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A América Latina terá que redefinir as suas relações com a China

De acordo com um novo relatório da OCDE, a América Latina terá que redefinir as suas relações com a China se quiser retomar o crescimento económico. Español English

Fabiola Ortiz
27 Abril 2016

A América Latina terá que redefinir suas relações com a China se quiser retomar sua rota de crescimento econômico e beneficiar-se dos investimentos do gigante asiático, que ainda continuará como o grande credor da região. Esta é a conclusão do relatório “Perspectivas econômicas da América Latina 2016 – rumo a uma nova associação com a China”, elaborado conjuntamente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) e Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF).

“A América Latina tem sido pouco proativa na sua relação com a China e com o mundo. Tem sido muito passiva e a grande mensagem é que a demanda chinesa por minerais na ordem de dois dígitos não voltará mais a ocorrer. A América Latina terá que redefinir sua estrutura econômica”, afirmou Ángel Melguizo, chefe da unidade de América Latina e Caribe da OCDE, em entrevista ao Diálogo Chino.

A necessidade de se tornar mais atraente para os investimentos chineses fará com que as economias latino americanas tenham que diversificar e modernizar suas estruturas produtivas, indica o documento lançado na sede do Wilson Center, em Washington (USA). O informe faz recomendações para que a região melhore e aprofunde a relação com a China como parte de sua agenda de desenvolvimento. A China é e continuará sendo um ator importante e de “mudança real” para a região, prevê o documento.

Um modelo esgotado

Nas últimas décadas, o centro de gravidade da economia mundial tirou as economias da OCDE do foco e voltou-se para as emergentes. Os vínculos da América Latina com a China têm evoluído para além do comércio e levado os países latino-americanos a adotarem reformas específicas que estimulem seu crescimento inclusivo e construam uma parceria que tenda a beneficiar mutuamente os dois lados.

O comércio com a China teve uma expansão sem precedentes nos últimos 15 anos, informa a OCDE. Desde 2000, o fluxo comercial entre os dois se multiplicou 22 vezes. Entre 2001 e 2010, as exportações latino-americanas de produtos de origem mineral e combustíveis fósseis para a China cresceram ao ritmo de 16% todos os anos.

Atualmente, a China é o maior sócio comercial do Brasil, Chile e Peru. As matérias-primas representam 73% das exportações da região para satisfazer a fome chinesa, enquanto os produtos tecnológicos manufaturados não passam de 6%.

Contudo, este modelo de crescimento baseado em matérias-primas já chegou ao seu limite, apontaram os autores do estudo. Hoje já se sente uma forte queda na demanda chinesa de matérias-primas que, junto com a queda global dos preços das commodities, está afetando as economias da região que dependem das divisas geradas pela exportação primária.

A América Latina cresceu apenas 1% em 2014, muito inferior às taxas de 5% registradas em meados dos anos 2000. A vulnerabilidade da região frente às condições externas explica a atual desaceleração, indica o estudo. As projeções informam que o crescimento da região este ano será de -1% a 0,5% – cerca de 3% menos que o esperado.

A desaceleração tem um componente estrutural, explica Adriana Arreaza Coll, diretora de Estudos Macroeconômicos do CAF. “Se a região quiser ter um crescimento estável e forte terá que aumentar seus níveis de produtividade”, acredita. O crescimento econômico da região continuará fraco e, para restabelecer uma agenda de crescimento, será preciso preencher as lacunas de infraestrutura, sustenta.

A OCDE estima que, nos próximos cinco anos, o crescimento estará em torno de 2%, “extremamente baixo”. O que, na opinião de Melguizo, mostra a “debilidade da estrutura produtiva”. A aceleração das economias na região registrada no início dos anos 2000 ajudou a reduzir a pobreza “de forma espetacular”, segundo o dossiê, mas ainda persistem profundos desafios socioeconômicos. A pobreza afeta 28% da população da região – 164 milhões de pessoas – o que a mantém na posição líder como a região mais desigual do mundo.

A agenda de desenvolvimento

Enquanto a desaceleração chinesa é um dos fatores que explicam o baixo crescimento na região latino-americana, a China pode tornar-se um ator chave para melhorar a agenda de desenvolvimento da América Latina. No entanto, as relações são ainda muito “assimétricas”, destacaram os autores.

