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Covid-19 e aquecimento global: dois bons motivos para comer menos carne

Uma dieta flexitariana ajudará a prevenir pandemias, combater as mudanças climáticas e alimentar o mundo de forma sustentável. English

Giulia Wegner
11 Junho 2020, 9.56
Desmatamento para agricultura e pecuária, Menabe, Madagascar
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Flickr/USAID. CC BY-NC 2.0.

No último ano, o mundo testemunhou uma sucessão alarmante de desastres ambientais. Milhões de hectares de florestas foram queimadas na Amazônia e na Austrália. Enchentes submergiram cidades inteiras como Veneza e seu patrimônio histórico e cultural. Um número cada vez maior de cetáceos, tartarugas e aves estão morrendo de forma agonizante devido à ingestão de plástico. E mais recentemente, a pandemia global da Covid-19 nos lembra que mexer com nosso planeta pode ter consequências mortais.

Os últimos 60 anos têm sido caracterizados pelo aparecimento cada vez mais frequente de novas "zoonoses", que são doenças infecciosas transmitidas dos animais para os seres humanos – como é mais provável que tenha sido o caso do coronavírus. A maioria destas zoonoses (mais de 150) foram transmitidas por animais selvagens, incluindo o Ebola (1976 na África ocidental), o HIV (identificado em 1981 nos EUA), SARS (2003 na China), e mais recentemente a Covid-19.

Isto pode ser, em parte, devido às mudanças climáticas, que alteram os padrões de temperatura e pluviosidade de forma a favorecer os portadores de doenças, como os mosquitos. Geleiras derretidas também podem liberar vírus que estão enterrados há milhares de anos. Mas o aumento de novas zoonoses é causado principalmente pelas formas em que estamos empurrando e extraindo recursos dos poucos ecossistemas virgens que restam no planeta.

Quando a floresta amazônica é queimada para obter terras baratas para a pecuária, ou territórios africanos são desmatados para extrair madeira e minerais como o coltan para dispositivos eletrônicos, ou paisagens desconhecidas são penetradas para caçar animais exóticos e vender sua carne, peles, marfim e partes do corpo para supostos usos medicinais, os humanos entram em contato com populações previamente isoladas de animais selvagens que hospedam centenas de milhares de vírus e bactérias aos quais nunca estivemos expostos.

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Esses microorganismos não são novos – vírus estão no planeta Terra há mais de três bilhões de anos – mas nossas interações com eles são bastante recentes. Isso explica porque a maioria das novas epidemias infecciosas está ligada ao desmatamento, que cria novas paisagens rurais onde animais selvagens e humanos se misturam, e que também facilita a entrada de caçadores ilegais em ecossistemas virgens.

Certas espécies de morcegos e roedores prosperam nessas paisagens modificadas e, devido ao seu alto número e sistemas imunológicos tolerantes, estes animais agem como espécies "reservatório" que hospedam vírus de forma assintomática. Uma vez que estes vírus entram no corpo humano, eles podem ser letais. Muitos vírus também fazem uso de um 'vetor intermediário' através do qual podem evoluir e transitar de espécies reservatório para humanos.

Por exemplo, a carne de animais silvestres não suficientemente cozida é um dos principais vetores do Ebola, em que os animais envolvidos provavelmente foram infectados ao ingerir frutas parcialmente consumidas por morcegos hospedeiros do vírus. A epidemia de Nipah, na Malásia em 1998, eclodiu quando uma grande fazenda de produção intensiva de suínos foi estabelecida junto com pomares de frutas perto de uma floresta, com o vírus transmitido primeiro de morcego para porco através de frutas contaminadas com saliva e urina do morcego, e depois de porco para humano através do contato direto com porcos doentes ou seus tecidos contaminados.

Uma forma de consumo em particular está na raiz tanto do risco crescente de pandemias zoonóticas quanto do aquecimento global: o consumo de alimentos de origem animal

Assim, enquanto continuarmos invadindo os últimos ecossistemas intocados da Terra para extrair recursos, novas doenças infecciosas continuarão a surgir. Como explicou Alanna Shaikh, especialista em saúde pública global, mesmo se todos os países do mundo fossem capazes de desenvolver protocolos eficazes para conter novos surtos de doenças – identificando novos vírus assim que eles surgirem, tratando imediatamente as pessoas infectadas e compartilhando todas as informações necessárias para que outros países possam se preparar – novos surtos de doenças virais serão inevitáveis enquanto continuarmos a abusar do nosso planeta.

O intercâmbio de doenças entre animais e humanos nos lembra de algo fundamental: nós também somos animais e, como tal, formamos parte integrante da natureza. A única forma de mitigar os desastres ambientais é aprender a aceitar e respeitar esta verdade básica.

As causas de ruptura dos ecossistemas são várias, mas todas estão ligadas ao consumo excessivo de recursos naturais. Uma forma de consumo em particular está na raiz tanto do risco crescente de pandemias zoonóticas quanto do aquecimento global: o consumo de alimentos de origem animal. Como já sabemos, as mudanças climáticas são causadas pelas emissões de gases de efeito estufa, especialmente pela produção de eletricidade e calor (responsáveis por 25% do total); desmatamento, cultivo e pecuária (24%); produção industrial (21%) e transporte (14%).

