
Trabalho sexual significa liberdade para profissionais do sexo com deficiência
Cinco trabalhadorxs com deficiência explicam por que não desejam ser "resgatadxs" e por que a descriminalização é vital


“Para mim e tantas outras, o trabalho sexual significa liberdade.” Estas são as palavras de Lucky, profissional do sexo dos Estados Unidos de 21 anos que sofre de dor crônica e uma doença física de longa data.
Lucky, que se identifica como não binária, percebeu ainda jovem que ter um emprego regular das 9h às 17h não seria sustentável. Então, aos 18 anos, Lucky começou a produzir e vender conteúdo pornográfico como forma de ganhar a vida.
“Aprendi desde cedo que realizar trabalhos regulares por um mínimo de 40 horas semanais tornava meu conjunto de deficiências muito mais dolorosos e até mesmo levava a novas condições”, diz Lucky.
“[O trabalho sexual] é muito menos exigente fisicamente, o salário é fantástico e é acessível. Além disso, há um forte senso de comunidade."
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Esta é a realidade para muitas pessoas com deficiência, que, muitas vezes devido a auxílio insuficiente do governo e discriminação no local de trabalho, decidem trabalhar na indústria do sexo.
Lucky é umx dxs cinco trabalhadorxs do sexo com deficiência – dos Estados Unidos, Canadá e Irlanda – com quem conversei. Todxs explicaram as formas como lutam por seus direitos e contra o estigma.
'Incomparavelmente acessível'
Azura Rose, uma trabalhadora do sexo canadense de 31 anos, trabalha no setor há mais de oito anos. Como Lucky, ela descobriu que era a “melhor solução” para suas necessidades físicas e mentais.
“O trabalho sexual pode ser um trabalho incomparavelmente acessível. Muitas pessoas com deficiência precisam levar em consideração dias de agravamento de suas condições ou consultas médicas, ou podem simplesmente não conseguir trabalhar por muitas horas consecutivas”, diz.
“Além disso, geralmente temos um custo de vida mais alto do que pessoas sem deficiência e, às vezes, o trabalho sexual é a única opção para pagar por medicamentos ou tratamentos caros.”
![we often have a higher cost of living than abled people, and sometimes sex work is the only option to [pay for] costly medication or treatments](https://cdn2.opendemocracy.net/media/images/Untitled_design_-_2021-12-10T104959.196.width-800.png)
O trabalho sexual também pode oferecer às pessoas com deficiência a opção de trabalhar em casa. Esta foi uma das principais vantagens para Mx. Rose, de 26 anos, trabalhadorx do sexo autista e de gênero fluido que mora nos Estados Unidos.
“Para mim como autista, lidar com pessoas em público ou em um ambiente profissional é quase doloroso. Eu não preciso me preocupar em 'mascarar' quem eu sou quando estou filmando algo sexy no meu quarto ”, diz.
“Não só existe a possibilidade de pagamento alto, mas temos total controle sobre nosso tempo. Não temos que nos preocupar em gastar dias de licença médica ou correr risco de demissão por estarmos deprimidos ou com dor”, acrescenta.
Problemas com o ‘Modelo Nórdico’
Na maioria dos países, o trabalho sexual é criminalizado, o que torna a vida dxs profissionais do sexo (com ou sem deficiência) difícil, uma vez que muitas vezes são forçadxs a trabalhar sozinhxs e nas sombras.
Kiko Demon é uma trabalhadora do sexo de 30 anos na República da Irlanda. Ela diz que os direitos das pessoas com deficiência estão “intrinsecamente ligados” aos direitos dxs trabalhadorxs do sexo e que a descriminalização total é vital para proteger os dois grupos.
“Muitas deficiências são invisíveis e para essas pessoas que também são profissionais do sexo, nossas vidas e os desafios que enfrentamos são duplamente invisíveis”, ela escreveu em um blog para Disabled Women Ireland.
Em março de 2017, a República da Irlanda introduziu uma lei que criminaliza a compra de serviços sexuais e descriminalizou os profissionais do sexo. A legislação anterior proibia a solicitação da prostituição, bordéis e viver da renda da prostituição, afetando tanto profissionais do sexo quanto seus clientes.
A lei de 2017 segue o chamado "Modelo Nórdico". Os defensores argumentam que criminalizar apenas os clientes ajudará a reduzir a demanda por trabalho sexual e, portanto, permitirá que profissionais do sexo saiam da indústria.
Esta abordagem foi adotada na Suécia, Noruega, Islândia, Canadá, França, Irlanda, Irlanda do Norte e Israel, apesar de sofrer forte oposição de profissionais do sexo e organizações lideradas por profissionais do sexo.
Os profissionais argumentam que essa abordagem leva a taxas mais altas de violência e discriminação contra a comunidade, além de não abordar as condições materiais que levam as pessoas ao trabalho sexual.
Um estudo de 2019 da organização de profissionais do sexo Ugly Mugs Ireland demonstrou que crimes contra profissionais do sexo praticamente dobraram nos dois anos desde que a lei foi introduzida, com crimes violentos aumentando em 92%.

