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Crise fiscal no Brasil: uma abordagem “pizza de micro-ondas”

A inflação não dá nenhum sinal de alívio e o quadro fiscal tem piorado. Enquanto a recessão se aprofunda, o Brasil ainda está à procura do fundo do poço. English

João Ricardo Mendes Gonçalves Costa Filho
7 Março 2016
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Vista desde a favela Vidigal no Rio de Janeiro. Mario Tama/Getty Images. All rights reserved.

A recessão brasileira está se aprofundando e estamos ainda procurando o fundo do poço (e torcendo para não encontrar um “alçapão” quando chegarmos lá). A inflação não dá nenhum sinal de alívio e o quadro fiscal tem piorado. Esta não é a primeira vez que eu abordo esse tema (veja aqui), todavia eu acredito que podemos analisa-lo de uma perspectiva diferente: o impacto da “pizza de micro-ondas” no futuro próximo do Brasil. Aviso: não é uma coisa boa.

A dinâmica fiscal corrente

O Brasil “decolou” na famosa capa da The Economist, mas a sua propulsão fora suportada pela recuperação da crise financeira de 2008 que mascarou as verdadeiras restrições de oferta que nós conseguimos evitar ao longo dos últimos cinquenta anos. É difícil para uma empresa no Brasil sobreviver com a pesada carga tributária. Como um cidadão, o nível dos impostos é ultrajante, especialmente dada a qualidade nada satisfatória dos serviços públicos. Adicione uma infraestrutura ruim, protecionismo, insistência em políticas de expansão de demanda como cortes de tributos (sim, nós ainda pagamos muitos impostos, mesmo após alguns cortes) e aumento do crédito através dos bancos públicos e chegamos à situação de hoje: desordem macroeconômica e barreiras microeconômicas.

Quando a macroeconomia está errada, o impacto de boas políticas microeconômicas dificilmente aparece. Como podemos ser sentidos os ganhos de produtividade se todo mundo tem diminuído a produção?

Durante uma recessão nós poderíamos considerar uma expansão fiscal. Contudo, a receita keynesiana tradicional encontra um problema: não há mais espaço para expansão. Nós já estamos gastando mais do que deveríamos. Os gastos do governo crescem mesmo que as receitas não acompanhem. (A razão é abordada aqui). Mas a experiência europeia não nos diz para evitarmos austeridade agora, dado que “the boom, not the slump, is the right time for austerity” (John Maynard Keynes 1937 Collected Writings)? 

Primeiro, a área monetária brasileira tem preenchido os requisitos que a europeia não tem (veja aqui), portanto a situação é diferente do outro lado do Atlântico. Segundo, a economia política dos nossos déficits revela que sempre que a situação for favorável nós não corrigimos os problemas estruturais. Terceiro, o dinheiro – e talvez a paciência – está se esgotando. O gráfico 1 apresenta as receitas e gastos do Governo Central (sem ajuste pela inflação). Os gastos têm crescido consistentemente enquanto as receitas têm surpreendido negativamente por mais de um ano.

 Gráfico 1 – Resultado do Governo Central: Receitas e Despesas

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Fonte: Dados do Banco Central do Brasil; elaboração do autor.

Superávits primários se tornaram em déficits e temos que escolher entre imprimir dinheiro, aumentar a dívida ou os tributos (dado que cortes de gastos estão fora de cogitação, infelizmente). De alguma forma, temos feitos todos eles.

A inflação tem se mantido teimosamente acima da meta do Banco Central. Deveria ficar ao redor de 4,5% (ano-calendário), mas nos últimos doze meses atingiu 10,71%. Para um país que experimentou hiperinflação no passado, dois dígitos é sempre uma grande preocupação. E dada a falta de ancoragem das expectativas e a inércia, a recessão sozinha não será capaz de levar a inflação à meta.  

Dentre as razões que mantêm a inflação alta estão os ajustes de preços relativos: administrados (determinados pelo governo) versus preços “livres” (determinados pelo mercado) e a taxa de câmbio. Questões climáticas também contribuíram. Além disso, nós estávamos operando em um nível alto antes dos choques atingirem a economia. Se tivéssemos mantido os preços de serviços ao redor de 4,5%, por exemplo, mesmo depois desses realinhamentos, nós não teríamos chegado a um nível de dois dígitos. Isso explica as expectativas desancoradas.

Gráfico 2 – Inflação ao consumidor acumulada em doze meses

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Fonte: Dados do Banco Central do Brasil; elaboração do autor.

Além da inflação crescente, os baixos superávits primários e os novos déficits primários aceleraram o endividamento público. Como percentual do PIB, a dívida pública atingiu 67,03% no primeiro mês de 2016, saindo de 58,12% um ano antes.

Gráfico 3 – Dívida Pública Bruta (%PIB)

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Fonte: Dados do Banco Central do Brasil; elaboração do autor.

Nem a foto ou o filme de como chegamos aqui é encorajador.  

E o futuro (próximo)?

O prognóstico para o quadro fiscal vai depender de quanto as famílias vão substituir a produção no mercado pela produção no domicílio. Isto é, por exemplo, ao invés de jantar em um restaurante ou fazer compras, as famílias podem decidir por comer em casa, adiar ou cortar outros gastos e até fazerem por si mesmos. O trade-off  é que por um lado, não há dispêndio quando você faz algo em casa (ou seja, você não paga salário ou margem de lucro para você mesmo). Por outro lado, você deixa de aproveitar outras coisas, como lazer para efetuar a tarefa (o que os economistas chamam de custo de oportunidade).

Durante recessões, há uma crescente demanda por bens produzidos em casa, relativamente aos adquiridos no mercado. O último gráfico apresenta o desempenho das vendas em supermercados e de serviços relacionados à alimentação. Eu dessazonalisei o volume de vendas para ambos, calculei a média móvel de três meses e o depois o crescimento em relação ao mesmo mês no ano anterior.

Gráfico 4 – Supermercados e serviços de alimentação

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Fonte: Dados do IBGE; elaboração do autor.

É fácil ver que a desaceleração no varejo “alimentício” foi maior (nossa proxy para os produtos produzidos no mercado). Claro que deveríamos esperar que ambos decresçam. Mas isto significa que estamos trocando jantares em restaurantes por pizzas de micro-ondas. O problema é que essa troca natural vai aumentar ainda mais os nossos problemas fiscais no futuro.

A tese de Luka Barbosa (orientada por Gino Olivares do Insper) mostrou que a arrecadação agregada responde às vendas no varejo, emprego e ao salário real mais do que ao desempenho do PIB. As vendas no varejo foram as últimas a sentir o impacto da recessão, ou seja, ainda há mais espaço para quedas. Ademais, o ajuste mercado de trabalho não está completo e deterioração adicional é esperada. Ambos se influenciam e contribuem para a baixa arrecadação pública, enquanto os gastos crescem e nós não conseguimos uma consolidação fiscal devido ao entrave politico que se estabeleceu desde o primeiro mês do novo mandato da Presidente.

Pizza de micro-ondas pode ser gostosa, mas não tanto quanto à das pizzarias. Isso também é verdadeiro para as finanças públicas e para a crise fiscal no Brasil.

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