No início de junho, quando o total nacional de vítimas fatais da Covid-19 ultrapassou 30 mil, muitos brasileiros lembraram de uma entrevista que um ex-capitão do exército, na época um político bastante obscuro e pouco conhecido, deu em 1999. Ao ser questionado sobre o que ele faria se fosse eleito presidente, o entrevistado proclamou:
"Através do voto você não vai mudar nada nesse país. Nada. Absolutamente nada. Só vai mudar, infelizmente, quando partirmos para uma guerra civil, fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil, começando com FHC... Vão morrer alguns inocentes. Tudo bem. Em toda guerra, morrem inocentes."
O nome do político obscuro era Jair Bolsonaro e hoje ele é o presidente do Brasil. Ao invés de combater a pandemia, parece prosperar através dela. Fazendo eco às palavras do presidente há duas décadas, o marco chocante de 30 mil mortes de coronavírus recordou os brasileiros de que Bolsonaro sempre demonstrou um descaso patológico com o sofrimento humano.
Bolsonaro, e seu assalto às instituições democráticas – com contínuos ataques ao judiciário e pedido de fechamento do Congresso –, representa o maior revés para o progresso social no Brasil desde o golpe militar de 1964. Embora cada vez mais isolados politicamente, o presidente e seus três filhos mais velhos – todos políticos – ainda contam com o forte apoio de 30% da população brasileira. Alarmante, eles também parecem estar armando seus seguidores e co-optando as forças de segurança do país.
Sob novas leis, a posse de armas aumentou 98% em 2019, durante o primeiro ano de mandato de Bolsonaro como presidente, confirmando sua intenção declarada e capacidade de armar seus apoiadores. As armas recentemente obtidas incluem o fuzil T4 semi-automático, de fabricação brasileira, que antes só estava disponível para os militares.
Em abril deste ano, Bolsonaro revogou os decretos existentes para facilitar o rastreamento e identificação de armas e munições. Uma semana depois, ele triplicou a quantidade de munição disponível para compra por civis, dizendo em reunião ministerial que queria armar "o povo", em sua lógica perversa, como "garantia que não vai ter um filho da puta aparecer para impor uma ditadura aqui".
Com mais armas e munições do que nunca disponíveis para o público em geral, e um forte apoio vocal da polícia e das forças armadas, Bolsonaro está tratando a sociedade brasileira como refém. Como ele tem feito isso?
Desde que tomou posse, Bolsonaro nomeou quase 3 mil militares para cargos governamentais. 10 membros das forças armadas ocupam atualmente cargos ministeriais. Em 2019, ele fez propostas econômicas para os militares, introduzindo aumentos salariais e poupando-os do pior da reforma da previdência. E enquanto inicialmente se esperava que os generais mais moderados agissem como uma influência apaziguadora no seu candidato, agora está claro que Bolsonaro conseguiu amordaçá-los.
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