Tornar pessoas migrantes mais rastreáveis e detectáveis justifica o uso de mais tecnologia e coleta de dados em nome da saúde pública e da segurança nacional, ou mesmo sob a bandeira do humanitarismo e do desenvolvimento. No entanto, a tecnologia não é inerentemente democrática e seus impactos sobre os direitos humanos são particularmente importantes a serem considerados em contextos humanitários e de migração forçada.
Mesmo antes da atual pandemia, já víamos uma implantação mundial do "tecno-solucionismo" migratório. Essas experiências tecnológicas ocorrem em muitos pontos da jornada migratória de uma pessoa. Bem antes mesmo de uma fronteira ser atravessada, análise de Big Data é usada para prever o movimento de migrantes e dados biométricos de refugiados são coletados. Na fronteira, detectores de mentira e reconhecimento facial que utilizam IA já começaram a escanear o rosto das pessoas em busca de sinais suspeitos. Além da fronteira, os algoritmos têm influenciado complexas decisões e determinações sobre imigração e refugiados, normalmente tomadas por oficiais humanos.
Por exemplo, nos EUA, a empresa privada de análise de dados Palantir fornece tecnologia para facilitar deportações e abusos de direitos humanos de migrantes indocumentados, separando crianças de suas famílias e causando a morte de pelo menos 24 pessoas em detenção. Outras jurisdições, como o Canadá e o Reino Unido, começaram a experimentar a tomada de decisões automatizadas em seus pedidos de imigração e vistos. Nossa pesquisa recente na Universidade de Toronto mostrou que tecnologias tendenciosas não capturam a natureza complexa dos pedidos de imigração e de refugiados.
Em alguns casos, o aumento da tecnologia na fronteira pode significar um aumento do número de mortes. As chamadas "fronteiras inteligentes" estão sendo exaltadas como formas eficientes e expansivas de controlar a migração. No final de 2019, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, comumente conhecida como Frontex, anunciou uma nova estratégia de fronteira que depende do aumento do contratações e de novas tecnologias. Esta estratégia inclui seu projeto ROBORDER que "visa criar um sistema de vigilância de fronteiras autônomo totalmente funcional com robôs móveis não tripulados, incluindo veículos aéreos, aquáticos de superfície, subaquáticos e terrestres". Nos EUA, tecnologias similares 'smart-border' têm sido chamadas de uma alternativa mais 'humana' aos apelos da Administração Trump por um muro físico.
No entanto, estas tecnologias podem ter resultados drásticos. Por exemplo, as políticas de controle de fronteiras que utilizam novas tecnologias de vigilância ao longo da fronteira entre os EUA e o México duplicaram as mortes de migrantes e empurraram rotas migratórias para terrenos mais perigosos através do deserto do Arizona, criando o que o antropólogo Jason De Leon chama de "terra dos túmulos abertos". Dado que a Organização Internacional para as Migrações (OIM) relatou que, devido aos recentes naufrágios, mais de 20 mil pessoas morreram ao tentar atravessar o Mediterrâneo desde 2014, conseguimos apenas imaginar quantos corpos ainda irão chegar às costas da Europa, à medida que a situação piora na Grécia e na Turquia.
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