
Tendências políticas e ação cidadã em 2022: o que nos espera?
Este ano veremos mais protestos, mobilização climática, ataques à democracia, luta contra o populismo de direita – e esperança

O primeiro mês de 2022 passou como um pesadelo. No Cazaquistão, vimos a repressão brutal de um movimento que exige mudanças profundas. Burkina Faso tornou-se o último país a sucumbir ao poder militar, enquanto a Rússia mobilizou um número assustador de tropas para a fronteira com a Ucrânia, aumentando o espectro da guerra. O que o resto do ano nos reserva?
Aumento de preços de alimentos e combustíveis
O custo de vida vem aumentando em todo o mundo. As necessidades básicas, principalmente alimentação e combustível, parecem ser as que mais aumentaram. Este é o indicador mais previsível de protestos populares.
Em cada país, a forma dos protestos depende em parte do grau de democracia do regime e da abertura do espaço cívico. Onde as liberdades e os direitos são amplamente respeitados, os protestos contra o custo de vida devem ser esporádicos, mas quando persistentes e em grande escala podem levar a concessões governamentais, compromisso com o diálogo ou até mesmo grandes reformas.
Mas os protestos em contextos autoritários e repressivos, onde outras formas de expressão de dissidência são bloqueados, devem ser generalizados e massivos, abrangendo uma ampla variedade de demandas além de seu estopim inicial. O povo pressionará não apenas para substituir os líderes políticos, mas também para mudar o sistema.
Esses protestos serão recebidos com repressão violenta. Em alguns casos, essa repressão será decisiva, embora não consiga dissipar o descontentamento profundo, que buscará outras oportunidades para ressurgir. Em outros, as forças de segurança estarão ao lado dos manifestantes, levando a avanços. Os protestos no Cazaquistão são apenas os primeiros deste ano: outros virão e, algumas vezes, os manifestantes vencerão.
Nova onda de mobilização climática
A mobilização do movimento por justiça climática, um dos fenômenos mais importantes da sociedade civil nos últimos anos, será retomada e intensificada este ano. Ao tomar as ruas, ativistas colocam a crise climática na agenda política. Os resultados da COP26, em última análise decepcionantes, são um convite para mais uma vez pressionar os processos institucionais nas ruas.
Com grandes marchas, greves climáticas e crescentes exemplos de desobediência civil não-violenta, o ímpeto climático voltará a crescer antes da COP27, no Egito, onde os governos serão instados a se comprometerem com cortes de emissões mais ambiciosos. O movimento de ação climática permanecerá global, mas as mobilizações em grande escala ocorrerão nos países do Norte Global, em parte porque o espaço este tipo de mobilização em países como o Egito é muito limitado e em parte para instar os governos ocidentais a assumir a liderança moral, reduzir suas emissões e financiar a transição do Sul Global.
Outras táticas complementarão a ação nas ruas, algumas comprovadas e outras ainda em fase de testes. Os litígios climáticos aumentarão e novos desenvolvimentos judiciais significativos podem ser esperados, como a decisão na Holanda de 2021, que forçará a Shell a se comprometer a reduzir suas emissões. O ativismo dos acionistas em relação aos fundos e financiadores de combustíveis fósseis se intensificará, com os fundos de pensão, em particular, sob crescente pressão para investir em alternativas aos combustíveis fósseis.
Ataques mais profundos à democracia
É provável que a regressão democrática se aprofunde, com prováveis golpes de Estado. Depois de Guiné, Mali, Sudão, Tunísia e agora Burkina Faso, outros exemplos devem vir, especialmente devido às pressões dos protestos desencadeados pelos preços dos alimentos e combustíveis, bem como o fraco desempenho e a natureza de muitos regimes que têm interesses sobre esses aumentos.
Um setor significativo da população deve inicialmente apoiar os golpes
Dado o péssimo desempenho dos governos, um setor significativo da população deve inicialmente apoiar os golpes, mas deve se distanciar quando as promessas de uma transição democrática começarem a colapsar diante das manobras dos golpistas para se agarrarem ao poder.
