Famílias perderam seus empregos, canoas ficaram sem rio e comunidades ficaram impossibilitadas de pescar. As ilhas foram submersas e as árvores afogadas, deixando uma paisagem de morte e desolação. “Antes eu tinha um rio vivo, hoje tenho um lago morto”, diz Raimundo Berro Grosso, ribeirinho citado pela jornalista Eliane Brum em seu recente livro sobre a Amazônia, “Banzeiro òkòtó”.
“Agora somos pobres. Ser pobre é não poder escolher. Ser pobre é mendigar gasolina para ir ao centro da cidade, é precisar de dinheiro para comprar uma manga no supermercado, é saber que nossos filhos não podem brincar na rua por medo da violência, e que não saibam o nome do rio de sua cidade”, diz Dani, que conta como sua família foi cruelmente atingida pelo infortúnio. Seu pai perdeu o emprego como oleiro, um de seus irmãos foi baleado nas costas pela polícia e outro cometeu suicídio. O terreno abandonado onde ficava sua casa, em um bairro que contava com uma sólida rede de solidariedade, representa a felicidade perdida. Dani se emociona ao contemplar o espaço. “Belo Monte empurrou as pessoas para a miséria. Nos arrancou de nossos lugares e não nos deu condições de recompor nossas vidas. E nunca seremos compensados por isso. Ser pobre, ser miserável, é não ter memória de onde viemos”, lamenta.
Centenas de famílias foram dilaceradas pelas consequências de uma obra concebida durante a ditadura militar, que promoveu a exploração massiva da selva e construiu a rodovia Transamazônica, a agulha de uma enorme seringa utilizada para a extração sistemática de recursos de uma floresta tropical já em ruína.
A hidrelétrica — que foi inaugurada duas vezes, uma pela então presidente Dilma Rousseff em maio de 2016, quando a primeira turbina entrou em operação, e outra pelo atual presidente Jair Bolsonaro, em novembro de 2019, quando a 18ª e última turbina foi ativava — representa o emblema do desenvolvimentismo extrativista que há décadas domina a política econômica brasileira, de esquerda e de direita. Belo Monte é parte de um macro-projeto que previa um sistema de até oito macro-projetos espalhados pelos grandes rios do baixo Amazonas brasileiro. Até hoje, apenas uma está em operação, demonstrando a megalomania de um projeto que nunca alcançou a produção de 11 mil megawatts de "energia limpa e sustentável", como ainda prometem os cartazes espalhados por Altamira.
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