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A sobrevivência da Amazônia está em risco

Orientado por formuladores de políticas públicas, CEOs, ícones culturais e líderes indígenas, o painel de pesquisa liderado por Carlos Nobre, Andrea Encalada e Jeffrey Sachs apresentará um caminho para a bioeconomia equitativa, baseada na biodiversidade e no conhecimento tradicional.

Science Panel for the Amazon
24 Julho 2020, 4.35
Reflexo da floresta no rio Amacayacu, um afluente da Amazônia perto de Leticia, na Colômbia.
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Image: Francesc badia i Dalmases / All rights reserved

Motivados pelas ameaças ambientais crescentes, urgentes e catastróficas à Amazônia, um grupo de cerca de 150 cientistas renomados dos oito países amazônicos, da Guiana Francesa e parceiros globais, lançou hoje, oficialmente, uma iniciativa científica encarregada de fornecer a primeira avaliação baseada em evidências do estado da Bacia Amazônia. Suas recomendações irão sugerir um plano para a formulação de políticas públicas nesta vulnerável região, que abrange a maior e mais biodiversa floresta tropical do mundo, e cujos líderes nacionais se comprometeram a salvar.

O Painel Científico para a Amazônia produzirá a primeira revisão científica a cobrir toda a Bacia Amazônica e seus biomas - a ser lançada em 2021. Patrocinado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, o lançamento do Painel Científico contou com a participação de um grupo de conselheiros estratégicos, incluindo Juan Manuel Santos, ex- presidente da Colômbia e outros líderes políticos; ícones culturais como o famoso fotógrafo Sebastião Salgado e José Gregorio Díaz Mirabal, eleito líder dos Povos Indígenas da Amazônia.

O atual ritmo de desmatamento na Amazônia, em conjunto com os incêndios florestais devastadores do ano passado, levaram a maior floresta tropical do mundo a atingir um ponto crítico

"Nossa mensagem aos líderes políticos é a de que não há tempo a perder", disse Carlos Nobre, co-presidente do Painel Científico para a Amazônia. “O atual modelo de desenvolvimento está incentivando o desmatamento e a perda de biodiversidade, levando a mudanças devastadoras e irreversíveis. Para que a Amazônia possa sobreviver, precisamos mostrar como este modelo pode ser transformado, de modo a gerar benefícios econômicos e ambientais resultantes de colaborações entre cientistas, detentores de conhecimentos indígenas e suas lideranças, e governos.”

O atual ritmo de desmatamento na Amazônia, em conjunto com os incêndios florestais devastadores do ano passado, levaram a maior floresta tropical do mundo a atingir um ponto crítico, aumentando a urgência dos motivos que levaram os líderes da Colômbia, Bolívia, Equador, Peru, Suriname, Guiana e Brasil a assinar o Pacto de Letícia em setembro de 2019 na cidade colombiana de Leticia. O acordo compromete os governos destas sete nações a proteger a Amazônia e seus tesouros da biodiversidade, a respeitar os direitos dos povos tradicionais da região e a explorar maneiras inovadoras de desenvolver a região de maneira sustentável, mantendo a floresta em pé.

"A conservação da Amazônia é crítica não apenas para a sobrevivência dos 35 milhões de pessoas e das milhares de espécies que vivem lá, mas para o planeta", disse Santos, Prêmio Nobel da Paz 2016 e ex-presidente da Colômbia. “Somente a ciência e o conhecimento único das comunidades indígenas podem salvar nossa floresta tropical. Porque, lembremos, essa pandemia não é nada se comparada à crise a nível de extinção que a perda da Amazônia poderia trazer.”

Para informar os líderes políticos na implementação do Pacto de Letícia, Nobre, Encalada e seus colegas do Painel Científico estão desenvolvendo um plano uniforme e coerente para o futuro da Amazônia, que será baseado em uma revisão de pesquisas com rigor científico, revisadas por pares (peer review), e produzirá recomendações relevantes para políticas públicas voltadas para a conservação e a promoção do desenvolvimento sustentável da maior floresta tropical do mundo.

"Os enormes incêndios que revelaram ao mundo o grave perigo enfrentado pela Amazônia também revelaram um alto nível de preocupação global em relação aos povos da Amazônia e à saúde da floresta tropical", disse Jeffrey Sachs, professor da Universidade Columbia e Diretor da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. “Todo setor legal e ético - público ou privado - será beneficiado por atuar em nosso relatório. Pretendemos fornecer meios para que governos, investidores e empresas respondam às crescentes expressões de solidariedade em relação à Amazônia e às comunidades indígenas que nela vivem e a protegem.”

Abrangendo oito países e um território, e abrigando mais de um décimo de todas as espécies do Planeta, esse ecossistema inestimável hoje está ameaçado pelo desmatamento, incêndios, mineração, desenvolvimento de petróleo e gás, grandes barragens para geração hidrelétrica e invasões ilegais. Uma área florestal do tamanho de Luxemburgo foi perdida apenas no mês de julho de 2019, devido ao desmatamento e incêndios. Em julho de 2020, apesar da proibição anunciada pelo governo do Brasil, o período de queimadas começou novamente.

Construindo valor econômico e mantendo florestas em pé

Com base em uma ampla revisão de pesquisas científicas nos campos da ciência ambiental, economia e tecnologia, o novo plano-orientado-por-dados combinará conservação com um modelo de desenvolvimento sustentável que reconheça a Amazônia tanto como um ecossistema vital interconectado, quanto como uma fonte de recursos necessária para as pessoas que vivem nele, de acordo com Marielos Peña-Claros, cientista Boliviana que compõe o Comitê Diretor Científico do Painel.