“O modelo do crescimento econômico dos anos 2000 acabou, agora será o momento de ativar outro modelo e ter a China em conta para ajudar nesta nova etapa. Acreditamos que, nas próximas duas décadas, haverá uma nova associação com a China, pois ela continuará investindo e emprestando à região”, analisou Melguizo.

Na sua avaliação, poderão ser abertas novas oportunidades como no setor de alimentos, por exemplo, uma vez que a China tem muito mais população que terras cultiváveis e água. “Será um importador bruto de alimentos com mais proteínas, porque uma nova classe média chinesa está ascendendo. Estimamos que, em 2030, um bilhão de chineses estarão na classe média”, destacou.

A China declarou a região como prioritária para seus investimentos financeiros. Desde 2010, os empréstimos chineses alcançaram US$ 94 bilhões, frente aos US$ 156 bilhões emprestados pelo Banco Mundial, o CAF e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) juntos.

Essa virada da China poderia servir de estímulo. No entanto, para aproveitar ao máximo a transformação chinesa, a região terá que contar com melhores regulações, maiores capacidades de governo para desenvolver projetos rentáveis, além de sustentabilidade ambiental, compromisso com a transparência e boa governança, indica o estudo.

Nas palavras de Melguizo, a região tem que deixar de responsabilizar a China pela assimetria nas relações. “A America Latina vende pouquíssima tecnologia. A oferta de exportações seguiu única e exclusivamente a demanda chinesa. Agora é o momento de identificar quais são as estruturas produtivas que a região quer ter e oferecer”.

Inovação para diversificar

Outro aspecto ainda bastante frágil na região é a falta de investimento em inovação. E, é este fator que, segundo o estudo, fará alavancar e diversificar as potencialidades da América Latina frente a seu parceiro asiático.

Depender de commodities, já ficou no passado. Segundo as projeções da OCDE, para 2030, o crescimento médio das exportações de metais e minério deve cair de 16% para 4% em comparação com a década anterior; este número é o mesmo para as exportações de combustíveis fósseis; e para produtos alimentícios, a queda seria de 12% a 3%.

A América Latina precisa investir em inovação, na qualidade e adequação de suas habilidades e conhecimento para sanar deficiências de infraestrutura, diz o estudo.

O capital de inovação latino-americano é muito menor que o dos países que compõem a OCDE. Apenas a título de comparação, projeta-se que, para 2030, a China terá 220 milhões de chineses com estudos superiores (representando 21% de sua força de trabalho). Este número é mais que o dobro do que se espera para os latino americanos. Ou seja, para 2030, 90 milhões de latinos terão concluído a educação superior, 19% da força laboral.

Enquanto um em cada cinco estudantes latino-americanos estuda ciência e tecnologia, um em cada dois chineses se gradua nesta área.

Uma relação “ganha-ganha”

Esta relação ainda pode tornar-se uma “ganha-ganha”, em que todos ganham, mas apenas quando as economias latino-americanas conseguirem aplicar algumas destas recomendações feitas no informe, defendem os autores.

“Estamos fazendo uma chamada para a diversificação e melhoria do que vendemos e vendê-los com maior qualidade”, destacou Melguizo.

A redefinição desta nova forma de fazer negócios com a China também passa pela capacidade das economias latinas se integrarem em uma posição mais concertada.

O informe diz que a relação com a China não alcançará seu pleno potencial se a região não der um passo além dos esforços para firmar acordos bilaterais como países individuais. O estudo aponta a Comunidade Caribenha (Caricom), o Mercado Comum Centro-americano, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a Aliança do Pacífico como o que poderia ser a base para uma coordenação com a China.

Por outro lado, a China também se beneficiaria desta nova relação com a América Latina ao apresentar-se como um “mercado seguro para suas exportações e um destino atrativo para a diversificação de seus investimentos no exterior”, aponta o relatório.

Melguizo é um dos fortes defensores de uma posição mais integrada na região para que seja capaz de beneficiar-se dos fluxos de investimentos e créditos que continuarão chegando.

“O que há é mais um diálogo bilateral dos países com a China. Faria todo o sentido existir um diálogo da região com a China. Esta é uma questão de lógica econômica para se alcançar uma relação mais harmônica. Precisamos de uma posição mais unificada”, disse.

A integração na região é crucial para que os investimentos em infraestrutura sejam mais efetivos e eficientes e que a região possa tirar proveito dos investimentos estrangeiros diretos, recomenda o relatório.

Este artigo foi publicado anteriormente pelo Diálogo Chino.

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