democraciaAbierta: Opinion

#BLM para além dos EUA: lutas anti-racistas na América Latina

Um ano após o assassinato de George Floyd, o racismo sistêmico que permeia toda a América Latina começa a ser reconhecido.

Inés Pousadela
27 Maio 2021, 12.01
Evento do Black Lives Matter em Niterói para protestar contra o racismo no Brasil
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Fernando Souza/ZUMA Wire/Alamy Live News

Durante o ano que passou desde o assassinato de George Floyd pela polícia de Minneapolis, o movimento Black Lives Matter (BLM) deu a volta ao mundo. Em país após país, milhares de pessoas reagiram à opressão e saíram às ruas para exigir o fim do racismo sistêmico. Um ano depois, esses movimentos por justiça ainda estão ativos.

Algo sobre a morte cruel e gratuita de George Floyd, amplamente documentada e compartilhada nas redes sociais, teve um eco imediato. O que a princípio poderia ser mais um em uma longa e rotineira série de assassinatos de pessoas negras pela polícia dos Estados Unidos teve consequências inesperadas que reverberaram além das fronteiras.

As pessoas não apenas se mobilizaram em solidariedade, mas também foram incentivadas a compartilhar suas próprias experiências de racismo em seus próprios países. Muitos se mobilizaram por George Floyd, mas também por muitas outras pessoas que viveram vidas anônimas e morreram de forma igualmente anônima. Elas disseram seus nomes, tornaram o invisível visível e exigiram reconhecimento e reparação. Reivindicaram uma vida diferente para si próprios e para muitos outros cujas vidas deveriam ser importantes.

Movimentos com décadas de ativismo surgiram com energia renovada na América Latina. No Brasil, onde metade de seus 211 milhões de habitantes são pretas ou pardas, os protestos se concentraram principalmente nas violações dos direitos humanos cometidas pela polícia nas favelas contra, em sua imensa maioria, negros.

O antigo movimento brasileiro por justiça racial se esforça para desmantelar o mito de que o Brasil é uma sociedade livre de racismo, um mito que refletiu plenamente a resposta do governo aos protestos provocados pelo assassinato de um homem negro, Beto Freitas, pelas mãos de seguranças particulares de um supermercado Carrefour em Porto Alegre, em novembro de 2020.

Segundo o vice-presidente brasileiro, esse assassinato não teve nenhuma ligação com a raça de Freitas: o racismo não era um fenômeno brasileiro, mas uma moda importada. Em resposta, a ativista Sheila de Carvalho, da Coalizão Negra por Direitos, denunciou a indiferença prevalecente à injustiça racial no Brasil e destacou que os casos internacionais como os de Michael Brown, George Floyd e Breonna Taylor têm repercussão no Brasil, mas quando a mesma coisa acontece no país, parece que as pessoas não se importam.

Esse movimentos estão redirecionando a atenção para as estruturas políticas, econômicas e sociais que produzem e reproduzem a exclusão racial

Um desafio semelhante foi observado na Colômbia, onde ativistas exigiram justiça para Anderson Arboleda, um afro-colombiano morto pela polícia, mas enfrentou forte resistência em conseguir que o racismo fosse reconhecido não como uma peculiaridade dos Estados Unidos, mas como um problema real na Colômbia. Como disse David Murillo do DeJusticia, é fundamental que as pessoas "entendam o que é o racismo e que ele realmente existe", além de estabelecer "redes transnacionais para tornar visível o que está acontecendo na Colômbia".

Na República Dominicana, uma homenagem a George Floyd serviu como uma oportunidade para expressar demandas por igualdade e reparação para os dominicanos de ascendência haitiana, vítimas habituais de racismo neste país caribenho que faz fronteira com o Haiti. Em 2010, gerações de dominicanos de ascendência haitiana foram destituídas de sua cidadania dominicana, sancionando legalmente a exclusão sistêmica que enfrentam há muito tempo e que – como em tantos outros países – também os expôs aos piores impactos da pandemia.

Falando de sua própria experiência de exclusão, Elena Lorac, da Reconoci.do, destacou que “na República Dominicana existe a crença de que todos os negros são haitianos. Se eu sou negra e tenho cabelo crespo, me questionam constantemente, mesmo que eu tenha papéis. Se eu não puder mostrar meus documentos, posso ser deportada porque se supõe que sou haitiana. Já houve casos de dominicanos negros que foram deportados por causa da cor da pele”. Em 9 de junho de 2020, Reconoci.do organizou um evento, respeitando o distanciamento social, para comemorar a vida de George Floyd, mas enfrentou intensa reação não só da polícia, como tem sido a norma em outros lugares, mas também de um grupo nacionalista de direita que organizou uma contramanifestação.

Movimentos como esses e tantos outros estão trabalhando para superar as resistências e estão produzindo uma mudança sem precedentes no discurso público, afastando-se da ideia de discriminação racial como atitudes individuais e lutando pelo reconhecimento do racismo como fenômeno sistêmico. Eles estão redirecionando a atenção para as estruturas políticas, econômicas e sociais que produzem e reproduzem a exclusão racial. Além de denunciar a brutalidade policial como uma das expressões mais perversas do racismo sistêmico, exigem o reconhecimento dos persistentes impactos do colonialismo e da escravidão, que continuam a deixar sua marca em inúmeras vidas na América Latina e no Caribe e exigem a transformação das estruturas sociais e econômicas que determinam o acesso extremamente desigual à educação, emprego, saúde, habitação e serviços sociais, perpetuando exclusões históricas.

Movimentos anti-racistas em todo o mundo aproveitaram a visibilidade do movimento global para ganhar atenção

Independentemente de terem se unido em torno da bandeira BLM, reajustado às suas necessidades ou adotado diferentes slogans relevantes em seus próprios contextos, movimentos anti-racistas em todo o mundo aproveitaram a visibilidade do movimento global para ganhar atenção – e reintroduzir na agenda reivindicações e demandas que não eram ouvidas há muito tempo. A atenção global capacitou os próprios negros – muitos deles jovens, mulheres e pessoas LGBTQI+ – a pegar o microfone e contar suas histórias com suas próprias vozes. E, pela primeira vez, eles viram a possibilidade de que suas vozes fossem ouvidas, suas palavras compreendidas e seus argumentos devidamente considerados.

Um ano após o surto em Minneapolis, a urgência de demandas por mudanças se sustenta, como visto nos protestos no Brasil no início deste mês, nos quais milhares de pessoas se mobilizaram contra o racismo e a violência policial mortal no aniversário da abolição da escravidão no país, após a operação policial em Jacarezinho que deixou 28 mortos.

Aqueles que continuam a se mobilizar, no mundo e na região, depositam esperança renovada no movimento global e na oportunidade que ele trouxe de forjar laços regionais e internacionais e de mobilizar apoios internacionais a partir do reconhecimento de que esta não é apenas uma situação brasileira ou americana, mas a experiência dos negros de todo o mundo, como disse Sheila. Ou, como Elena afirma, que os negros de todos os cantos do mundo são "parte de um movimento global" pelos direitos e vidas dos negros que veio para ficar e que continuará a desafiar a exclusão sistêmica até que todas as vidas negras realmente importem em todos os lugares.


O relatório do estado da sociedade civil de 2021 da CIVICUS está disponível aqui.

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