No que diz respeito às questões sociais, um dos grandes obstáculos de Bolsonaro, sua conduta desumana frente à pandemia, vem perdendo força no imaginário do eleitorado com o arrefecimento da crise sanitária, e sua campanha vem fazendo o trabalho de casa para humanizar o candidato.
Exemplar nesse sentido é a atuação da primeira-dama, que pode vir a aumentar a intenção de voto no marido entre eleitoras, maioria entre os “nem-nem”. Ao aludir à referências bíblicas e valorizar a mulher como cuidadora da família, Michelle Bolsonaro simboliza um empoderamento feminino conservador que contrasta com a percepção de falta de protagonismo de mulheres no campo da oposição, como bem apontaram Ana Carolina Evangelista, Jacqueline Teixeira e Livia Reis.
De acordo com as pesquisadoras, deixar de valorizar a dimensão familiar é um erro, que afeta não apenas o voto feminino evangélico, em especial, mas as mulheres como um todo e mesmo o eleitorado em geral. Afinal, como salientou a professora e socióloga Esther Solano em um evento acadêmico na Unicamp, promessas econômicas não respondem questões existenciais.
Nesse sentido, como argumenta Ana Carolina Evangelista, a aposta bolsonarista no simbolismo do capitão reformado, como um enviado de Deus que sobreviveu a uma tentativa de homicídio, se mostra certeira. Seguindo tal linha de raciocínio, Solano aponta que, enquanto o atual presidente conta com a militância pentecostal orgânica e com o apoio de pastores que reúnem cerca de 50 milhões de seguidores, que logo serão mobilizados em grandes cultos com a presença do candidato à reeleição, a campanha do PT prescinde de representatividade nesse sentido – “onde estão os evangélicos e pastores ao lado de Lula?” – e de um discurso sobre a importância da união da família brasileira.
Além disso, a socióloga ressalta como Janja, esposa de Lula, vem contribuindo para, inadvertidamente, fortalecer a narrativa bolsonarista. Nos últimos anos, os ataques a praticantes e locais de culto de religiões de matriz africana cresceram a olhos vistos por conta de sua associação a “coisas do demônio”, sobretudo entre cristãos pentecostais, fomentando a intolerância religiosa.
Assim, ao postar em suas redes sociais conteúdos ligados a religiões de matriz africana, lidas como “diabólicas”, Janja acaba servindo como contraponto ideal à disputa entre bem e mal promovida pela campanha de Jair e Michelle, que conecta a degeneração espiritual da nação à presença do PT no poder e à possibilidade de limpeza espiritual com a reeleição do presidente. Lembrando que a cura espiritual prescinde da materialidade de promessas econômicas.
Ao mesmo tempo, a economia não ficou em segundo plano na campanha de Bolsonaro.
Após a monstruosa injeção de recursos realizada pelo governo, espera-se que a sensação de bem-estar acometa os mais pobres e se generalize para outros segmentos da população em poucas semanas. É sempre bom lembrar que, para eleitores que estão em dúvida entre economia e valores, a sensação de alívio financeiro pode ser decisiva.
Finalmente, no que diz respeito às dinâmicas de mobilização e comunicação relacionadas à campanha em si, para além de apostar no contágio da mobilização de massas do Sete de Setembro, Bolsonaro, que vinha se esquivando de convites para debates, também decidiu enfrentar o Jornal Nacional.
Na entrevista, o media training funcionou para evitar algum potencial escorregão. Mas Bolsonaro se saiu melhor nos momentos em que foi mais agressivo, ou, como dizem seus apoiadores, foi “ele mesmo”. Como por exemplo ao dizer que governar sem o Centrão seria atuar como um ditador. Seu público cativo saiu satisfeito. Bolsonaro teria “jantado a Globo”.
Porém, as intervenções de Bolsonaro em favor de seu governo, se não o prejudicaram, também não foram de grande ajuda para eleitores indecisos. Hoje, o que Bolsonaro anuncia como feitos não tem, por enquanto, o mesmo impacto das políticas feitas por Lula.
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