"[O país] só vai mudar, infelizmente, quando partirmos para uma guerra civil, fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil," Jair Bolsonaro, 1999.
Um manifestante crítico ao governo usa uma máscara com a inscrição "Democracia"
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Andre Lucas/DPA/PA Images
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No início de junho, quando o total nacional de vítimas fatais da Covid-19 ultrapassou 30 mil, muitos brasileiros lembraram de uma entrevista que um ex-capitão do exército, na época um político bastante obscuro e pouco conhecido, deu em 1999. Ao ser questionado sobre o que ele faria se fosse eleito presidente, o entrevistado proclamou:
"Através do voto você não vai mudar nada nesse país. Nada. Absolutamente nada. Só vai mudar, infelizmente, quando partirmos para uma guerra civil, fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil, começando com FHC... Vão morrer alguns inocentes. Tudo bem. Em toda guerra, morrem inocentes."
O nome do político obscuro era Jair Bolsonaro e hoje ele é o presidente do Brasil. Ao invés de combater a pandemia, parece prosperar através dela. Fazendo eco às palavras do presidente há duas décadas, o marco chocante de 30 mil mortes de coronavírus recordou os brasileiros de que Bolsonaro sempre demonstrou um descaso patológico com o sofrimento humano.
Bolsonaro, e seu assalto às instituições democráticas – com contínuos ataques ao judiciário e pedido de fechamento do Congresso –, representa o maior revés para o progresso social no Brasil desde o golpe militar de 1964. Embora cada vez mais isolados politicamente, o presidente e seus três filhos mais velhos – todos políticos – ainda contam com o forte apoio de 30% da população brasileira. Alarmante, eles também parecem estar armando seus seguidores e co-optando as forças de segurança do país.
The Covid-19 public inquiry is a historic chance to find out what really happened.
Sob novas leis, a posse de armas aumentou 98% em 2019, durante o primeiro ano de mandato de Bolsonaro como presidente, confirmando sua intenção declarada e capacidade de armar seus apoiadores. As armas recentemente obtidas incluem o fuzil T4 semi-automático, de fabricação brasileira, que antes só estava disponível para os militares.
Em abril deste ano, Bolsonaro revogou os decretos existentes para facilitar o rastreamento e identificação de armas e munições. Uma semana depois, ele triplicou a quantidade de munição disponível para compra por civis, dizendo em reunião ministerial que queria armar "o povo", em sua lógica perversa, como "garantia que não vai ter um filho da puta aparecer para impor uma ditadura aqui".
Com mais armas e munições do que nunca disponíveis para o público em geral, e um forte apoio vocal da polícia e das forças armadas, Bolsonaro está tratando a sociedade brasileira como refém. Como ele tem feito isso?
Desde que tomou posse, Bolsonaro nomeou quase 3 mil militares para cargos governamentais. 10 membros das forças armadas ocupam atualmente cargos ministeriais. Em 2019, ele fez propostas econômicas para os militares, introduzindo aumentos salariais e poupando-os do pior da reforma da previdência. E enquanto inicialmente se esperava que os generais mais moderados agissem como uma influência apaziguadora no seu candidato, agora está claro que Bolsonaro conseguiu amordaçá-los.
Tendo os mais altos cargos do exército guardados no bolso, Bolsonaro também conta com a lealdade da sua base e dos membros da força policial brasileira em toda a vasta nação. Embora as forças policiais estaduais sejam, tecnicamente, subordinadas aos governos estaduais, Bolsonaro tem uma forte influência sobre eles. Em fevereiro deste ano, quando PMs fizeram motim contra o governador do estado do Ceará – um rival político –, Bolsonaro ficou em silêncio, recusando-se a condenar a ação.
A polícia do estado de São Paulo também demonstrou recentemente seu viés em relação ao presidente, recusando-se a dispersar as manifestações pró-Bolsonaro que romperam a quarentena, enquanto recentemente havia atirado bombas de efeito moral contra uma manifestação antifascista.
Estima-se que, em 2015, havia 425 mil PMs no Brasil. Segundo a Constituição Brasileira, a polícia militar é considerada reserva auxiliar do Exército e tem a responsabilidade de patrulhar as ruas, manter a ordem pública, atender ocorrências e prender suspeitos. Seus membros são processados por suas violações em tribunais militares e, portanto, geralmente não respondem perante instituições civis.
A incapacidade do Brasil de processar as atrocidades cometidas pelo golpe militar negou ao país o tão necessário reconhecimento do passado. Ao contrário dos vizinhos Chile e Argentina, uma Lei de Anistia de 1979 protegeu a hierarquia militar que cometeu crimes de lesa-humanidade. Esse fiasco, e o fracasso dos sucessivos governos civis em remodelar o papel das forças armadas para uma sociedade democrática, permitiu que a ideologia fascista de Bolsonaro, tão claramente expressa em sua entrevista de 1999, florescesse.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse recentemente que outro golpe militar não era necessário para que a democracia brasileira morresse; bastaria que Bolsonaro assumisse poderes extraordinários. Considerando que Bolsonaro também está armando civis, fica claro que já está usando a ameaça da violência para se proteger dos rivais e da possibilidade de impeachment.
Recentemente, Bolsonaro voou de helicóptero sobre uma multidão de seus apoiadores. Após o pouso, ele montou um cavalo na companhia da polícia militar e desfilou diante de seus seguidores. Tal grandiloquência sugere que Bolsonaro acredita que ele pode estar cada vez mais próximo do poder absoluto.
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