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Quão livre é a liberdade em Angola?

Henrique Luaty e outros ativistas Angolanos foram presos por alegadamente planear depor o Presidente de Angola. A sua greve de fome e um crescente apoio público podem forçar o governo Angolano a abrir caminho a uma transição democrática. English. Español.

Manuel Nunes Ramires Serrano
2 Novembro 2015
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Luaty Beirao. RTP. All rights reserved.

No dia 20 de junho quinze ativistas Angolanos foram presos em Luanda sendo acusados de atentar contra a ordem pública e a segurança nacional. Dezassete ativistas foram formalmente acusados (duas delas, Laurinda Gouveia e Rosa Conde, em liberdade provisional) de planear um golpe de estado para depor o Presidente de Angola.

Segundo o Procurador-Geral da República, o general João Maria de Sousa, estes atos constituem “um crime contra a segurança nacional de Angola e, consequentemente, um crime de rebelião”. Pelas suas palavras, poder-se-ia pensar que os ativistas estavam a distribuir armas ou a planear uma revolução violenta. Longe disso. Estavam apenas a trocar opiniões sobre dois livros, aparentemente uma atividade proibida em Angola nos dias de hoje.

As obras em questão eram “From Dictatorship to Democracy, A Conceptual Framework for Liberation”, publicado por Gene Sharp em 1994, a qual propõem uma serie de estratégias não-violentas para usar contra regimes autoritários, e um livro dum professor universitário Angolano, Domingos da Cruz, titulado ““Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura”.

Este incidente diz muito do estado da “Democracia” Angolana. Meras trocas de opiniões ou análises críticos de qualquer tipo são categorizados como “atos de rebelião”. O exercício de direitos básicos, tais como o direito a protestar, a associar-se ou simplesmente a ler tem vindo a ser etiquetados como subversivos. O processo judicial não é respeitado, sendo as buscas policiais levadas a cabo sem autorização legal ou base jurídica alguma. Em resumo: o governo Angolano está a governar através do medo.

Greve de Fome

Os ativistas obviamente refutaram as acusações: estavam apenas reunidos para discutir política e a (falta de) proteção dos direitos humanos em Angola. Tendo sido colocados em prisão preventiva por mais de 90 dias (20 de junho-20 de setembro), o limite legal segundo a lei Angolana, alguns dos ativistas, entre eles Luaty Beirão, começaram uma greve de fome no dia 21 de setembro para chamar a atenção internacional sobre a sua detenção ilegal.

Luaty não é um desconhecido, muito pelo contrário. É filho de João Beirão, que foi uma figura importante dentro do regime Angolano, tendo sido o primeiro diretor da Fundação Eduardo dos Santos (FESA). Acusado por muitos de ser “um filho do regime”, Luaty tende a dizer que “dispõem de cabeça própria, e que as ações do seu pai não são suas.”

Uma vez que a data do julgamento foi marcada para o dia 16 de novembro, a maioria dos ativistas abandonaram a greve de fome. Luaty Beirão não o fez por entender que a situação não mudou. Todos os ativistas permanecem detidos e o regime Angolano rejeita respeitar os seus direitos fundamentais. 

De facto, o Tribunal Supremo de Angola ainda não se pronunciou sobre o pedido de habeas corpus apresentado no dia 30 de setembro, o qual pedia que os ativistas fossem apresentados perante os tribunais. Os ativistas alegam que a sua detenção não tem qualquer fundamento legal.

Num precário estado de saúde, Luaty deu por terminada a sua greve de fome ao fim de 36 dias. Numa carta endereçada aos outros ativistas e publicada no dia 27 de outubro, Luaty argumenta que a greve de fome foi uma vitória, e que as ações dos 17 ativistas que se enfrentaram ao regime de Dos Santos colocaram Angola no radar da comunidade internacional. Como ele mesmo o diz na carta, “a máscara caiu”.

Prisioneiros de consciência

A boy with an empty wheelbarrow walks underneath an MPLA propaganda banner in the town of Menongue. Demotix. All rights reserved._0.jpg

Menongue, Angola. Demotix. All rights reserved.

O caso dos ativistas foi transmitido internacionalmente e desencadeou uma serie de protestos a nível internacional liderada por diversas organizações não-governamentais. Por exemplo, a Amnistia Internacional lançou uma campanha contra o que é sem nenhuma dúvida uma violação dos direitos humanos. Diversas organizações por todo o mundo exigem que práticas tais como as detenções arbitrárias de opositores políticos, o assédio a jornalistas e a intimidação à que são sujeitos os ativistas terminem, ao mesmo tempo que defendem que o direito à liberdade de expressão, à liberdade de associação e reunião sejam respeitados.

A sociedade civil Portuguesa também está a seguir de perto o assunto. Numa carta aberta endereçada ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, vário intelectuais, artistas e figuras politicas, tanto nacionais como internacionais, pedem uma solução. Exigem que o Governo Português atue em conformidade com os direitos humanos e pressione Angola para por fim á detenção ilegal de Luaty Beirão e dos restantes 14 ativistas.

Sublinham que Portugal tem obrigações para como Luaty, uma vez que ele não é só um cidadão Angolano, mas também Português. Segundo os subscritores da carta, o Estado Português têm a responsabilidade “ética, moral e constitucional” de proteger os seus cidadãos. Recordando que os direitos humanos não podem estar por debaixo das relações diplomáticas ou ideologias politicas, a carta sublinha que Portugal não pode comportar-se como um observador silencioso perante o que os subscritores consideram que se trata de “detenções politicas”.