Kiko concorda que a lei atual está tornando o trabalho sexual “mais perigoso e mais difícil” para as pessoas com deficiência, que precisam da renda para sobreviver.
“Como trabalhadorxs do sexo com deficiência, somos mais vulneráveis a mudanças nas políticas porque não temos o privilégio de acessar outros meios de trabalho”, disse ela.
“Para aquelxs de nós que atendem clientes presencialmente, também estamos operando em condições estressantes em que nossos clientes são criminalizados, o que cria interações mais arriscadas.”
Uma versão do Modelo Nórdico foi aprovada no Canadá em 2014 sob o Projeto de Lei C-36, que criminalizou a compra de serviços sexuais e em grande parte descriminalizou a venda de sexo. No entanto, os profissionais do sexo ainda podem ser processadas se forem flagrados “se comunicando com o propósito de fornecer sexo” perto de escolas ou playgrounds, além de impedi-los de trabalhar em ambientes fechados.
Profissionais do sexo no Canadá se opuseram à lei sob o argumento de que as força a situações em que têm pouco controle sobre suas condições de trabalho, o que aumenta sua vulnerabilidade à violência e à discriminação.

Azura Rose argumenta que é por causa dessas “leis injustas” que profissionais do sexo não podem trabalhar juntxs, o que é particularmente importante para as pessoas com deficiência que podem precisar de apoio adicional.
“As pessoas com deficiência estão intimamente familiarizadas com outras pessoas atropelando nosso lugar de fala e anulando nossa autonomia corporal, e é frustrante ver não profissionais do sexo tentando nos empurrar de volta à pobreza sob p disfarce da compaixão”, afirma.
O trabalho sexual é ilegal em quase todo os Estados Unidos, exceto em partes de Nevada, onde a prostituição é legalizada na forma de bordéis estritamente regulamentados.
Estigma em torno do trabalho sexual
Trabalhadorxs do sexo têm se pronunciado cada vez mais sobre o estigma associado ao trabalho do sexo, que é perpetuado há décadas por políticos, líderes religiosos e a grande mídia.
Xs trabalhadores com quem conversei sublinham que não desejam ser “resgatadxs” da indústria e nem exaltadxs por realizaram trabalho sexual – é apenas um trabalho pelo qual merecem direitos e oportunidades iguais.
Lucky diz que existe também o preconceito em relação a profissionais com deficiência de que apenas aquelxs que se envolvem no “trabalho fetichista” podem ter sucesso e que não podem ser percebidxs como desejáveis de outras maneiras.
Lucky rejeita essa atitude. “Não somos valorizadxs porque somos imperfeitos; somos valorizadxs porque somos pessoas interessantes e 'gostosas' que outras pessoas estão dispostas a gastar dinheiro para ver e se comunicar”, disseram eles.
“Quer sejamos clientes ou trabalhadorxs, somos uma grande parte da economia, em grande parte porque é um dos únicos espaços que nos permitem existir e receber intimidade”, acrescenta.

A confusão entre trabalho sexual e tráfico sexual é uma característica fundamental do estigma em torno do trabalho sexual e que afeta desproporcionalmente as pessoas com deficiência.
Em abril de 2018, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei de Combate ao Tráfico Sexual Online e a Lei de Proibição de Traficantes de Sexo (FOSTA-SESTA), que impôs penalidades severas às plataformas online que facilitam o trabalho sexual.
Para pessoas como Lucky, o trabalho sexual online permite que ganhem a vida e leis como FOSTA-SESTA essencialmente “criminalizam a vida e o trabalho como deficientes”.
Outra mulher com quem conversei (que deseja permanecer anônima) realiza trabalho sexual de “serviço completo” nos Estados Unidos há mais de cinco anos. “Trabalho sexual de serviço completo” (ou FSSW, na sigla em inglês) é o termo preferido pela comunidade em vez de “acompanhante” ou “prostituta”, que muitos agora consideram depreciativo.
Ela concorda com Lucky que, embora os retratos da mídia de trabalhadorxs do sexo deficientes muitas vezes xs retratem como "fetiches", a maioria das pessoas que procuram trabalhadorxs do sexo nem mesmo percebem que são deficientes.
“Acho muito estúpido que as pessoas presumam que quem tem fetiche por deficiência (que em grande parte não existe) seja os que mantêm trabalhadoras do sexo com deficiência”, diz. “Quase todo mundo que já viu um profissional do sexo já viu um com deficiência sem nem notar.”
Mx. Rose diz que mais pessoas deveriam apoiar ativamente a comunidade para alcançar a descriminalização total, particularmente dada sua importância dentro da realidade daquelas que precisam de apoio adicional.
“Eu gostaria de ver mais pessoas lutando por nós, nos defendendo e amando nossa existência. Quero ver pessoas ao nosso lado na luta pela descriminalização”, clama.
“Não há muitas opções para nós no mundo deles. Então, queremos apenas prosperar no nosso.”
Ilustrações Inge Snip. Todos os direitos reservados
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