“Estamos começando a entender somente agora a importância da floresta amazônica para os alimentos que ingerimos, para a água que bebemos e para a vida que vivemos”, disse Peña- Claros. “Por exemplo, o padrão de precipitação da América do Sul é amplamente determinado pelo ciclo hídrico da floresta amazônica. Isso significa que o desmatamento da Amazônia também afeta negativamente a produção agrícola do Uruguai e do Paraguai, a milhares de quilômetros de distância. ”

Peña-Claros e seus parceiros pesquisadores reconhecem que a agricultura, as indústrias e os governos dependem dos recursos florestais para sustentar suas economias e construir riqueza e bem-estar. Eles afirmam que, com monitoramento e gerenciamento cuidadosos, o desenvolvimento na Amazônia não precisa estar relacionado a exploração, uma perspectiva que José Gregorio Díaz Mirabal insiste em levar ao Painel.

"Possuímos o conhecimento de milhares de anos sobre a Amazônia e sobre sua biodiversidade e estamos dispostos a compartilhá-lo, desde que esse conhecimento não seja comercializado ou patenteado para o benefício de poucos"

“Devemos salvar a Amazônia e o futuro da humanidade através de uma economia que respeite os ciclos da vida da natureza e que reconheça os direitos da natureza e dos povos indígenas”, disse José Gregorio Díaz Mirabal, líder da COICA (Coordenação de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica). "Estamos buscando uma economia que reconheça a vida como um todo, e não apenas por seu valor monetário, e isso significa que seu sucesso dependerá de quão profundamente os povos indígenas serão envolvidos e do reconhecimento de nossos direitos a nossos territórios ancestrais”.

“Possuímos o conhecimento de milhares de anos sobre a Amazônia e sobre sua biodiversidade e estamos dispostos a compartilhá-lo, desde que esse conhecimento não seja comercializado ou patenteado para o benefício de poucos e, pior ainda, que povos indígenas sejam excluídos de qualquer distribuição de benefícios. Díaz Mirabal acrescentou. “No âmbito dessa iniciativa, queremos mostrar ao mundo que a Amazônia é mais do que uma floresta e o dióxido de carbono que armazena; sua existência contínua é essencial para a humanidade e para a continuidade da vida como a conhecemos. ”

“Sem uma ação imediata para deter o desmatamento e começar a repôr as árvores perdidas, metade de toda a floresta amazônica pode se tornar uma savana em um período de apenas 15 a 30 anos”, segundo Nobre, membro da Academia Brasileira de Ciências. “As florestas tropicais da Amazônia geram entre 20% e 30% de suas próprias chuvas, de modo que preservá-las é tão vital para os sistemas climáticos regionais e para a produção de alimentos, quanto é para estabilizar o clima global.”

“O desmatamento está agora em 17%”, disse Nobre, “mas se exceder 25%, cruzaremos o ponto de inflexão”.

O ritmo atual de desmatamento e os incêndios florestais, que em 2019 devastaram aproximadamente 14.000 km2 da Amazônia e levaram a maior floresta tropical do mundo a um ponto quase irreversível, foram os motivos que levaram cientistas a assinarem uma carta no ano passado chamada The Scientific Framework to Save the Amazon (“Marcos Científicos para Salvar a Amazônia”), na qual manifestaram que: “Nós, cientistas da Amazônia e que estudamos a Amazônia, nos reunimos para contribuir com nosso conhecimento e experiência para uma avaliação científica do estado dos diversos ecossistemas da Amazônia, das mudanças climáticas e do uso da terra, e suas implicações para a região.”

"Através da utilização de ciência de qualidade e tecnologias avançadas, podemos salvar a floresta tropical, proteger os ecossistemas da Amazônia e seus povos indígenas e populações tradicionais, e ainda desenvolver atividades econômicas sustentáveis para uma bioeconomia inovadora", apontaram.

Em conformidade com o Pacto de Letícia, adotado pelos governos nacionais da Amazônia, e que destaca a importância da pesquisa, da tecnologia e da gestão do conhecimento para orientar a tomada de decisões na região, o Painel Científico para a Amazônia tem como objetivo realizar a avaliação científica mais abrangente e rigorosa da história sobre os diversos ecossistemas da Amazônia, as mudanças climáticas e no uso da terra, e suas implicações para o futuro.

Trabalhando com o apoio de seu Comitê Estratégico, o Painel Científico, responsável por produzir a Avaliação Científica do Estado da Bacia Amazônica, lançará uma campanha com base em suas descobertas. A necessidade urgente de proteger a natureza está se tornando cada vez mais clara, mesmo para os responsáveis por um modelo econômico que colocou o mundo natural em risco. Recentemente, o Fórum Econômico Mundial estimou que ecossistemas intactos representam um valor de US $ 33 trilhões para a economia global, observando também que 80% da biodiversidade restante do mundo é protegida por povos indígenas.

"Nós, cientistas, faremos o nosso melhor, mas não será suficiente", disse Nobre. "Nosso trabalho não deve servir apenas para cumprir requisitos na agenda global de clima e biodiversidade. A sobrevivência do próprio planeta está em jogo e todos - governos, organizações, setor privado, povos indígenas e a sociedade em geral - devem agir pela conservação e pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia”.


Nota do Editor: No dia 3 de setembro de 2020, o Painel Científico para a Amazônia sediará um webinar sobre ciência, apresentando os principais assuntos a serem abordados no Relatório, incluindo o estado da Amazônia e os caminhos para a criação de uma bioeconomia baseada na biodiversidade e em conhecimentos indígenas.

Para receber um convite, jornalistas podem escrever para: [email protected]

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