflito armado está intimamente ligado à economia ilegal das drogas, o protagonismo esteve sempre no sector da defesa, privilegiando desta forma as respostas de caráter repressivo sob a lógica da luta contra insurgente. Este é o Estado dos blocos de procura, do desmantelamento dos grandes cartéis, assim como da captura e da eliminação de importantes líderes.
Do outro lado encontrasse o Estado que obteve poucos avanços ao tentar mudar as condições que facilitaram que nos diferentes territórios aparecessem e se reproduzissem organizações e economias criminosas. Um Estado em construção, não homogêneo e profundamente desigual, com uma periferia regulada por múltiplas ordens que competem pela distribuição dos recursos, pelo uso da força, pela imposição de normas e pela tributação. Na periferia desta periferia – tal como lhe chama J. Robinson – concentrasse a violência, a expropriação e o deslocamento forçoso; também ali se localizam as zonas de cultivos ilícitos. É aí onde a manifestação do Estado é a aspersão, a erradicação e o uso das estratégias contra a produção.
Estas duas caras do Estado rodam tendo como eixo a definição dum inimigo que lhe outorga coesão e que é identificado não como um sintoma, mas sim como uma explicação dos problemas da periferia. Na Colômbia, a presença de guerrilhas e criminosos – narcotraficantes – foi indicada como o motivo do atraso e do abandono; a perfeita desculpa usada pelas elites políticas para evitarem as suas responsabilidades. É obvio que as organizações armadas à margem da lei tiveram influência na marginalização e no deterioro destes territórios; foram também responsáveis, mas também foram usados como motivo e pretexto para justificar a debilidade do Estado
No meio desta dualidade encontrasse um sistema de relação fluidas, com personagens cambiantes e elites locais que tiram vantagem do legal e do ilegal. É inegável que a corrupção e o clientelismo também formam parte do sistema político que apoiou a guerra frontal contra as drogas. Durante o conflitivo processo de construção do Estado –usando as palavras de Fernán E. Gonzáles – as organizações criminosas também saíram beneficiadas, aproveitando-se dum sistema político estreito, amanhado e exclusivo.
Na Colômbia rural, o narcotráfico significou também o persistente atraso nas relações de produção, a disponibilidade da violência para resolver conflitos, a concentração da grande propriedade e uma perversa força mobilizadora para que as regiões até agora excluídas da economia formal se integrem pela via da ilegalidade. Esta paisagem de desgoverno é completada pela existência duma sociedade fragmentada, onde a autoridade está deslegitimada e a lei constantemente posta em causa.
Perante estes desafios, o Estado Colombiano foi um gigante com pés de barro, com o poder suficiente para reprimir as manifestações criminosas que o desafiam, mas sem as capacidades para estabelecer-se no território. Os cultivos de coca concentram-se em somente seis dos trinta e dois departamentos e o 70% da área cultivada encontrasse no 10% dos aproximadamente 300 munícios produtores – dos 1123 que tem a Colômbia. A característica comum destas zonas consiste em que historicamente o Estado esteve ausente e outros atores assumiram e cooptaram grande parte das suas funções.
Tendo em conta esta realidade, a resposta ao problema do narcotráfico desde a periferia rural limita-se a evitar que uma serie de grupos produzam, exportem e vendam drogas. O verdadeiro desafio encontrasse em integrar estes territórios fugitivos que escaparam até agora à influência do Estado.
Os Acordos da Havana: o Estado à frente do espelho
A política de drogas não foi discutida no debate entre o Governo e as FARC. Na Havana a negociação limitou-se a três pontos: substituição de cultivos, prevenção do consumo e saúde pública, e a solução do problema de produção e comercialização de narcóticos. No acordo não se incluíram grandes alterações. Contudo, ao analisar o pactuado de forma global, o processo de diálogo com as FARC supõe uma oportunidade para que o Estado se olhe ao espelho e repense a relação existente entre o centro e a periferia.
Em quanto às FARC, o rupo guerrilheiro aceita timidamente a sua relação com o narcotráfico – devido à rebelião – e promete “contribuir de forma efetiva com a solução definitiva do problema das drogas ilícitas”. Dito acordo não é algo sem importância, tendo em conta que a maior parte dos cultivos se encontram em territórios controlados por esta guerrilha e que este grupo tinha historicamente negado a sua participação nesta economia ilegal.
Por agora, as primeiras dúvidas versam sobre as FARC e a sua verdadeira intenção de separar-se desta economia ilegal. Contudo, os interrogantes de fundo recaem sobre as capacidades institucionais do Estado para articular-se e transformar estes territórios. Os acordos traçam uma rota para a substituição de cultivos, através dum processo de planeamento participativo que aposta na construção de baixo para cima, com uma agenda amplia de desenvolvimento agrário.
