democraciaAbierta: Opinion

A classe política peruana fracassou. E agora?

O próximo capítulo da democracia peruana deve se concentrar em corrigir as injustiças permanentes do colonialismo

Rafael Barrio de Mendoza
27 Fevereiro 2023, 10.00

Ya están hartos. Lima, el mes pasado

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Lucas Aguayo Araos/dpa/Alamy Stock Photo

“Esta democracia não é mais uma democracia.” O lema de um movimento social histórico que está se desenvolvendo no Peru não é exagero. Em dezembro, o presidente Pedro Castillo tentou um golpe de Estado ao dissolver o Congresso e, como resultado, foi deposto. Nas nove semanas desde então, a agitação social já deixou cerca de 60 mortos em confrontos com forças de segurança.

O curto mandato da atual presidente, Dina Boluarte — que foi vice-presidente de Castillo — desencadeou uma espiral de repressão policial, criminalização do protesto e ataque à verdade pública, acelerando o lento colapso da democracia peruana.

Não está claro como a crise terminará. Mas podemos ter certeza de que a próxima tentativa de governo também fracassará, a menos que resolva erros que remontam a séculos.

O ciclo que agora se encerra de forma tão caótica começou em 2001, após a queda de dez anos do regime autocrático e corrupto de Alberto Fujimori, precursor dos atuais governos antiliberais. Na década anterior, os velhos partidos foram gradativamente pendendo sua relevância política, abrindo o caminho para empresas eleitorais que imitavam o comportamento informal e mal regulamentado de muitas empresas peruanas.

Boneca estendida no chão com os dizeres

Protesto em frente à embaixada peruana em Quito, no Equador, em janeiro de 2021

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Dolores Ochoa/AP Photo/Alamy Stock Photo

De muitas maneiras, o próprio empreendimento eleitoral de Fujimori serviu de base para essa estrutura. Após sua destituição em 2000, a pressão por uma democracia mais sólida não conseguiu reformar esse modelo, gerando diversas iterações desde então.

Surgiram organizações que vão desde os partidos tradicionais reformados até os novos partidos que são, na verdade, ramos políticos de interesses econômicos privados que coordenam o lobby m nome de qualquer agenda que atenda aos seus objetivos eleitorais, em particular aqueles destinados a desmantelar o ímpeto político regulatório e progressivo das últimas duas décadas.

Nas eleições gerais de 2016, esse sistema começou a ser vítima de sua disfunção embutida. A filha e herdeira política de Alberto Fujimori, Keiko Fujimori, perdeu por pouco a eleição presidencial para o ex-banqueiro Pedro Pablo Kuczynski.

Mas, graças ao viés da fórmula eleitoral que concede assentos no Congresso, seu partido, Fuerza Popular, obteve uma supermaioria parlamentar, o que permitiu ao Congresso boicotar as políticas do novo presidente. Desta forma, Keiko Fujimori tentou governar o Peru através do Congresso.

Após a renúncia de dois presidentes, um impeachment, a dissolução do Congresso, um governo de emergência, novas eleições e uma tentativa de golpe, uma característica permaneceu constante: o "Fujimorismo" original. Trata-se de uma corrente de pensamento político que busca fortalecer os poderes do Congresso sobre a política, as nomeações dos magistrados da Corte Constitucional e do chefe da Ouvidoria, e reverter as reformas progressistas e tecnocráticas destinadas a regular o lobby econômico, as leis eleitorais e, em geral, o controle sobre os guardiões cruciais do poder e do dinheiro do Estado. É um esforço coordenado para criar uma espécie de parlamentarismo oligárquico.

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Confrontamento entre manifestantes e a polícia em Lima, no Peru, em janeiro de 2023

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Manifestante empurra policial

A persistente impopularidade dos Congressos subsequentes tornou-se agora uma verdadeira crise. Vastos segmentos da população não sentem que suas reivindicações, identidades, prioridades e sensibilidades estejam representadas pelos 130 legisladores. A eleição de Castillo, em 2021, tornou urgente a consolidação do fujimorismo, uma vez que a guerra por poder entre o Executivo e o Legislativo deflagrou o crescente confronto ideológico, racial e de classes que estamos presenciando agora.

Velhas feridas abertas

Pedro Castillo chegou ao poder após uma dura luta contra Keiko Fujimori. Candidato por um partido de extrema-esquerda, o Peru Libre, ele havia sido professor rural e líder sindical. No entanto, nunca havia sido eleito para um cargo público e era desconhecido da maioria dos peruanos. O apelo de Castillo veio mais do que ele representava do que do que ele dizia.

Ele usou a retórica de confronto para se apresentar como radical, mas na maioria das vezes não promoveu uma agenda progressista sólida ou radical perceptível. Mas era uma figura credível para os pobres rurais, indígenas e urbanos que votaram nele: se parecia com eles, falava como eles, se vestia como eles.

Uma vez no cargo, Castillo retribuiu favores políticos, nomeou comparsas, não promoveu nenhum esquema significativo de esquerda e encabeçou uma administração medíocre e corrupta.

Enquanto isso, os partidos de direita e a grande mídia do Peru – onde uma empresa é dona de 78% dos meios de comunicação – realizaram uma campanha dura que misturou conotações racistas, falsas acusações de fraude, fake news e histórias mais verossímeis sobre a inadequação moral e política de Castillo.

Eles adaptaram o populismo de extrema-direita estilo Trump ao Peru, com variações locais: "comunistas" e "terroristas" estão por trás de qualquer dissidência política de defensores dos direitos humanos, jornalistas independentes, reformistas, moderados, progressistas ou esquerdistas.

Manifestante indígena com uma bandeira nacional

Manifestante indígena com uma bandeira nacional em Lima, no Peru, em janeiro de 2023

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Guadalupe Pardo/Associated Press/Alamy Stock Photo

Mas, acima de tudo, abriram as feridas de uma sociedade racializada na qual os tons coloniais são profundos. Políticos, policiais, grupos de direita e até a atual presidente ecoam discursos de ódio, enquanto a polícia e o Ministério Público aplicam uma doutrina antiterrorista ultrapassada. Tudo isso encoraja as pessoas a ver os opositores políticos, sejam eles camponeses andinos, mulheres indígenas ou estudantes de universidades públicas, como terroristas.

Ao evocar o terrorismo da insurgência maoísta do Sendero Luminoso na década de 1980 para enquadrar o movimento social atual, a direita peruana desenvolve uma fantasia perigosa para permitir um estado de emergência. Ela justifica a repressão policial e corrói o valor dos direitos humanos ao considerar as mortes de civis "merecidas", como disse recentemente um comentarista de direita.

Essas várias tendências estão criando uma crise social caótica na qual centenas de grupos que diferem em estratégias e táticas de protesto estão convergindo. Alguns entram em confronto com a polícia, impõem bloqueios de estradas ou tentam ocupar aeroportos. Mas a maioria se manifestou incansavelmente em Lima e nas capitais regionais, unida em torno de reivindicações essenciais: novas eleições, renúncia da presidente e dissolução do Congresso. Alguns estão pressionando pela convocação de uma assembleia constituinte.

São demandas que visam não apenas o colapso da representação política – a tentativa permanente de instaurar um parlamentarismo oligárquico dominado pela direita –, mas também a abertura de um novo capítulo democrático: um capítulo que coloque no centro as reivindicações não resolvidas que assombram o Peru há 200 anos.

Pelo menos o diagnóstico é claro: esta democracia não é mais uma democracia.

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