O que o plebiscito de 4 de setembro mostrou é que os chilenos não votaram a favor da nova ou da velha Constituição, mas contra o presidente Gabriel Boric. A população não rejeitou o texto proposto pela Convenção Constitucional para manter a Constituição de Augusto Pinochet, mas contra o que representa a esquerda hoje no poder. Ao contrario do que diz Gustavo Petro, presidente da Colômbia, Pinochet não “reviveu”. A esquerda de Boric prometeu grandes mudanças, mas demonstra não poder implementá-las.
Até mesmo a maioria dos Mapuche rejeitou a nova constituição, não porque quisessem manter a de Pinochet, mas porque, como outros antes dele, Boric militarizou seu território. Porque a esquerda não os apoia em sua declaração de autonomia do Estado chileno. Porque a nova constituição continuaria a vinculá-los à República do Chile. Porque a constituinte Elisa Loncón não surgiu do consenso dos Mapuche, mas do movimento da esquerda.
Quem também saiu vitorioso foi o medo. No espetáculo da democracia é possível, por meio da publicidade, ligar ou desligar ideias. A democracia não capta a verdadeira essência de um povo, uma vez pode ser facilmente manipulada por propagandas maliciosas.
Assim, a visão do buen vivir (bem viver) propõe formas alternativas, concretas e diretas, como a sociocracia e a comunocracia. Se essa ideologia fosse praticada no Chile, o país teria buscado a participação de diferentes grupos, tentando chegar a um consenso que vem de baixo, e não deixá-lo nas mãos de uns poucos esclarecidos, que resolvem tudo de cima.
O processo constituinte e seu resultado representam um golpe à esquerda, que acredita que as mudanças são produzidas por meio de leis (anteriormente pelas armas) e principalmente por meio do pensamento e da ordem liberais. É necessária uma reflexão para buscar a mudança a partir de baixo, gerando transformações profundas que vão além do Estado, da democracia e dos partidos, forjando caminhos pós-estatais. Caso contrário, permaneceremos no pêndulo eterno: recentemente venceu Boric, depois será alguém de direita. E assim por diante.
A esquerda gera ilusões e esperanças, que geram desencanto ou desilusão quando não são cumpridas. Por que não podem cumprir com o que prometem? O sistema não pode ser revertido com leis, nem através do Estado e do próprio sistema. É preciso trabalhar para que o povo não deposite sua esperança no Estado ou espere que os governos resolvam seus problemas, mas crie as condições e projeções para que o povo o faça por si mesmo em todos os atos e todos os dias. Quem entende isso muito bem é a direita, que atua além do Estado, buscando e gerando formas próprias de benefício aos seus interesses e consolidação de suas aspirações particulares.
Comentários
Aceitamos comentários, por favor consulte ás orientações para comentários de openDemocracy