Assumir esta postura implica uma alteração na forma como o país respondeu a este problema e na sua relação com extensas zonas do pais onde a imagem do Estado foi a de avionetas aspersando, esquadrões erradicando ou funcionários de Bogotá outorgando subsídios com a condição de não cultivo. Não há que perder de vista que, de acordo com o Sistema Integrado de Monitorização de Cultivos Ilícitos (SIMCI) das Nações Unidas, 95% dos cultivadores de coca nunca receberam nenhum tipo de benefício ou subsídio do estado para entrar na legalidade.
Sob estas condições, as medidas de caráter repressivo são necessárias mas claramente insuficientes. O desafio para o Estado não consiste só em asfixiar a presença dos grupos criminosos com intervenções estratégias e inteligentes, mas também em oxigenar as regiões com a presença integral das instituições e do acesso aos bens públicos.
Preguntas fundamentais para combater o narcotráfico desde a periferia rural
O fim da confrontação armada na Colômbia está intimamente ligado à capacidade do Estado de responder a múltiplas economias criminosas que se encontram enquistadas nos territórios e especialmente à transformação das condições que permitiram a sua reprodução. Levar a sério esta afirmação implica responder pelo menos a quatro preguntas: como pode o estado prover bens públicos no limite das suas capacidades? Qual deveria ser o desenvolvimento rural para que as zonas na periferia do Estado? Como delimitar a fronteira agrícola e ordenar o território? Como construir uma nova relação entre o Estado central e a periferia?
A realidade é que os agricultores encontram-se em sítios isolados e inacessíveis, onde é muito difícil para o Estado chegar. Sob estas condições, a oferta institucional dificilmente poderá assentar-se onde está a coca – pelo menos não a curto ou médio prazo. Desde a perspetiva do ordenamento territorial, terá que decidir-se se os esforços se dirigem a redistribuir a terra – através de títulos – onde o país construiu infraestruturas e há acessos a mercados ou levar o Estado à periferia da periferia.
É importante não perder de vista que, como assinala Alejandro Reyes, um terço da área agropecuária do país está subutilizada. Entretanto, segundo o SIMCI, os cultivos de coca detetados no censo de 2014 ocuparam 0.04% do total da terra cultivável na Colômbia. Grande parte da população envolvida nos cultivos é flutuante, não dispõe de títulos de propriedade e encontrasse na informalidade. Tendo em conta estas características, a substituição baseada em projetos particulares e fragmentados, acaba por ser insustentável.
Para reduzir a brecha de bens públicos e infraestrutura, é fundamental abordar com pragmatismo o processo de modernização do Estado, evitando simplismos em relação aos subsídios, assim como o dogmatismo que acompanhou as negociações sobre a transformação do campo. Nem a titulação é uma receita mágica para resolver os problemas da agricultura, nem a urbanização da população rural é a via através da qual o país transitará na direção do desenvolvimento.
Para fazer frente a estes desafios o Executivo deve começar por pôr a casa em ordem. O primeiro passo deve consistir em definir claramente as responsabilidades do Estado em relação ao interior, deslocando o centro de gravidade do Ministério de Defesa àquelas instituições que tem capacidade para intervir no desenvolvimento rural. O governo deve mudar a lógica de atribuir funções a novas instâncias conformadas no meio de anúncios e discursos, mas que não dispõem nem de capacidades nem de recursos. A dispersão e duplicação de funções afeta negativamente a eficácia e articulação do Estado.
Em segundo lugar, o Governo deve redefinir o orçamento e a sua distribuição. Por um lado, deve dar por terminada a já tradicional prática de assignar a maior parte do dinheiro á burocracia e aos consultores, enquanto as comunidades afetadas recebem escasso apoio. Por outro, é importante saber em quê e como se vai investir. A Colômbia tem importantes lições na experiencias de desenvolvimento alternativo, que devem ser tidas em conta para não repetir os erros do passado. A fórmula de subsídios em troca de não cultivar é insuficiente.
Em terceiro lugar, a lógica do pau e/ou cenoura está esgotada nestes territórios. A erradicação está a ser combatida pelas comunidades um pouco por todo o país. No meio do processo de paz geraram-se expetativas que marcaram em parte o crescimento do cultivo de coca, o qual se viu beneficiado pela ambivalência das mensagens do Governo e pela falta duma liderança clara neste tema. O discurso de mudança na política de drogas deve dar lugar à execução e levar-se a cabo conforme os factos.
É óbvio que sem o fim do conflito armado, a superação destes problemas é inviável, de ai a importância do atual processo com as FARC. Terminada a guerra o Estado terá que olhar-se ao espelho e reconhecer as suas limitações. Esta poderia ser a oportunidade para avançar nas reformas que se viram estancadas, na sombra dum sistema político que teve como coordenadas a confrontação bélica. Percorrer este caminho requer pôr fim à guerra contra as drogas e fechar a brechas entre o país urbano e as regiões que suportaram o peso da confrontação armada e da exclusão.
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