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Coronavírus: a tecnologia pode se tornar uma ferramenta de opressão e vigilância?

A tecnologia não é inerentemente democrática e suas implicações em direitos humanos são particularmente importantes a serem consideradas em contextos humanitários e de migração forçada. English Español

Petra Molnar
12 Maio 2020, 3.52
Pxfuel / (CC0 1.0) Public Domain Dedication

Refugiados, imigrantes e pessoas em movimento há muito são associadas com transmissão de doenças e enfermidades. De pandemias a genocídios, pessoas que cruzam fronteiras, seja de maneira forçada ou por escolha, são referidas em termos apocalípticos como "enchente" ou "onda", sublinhado pela xenofobia, racismo e medo elementar do "Outro". Essas formulações não só são flagrantemente incorretas, como legitimam a incursão estatal de longo alcance e políticas de vigilância e tecno-solucionismo cada vez mais rígidas para gerenciar a migração.

Estas práticas tornam-se ainda mais evidentes na atual luta global contra a pandemia da Covid-19.

Em questão de dias, já vimos a Big Tech apresentar uma variedade de 'soluções' para combater o coronavírus que varre o globo, incluindo ferramentas de vigilância e maior monitoramento. Juntamente com poderes extraordinários do Estado em tempos de exceção, a incursão de soluções do setor privado deixa em aberto a possibilidade de graves abusos de direitos humanos e incursões de grande alcance nas liberdades civis. Embora os poderes emergenciais possam ser legítimos se fundamentados na ciência e na necessidade de proteger a saúde e a segurança, a história mostra que os Estados cometem abusos em tempos de exceção. Novas tecnologias podem muitas vezes facilitar esses abusos, particularmente contra comunidades marginalizadas.

A história mostra que os Estados cometem abusos em tempos de exceção

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Tornar pessoas migrantes mais rastreáveis e detectáveis justifica o uso de mais tecnologia e coleta de dados em nome da saúde pública e da segurança nacional, ou mesmo sob a bandeira do humanitarismo e do desenvolvimento. No entanto, a tecnologia não é inerentemente democrática e seus impactos sobre os direitos humanos são particularmente importantes a serem considerados em contextos humanitários e de migração forçada.

Mesmo antes da atual pandemia, já víamos uma implantação mundial do "tecno-solucionismo" migratório. Essas experiências tecnológicas ocorrem em muitos pontos da jornada migratória de uma pessoa. Bem antes mesmo de uma fronteira ser atravessada, análise de Big Data é usada para prever o movimento de migrantes e dados biométricos de refugiados são coletados. Na fronteira, detectores de mentira e reconhecimento facial que utilizam IA já começaram a escanear o rosto das pessoas em busca de sinais suspeitos. Além da fronteira, os algoritmos têm influenciado complexas decisões e determinações sobre imigração e refugiados, normalmente tomadas por oficiais humanos.

Por exemplo, nos EUA, a empresa privada de análise de dados Palantir fornece tecnologia para facilitar deportações e abusos de direitos humanos de migrantes indocumentados, separando crianças de suas famílias e causando a morte de pelo menos 24 pessoas em detenção. Outras jurisdições, como o Canadá e o Reino Unido, começaram a experimentar a tomada de decisões automatizadas em seus pedidos de imigração e vistos. Nossa pesquisa recente na Universidade de Toronto mostrou que tecnologias tendenciosas não capturam a natureza complexa dos pedidos de imigração e de refugiados.

Em alguns casos, o aumento da tecnologia na fronteira pode significar um aumento do número de mortes. As chamadas "fronteiras inteligentes" estão sendo exaltadas como formas eficientes e expansivas de controlar a migração. No final de 2019, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, comumente conhecida como Frontex, anunciou uma nova estratégia de fronteira que depende do aumento do contratações e de novas tecnologias. Esta estratégia inclui seu projeto ROBORDER que "visa criar um sistema de vigilância de fronteiras autônomo totalmente funcional com robôs móveis não tripulados, incluindo veículos aéreos, aquáticos de superfície, subaquáticos e terrestres". Nos EUA, tecnologias similares 'smart-border' têm sido chamadas de uma alternativa mais 'humana' aos apelos da Administração Trump por um muro físico.

No entanto, estas tecnologias podem ter resultados drásticos. Por exemplo, as políticas de controle de fronteiras que utilizam novas tecnologias de vigilância ao longo da fronteira entre os EUA e o México duplicaram as mortes de migrantes e empurraram rotas migratórias para terrenos mais perigosos através do deserto do Arizona, criando o que o antropólogo Jason De Leon chama de "terra dos túmulos abertos". Dado que a Organização Internacional para as Migrações (OIM) relatou que, devido aos recentes naufrágios, mais de 20 mil pessoas morreram ao tentar atravessar o Mediterrâneo desde 2014, conseguimos apenas imaginar quantos corpos ainda irão chegar às costas da Europa, à medida que a situação piora na Grécia e na Turquia.

Tornar pessoas migrantes mais rastreáveis e detectáveis justifica o uso de mais tecnologia e coleta de dados em nome da saúde pública e da segurança nacional

A pandemia da Covid-19 afetará muito as pessoas em movimento, particularmente os refugiados que vivem em assentamentos informais ou acampamentos securitizados. Casos já foram relatados na Ilha Grega de Lesbos, que tem recebido centenas de milhares de refugiados desde o início da guerra síria, em 2011. No entanto, a resposta para deter a propagação do vírus não é aumentar a vigilância através de novas tecnologias ou impedir o acesso de trabalhadores de ONGs e profissionais da saúde aos acampamentos. Ao contrário, precisamos de uma redistribuição de recursos vitais, acesso livre à saúde para todos, independentemente do status imigratório, e mais empatia e bondade para com as pessoas em movimento.

As ferramentas tecnológicas podem rapidamente se tornar ferramentas de opressão e vigilância, negando às pessoas agilidade e dignidade e contribuindo para um clima global cada vez mais hostil às pessoas que se deslocam. Mais importante ainda, as soluções tecnológicas não abordam as causas profundas do deslocamento, da migração forçada e da desigualdade econômica, o que exacerba a propagação de pandemias globais como a Covid-19.

Em tempos de exceção como uma pandemia global, a arrogância da Big Tech pensando que ela tem todas as respostas não é a solução.

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