Os golpistas aproveitarão a distração da comunidade internacional. Eles explorarão a preocupação dominante dos governos ocidentais com o controle da migração, estabilidade e segurança em detrimento dos direitos humanos e a intenção de Estados repressivos como China e Rússia de minar o sistema internacional e explorar oportunidades econômicas na autocracia.
Os estados autoritários cada vez mais levarão sua repressão além das fronteiras para silenciar os dissidentes exilados. Seguindo os passos da Rússia, a Bielorrússia sequestrou e matou dissidentes exilados em 2021. Ruanda fez algo semelhante. A ausência de uma resposta global coordenada, em um sistema internacional enfraquecido, apenas encorajará outros.
Uma tendência importante a ser observada é o crescente uso indevido do sistema de alertas internacionais da Interpol, ou seja, notificações compartilhadas por meio do sistema de comunicação da polícia para extraditar pessoas por crimes graves. Estados como China e Turquia os estão usando cada vez mais contra dissidentes exilados. Agora que a Síria, o país com a maior população de refugiados do mundo, voltou ao sistema da Interpol, os abusos devem aumentar.
Luta contra o populismo de direita
A maré tóxica do populismo de direita ainda não acabou – e continuará pressionando as democracias estabelecidas. Em alguns países, como Portugal, continua a aumentar. Em ano de eleições presidenciais na França, a direita monopoliza o debate sobre migração. Nos Estados Unidos, o trumpismo está ganhando espaço nas estruturas que supervisionam as eleições. Mas também veremos avanços entre a oposição em seus esforços de refutar o populismo de direita e expulsar seus líderes.
Uma abordagem interessante, tentada com sucesso na República Tcheca no ano passado, é a organização de frentes unidas para remover líderes populistas. Os partidos deixaram de lado suas diferenças para se apresentarem como amplas coalizões, derrotando o primeiro-ministro Andrej Babiš, regularmente acusado de conflitos de interesse e corrupção. Em 2022, esse modelo será posto à prova contra um peixe muito grande: o húngaro Viktor Orbán. Até agora, manteve-se a unidade dos partidos que se unem na tentativa de limpar a maltratada democracia do país.
No Brasil, parece que apenas uma tentativa de insurgência ao estilo Trump poderia salvar Jair Bolsonaro
Na Índia, o nacionalista de direita Narendra Modi parecia imparável, mas sua derrota diante das manifestações de agricultores, que se recusaram a parar de protestar, enfraqueceu sua reputação antes das eleições. Enquanto isso, no Brasil, parece que apenas uma tentativa de insurgência ao estilo Trump poderia salvar Jair Bolsonaro.
Nova geração de ativistas
O mais importante é que o final da história ainda não foi escrito. A história continuará a ser feita graças a uma sociedade civil renovada, rejuvenescida e energizada que continuará a mobilizar a criatividade para capturar a imaginação e fazer manchetes. Longe da velha imagem das ONGs, uma nova geração, jovem e diversificada, está forjando seus próprios movimentos sociais fora das estruturas convencionais.
Junto com o movimento climático, movimentos por justiça racial, direitos das mulheres e LGBTQI+, direitos indígenas e direitos de migrantes e refugiados continuarão a mudar a maneira como vemos o mundo e nossas vidas. Liderados cada vez mais por jovens líderes, mulheres e membros de comunidades excluídas, eles encontrarão uma voz e exigirão o que é seu por direito. Eles criarão suas próprias estruturas de participação e afirmarão o valor de suas visões de mundo. Em contextos autoritários, eles literalmente arriscam seus corpos. Em algumas instâncias, eles vão refazer a política, como no Chile, onde um presidente emergiu do movimento de protestos que nomeou um gabinete diversificado e marcado pelo presença de mulheres.
Esses são os movimentos que vão inspirar e dar esperança de que, em mais um ano tumultuado, haja vitórias para comemorar.
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