Para reduzir as emissões e mitigar as mudanças climáticas, os governos tendem a focar nos setores de energia e transporte, mas a segunda dessas áreas – o sistema alimentar global – também é fundamental, especialmente a produção pecuária. A criação de aves, suínos, bovinos, caprinos e outros animais é responsável por entre 72% e 78% das emissões de gases de efeito estufa de toda a produção de alimentos agrícolas. Isso se deve ao fato de que a pecuária é o maior usuário mundial de terras e recursos hídricos, e também à fermentação intestinal de gado (que produz metano), e às emissões de gases relacionados ao esterco.

Com suas altas exigências de terra, água e ração, a pecuária é também uma das principais causas da destruição do habitat que leva o homem a ter cada vez mais contato com animais silvestres. Como a expansão da produção pecuária e de ração ocorre predominantemente em países tropicais, o risco de novas zoonoses também se concentra nas florestas tropicais, caracterizadas pela alta diversidade de espécies de mamíferos, e que estão passando por uma conversão de terras para a produção agrícola e pecuária. Além disso, devido à sua alta densidade e baixa diversidade genética, as fazendas de produção de pecuária intensiva também podem atuar como amplificadores para a transmissão de novos patógenos.

Há um crescente consenso entre a comunidade científica de que as emissões de gases de efeito estufa não podem ser suficientemente mitigadas sem uma redução radical no consumo de alimentos de origem animal. O Programa sobre o Futuro dos Alimentos da Oxford Martin (Oxford Martin Programme on the Future of Food) e o relatório especial sobre mudanças climáticas e terra do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU afirmam que a meta de manter o aquecimento global bem abaixo de 2°C não será atingida sem a intensificação da agricultura sustentável, reduzindo a perda e o desperdício de alimentos, e adotando dietas com baixo teor de proteína de origem animal.

Para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e o risco de novas epidemias, é fundamental que cada um de nós comece a adotar uma dieta flexitariana o mais rápido possível

Uma dieta chamada "flexitariana" ou "planetária" consiste em grandes quantidades de alimentos de origem vegetal como frutas, legumes, grãos integrais, nozes e sementes, juntamente com quantidades modestas de alimentos de origem animal como peixe, aves, ovos e laticínios e quantidades muito baixas de carne vermelha (ou seja, bovina, suína e ovina). Uma mudança global para uma dieta flexitariana tem o potencial de reduzir em 56% as emissões de gases de efeito estufa relacionados aos alimentos e alimentar mais de nove bilhões de pessoas até 2050 de uma maneira ambientalmente sustentável.

A Comissão EAT-Lancet na publicação “Comida, Planeta, Saúde” em 2019 chegou às mesmas conclusões. Além disso, a comissão destaca como uma dieta rica em alimentos de origem vegetal, juntamente com o corte de produtos insalubres como carne vermelha, açúcares e alimentos altamente processados, poderia evitar aproximadamente 11 milhões de mortes por ano (ou 19 - 24% do total de mortes de adultos). Os altos níveis de consumo de carne vermelha e processada estão ligados a doenças crônicas, como diabetes, doenças cardíacas e alguns tipos de cânceres.

Portanto, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e o risco de novas epidemias, é fundamental que cada um de nós comece a adotar uma dieta flexitariana o mais rápido possível, além de comprar alimentos produzidos de forma mais sustentável (como produtos orgânicos) e eliminar o desperdício de alimentos de nossas casas.

A pandemia de Covid-19 mostra que cada um de nós é vulnerável às consequências da degradação ambiental. Portanto, todos nós compartilhamos a responsabilidade de agir para evitar que a poluição da terra e da água, inundações, secas, fome e epidemias se tornem cada vez mais prevalecentes.

Em termos evolutivos, o que distingue o homem de outras espécies animais não é, como muitos supõem, a capacidade de sentir emoções ou de se expressar através da tecnologia e da arte. Outras espécies animais compartilham nossa capacidade de sentir medo, alegria, dor e expectativa, de desenvolver conhecimento e transmiti-lo aos seus descendentes.

O que nos distingue das outras espécies animais é a nossa capacidade cerebral de imaginar algo que ainda não existe, e comunicá-lo ao resto da nossa comunidade em palavras e imagens para que possamos transformar ideias abstratas em ações concretas. Mas, para isso, é preciso ativar essa capacidade.

Já estamos sentindo as consequências de nossa inação. Nossos filhos e netos – e aquelas comunidades humanas e de animais não humanos a quem falta o privilégio de escolha que está disponível para muitos de nós nas sociedades ricas – viverão realidades muito mais difíceis se não fizermos nada.

Why should you care about freedom of information?

From coronation budgets to secretive government units, journalists have used the Freedom of Information Act to expose corruption and incompetence in high places. Tony Blair regrets ever giving us this right. Today's UK government is giving fewer and fewer transparency responses, and doing it more slowly. But would better transparency give us better government? And how can we get it?

Join our experts for a free live discussion at 5pm UK time on 15 June.

Hear from:

Claire Miller Data journalism and FOI expert
Martin Rosenbaum Author of ‘Freedom of Information: A Practical Guidebook’; former BBC political journalist
Jenna Corderoy Investigative reporter at openDemocracy and visiting lecturer at City University, London
Chair: Ramzy Alwakeel Head of news at openDemocracy

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