Nesta linha, Pilar del Rio, a Presidente da Fundação José Saramago, também endereçou uma carta ao Presidente de Angola, pedindo-lhe na altura que salvasse a vida de Luaty Beirão e protegesse a liberdade de expressão dos 14 ativistas atualmente detidos.

Foram também convocadas vigílias em Lisboa e no Porto no dia 21 de outubro (convocadas pela organização LAPA, “Liberdade aos Presos Políticos em Angola”) sob o grito de “Liberdade Já”. Entretanto em Angola, uma serie de manifestações em apoio aos ativistas e contra José Eduardo dos Santos foram proibidas, sendo dita proibição fundamentada no “risco que tais manifestações supõem para a ordem pública”.

Direitos Humanos por cima da Soberania

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Wikipedia Commons. Some rights reserved.

Portugal tem vindo a oferecer ao regime Angolano o que ele mais precisa: uma imagem de respeitabilidade. É verdade que este caso acarreta ligações históricas, económicas e culturais que não são fáceis de contornar. Obviamente, a dependência económica de Portugal em relação ao petróleo Angolano e outras “commodities” piora as coisas.

Contudo, o argumento que a soberania dos estados lhes concede um salvo-conduto para violar os direitos humanos não pode ser defendido hoje entre os países da comunidade internacional, apesar dos múltiplos casos de violações que continuam a ter lugar em diversas partes do mundo.

Os direitos humanos são universais e os prisioneiros políticos são prisioneiros políticos. Aqui, em Angola e em qualquer parte do mundo. Os contornos políticos deste caso são inevitáveis e Portugal não pode fugir às suas responsabilidades.

As ligações históricas entre Portugal e Angola não são desculpa. Na realidade, tais ligações deveriam reforçar o compromisso de Portugal em asseverar que Angola deixa para trás décadas de cleptocracia. Portugal tende a confundir respeito por subserviência. Uma coisa é respeitar a soberania de Angola, outra é colocá-la sobre a dignidade dos seus cidadãos, e neste caso, sobre a responsabilidade de Portugal de proteger os seus cidadãos, tanto em casa como fora. Isto não é somente uma obrigação moral, mas também uma responsabilidade diplomática.

Uma verdadeira Democracia

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Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. Wikimedia Commons.

Luaty Beirão e os seus companheiros, que como ele tendem a ser apelidados de “filhos do regime” (mesmo não o sendo muito deles), conseguiram algo nunca visto na história de Angola: colocar o regime (local e internacionalmente) sob o escrutínio público. O que começou como uma onda de solidariedade é agora um verdadeiro movimento em defensa da democracia.

O regímen Angolano enganou-se ao pensar que podia controlar as pessoas através das armas. Isto não funcionou durante o colonialismo. Certamente não funcionará agora. A falta de memória histórica, junto com o desrespeito para como a liberdade e a justiça, acabaram por criar não um, mas milhares de revolucionários. Como Luaty escreve na sua carta, “esta vez os Angolanos lutam, pacificamente, em prol de uma verdadeira transformação social”.

Gene Sharp escreve no seu livro que “a tantas vezes citada frase que diz que a liberdade não é grátis tende a refletir a realidade. Nenhuma força exterior chegará para dar aos oprimidos a liberdade que eles tanto desejam. As pessoas têm que aprender como obter dita liberdade elas mesmas. Fácil não é”.

Os ativistas em Angola tomaram esta ideia como sua. Autossacrifício e estratégias não-violentas foram usadas e muitos pagaram um elevado preço pela liberdade. Contudo, não deveriam suportar totalmente o custo de algo a que todos temos direito. Num mundo globalizado e interdependente, a soberania tem que ter limites. E esses limites incluem tanto os valores democráticos como os direitos humanos.

As ações de Luaty Beirão serão descritas por muitos como um gesto romântico que não muda nada. Contudo, pela primeira vez desde 2002, o consenso à volta de José Eduardo dos Santos está a desmoronar-se. Campanhas internacionais estão a sensibilizar a comunidade internacional para com a verdadeira natureza da “Democracia” em Angola. Os prisioneiros políticos estão a ser reconhecidos como tais e o MPLA está pouco a pouco a perder o controlo sobre os corações e as mentes dos Angolanos.

Manifestações em Luanda estão a ser proibidas ou reprimidas, contudo, estão a soprar ventos de mudança. Protestos em Lisboa, o eco internacional criado pela greve de fome de Luaty e a declaração conjunta feita pela oposição exigindo a libertação dos 15 ativistas são todos sinais de que a consciência de Angola está a mudar. Trinta e seis dias de greve de fome, um por cada ano de Eduardo dos Santos no poder, abriram as portas à posibilidade de uma transição pacifica que poucos pensariam que fosse possível. 

Como as ações de Luaty Beirão demostraram, e contrariamente ao que muitos ainda pensam em África, ideias e ações não-violentas podem mudar o destino de um país. O velo superficial de respeitabilidade e compromisso para com os valores democráticos que Angola afirmava atesoirar foi levantado e a sua verdadeira natureza exposta. A comunidade internacional devia tomar nota.

O ano dois mil e quinze marca as celebrações dos 40 anos da independência de Angola. Esperemos que Angola, e os Angolanos, celebrem não só terem posto o seu passado colonial atrás, mas também a liberdade de Luaty Beirão e dos restantes prisioneiros de consciência. Sendo otimistas, este seria o primeiro passo em direção a um novo amanhecer em Angola. Um amanhecer que venha acompanhado por uma verdadeira democracia.

Toda a gente está a olhar para Luanda. E para Lisboa. E já não era sem tempo.

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