
Economia política e democracia no Brasil de Bolsonaro
A governança atual está mostrando sinais de retorno de facto a uma economia política do tipo colonial.

A jovem democracia brasileira está em perigo de fracassar. Enquanto isso, sua economia política, tanto em nível federal quanto local e regional, está atolada em condutas ilegais.
Em uma democracia moderna com uma economia política robusta, como a vista no Canadá, política e economia são fundamentalmente inseparáveis, mutuamente interdependentes, mas não dicotômicas. As ações políticas influenciam os resultados econômicos. Além disso, a economia política é fundamentalmente interdisciplinar, extraída da economia, da ciência política, do direito, da história e de outras ciências sociais.
Enquanto no Brasil, colônia de Portugal por mais de três séculos, até recentemente não havia democracia alguma. E a economia política era de natureza colonial. Em 1985, as eleições inauguraram um governo civil e assim começou a esperada democratização do país e, com isso, uma economia política nascente e pós-colonial começou a tomar forma lentamente. O progresso, no entanto, tem sido constantemente dificultado pela corrupção endêmica, pela quebra da lei e da ordem, pela disseminação do coronavírus e pelas fraquezas de uma democracia incipiente.
Em janeiro de 2019, o ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro foi eleito presidente com a promessa de enfrentar os problemas da lei e da ordem. Ele havia feito campanha para um novo começo que purgaria a corrupção, o crime e outras condutas ilegais. Ao invés disso, a corrupção e os escândalos abalaram sua presidência, implicando-o direta e indiretamente, e sua conduta é cada vez mais vista como ilegal.
Exacerbando esta situação está o impacto abrangente do coronavírus em todos os aspectos da vida cotidiana, da governança e da democracia no Brasil. Esse cenário tem levado a economia política da nação a tomar uma forma que está expondo ações que não se baseiam em boa governança, mas sim em besteiras, manobras políticas, valores de direita (como era o caso na época colonial) e a promoção das agendas pessoais e ideológicas de Bolsonaro.
Enquanto isso, a economia do país está em crise devido aos impactos econômicos, sociais e políticos do coronavírus, que ele não vem gerenciando bem, descartando como nada mais do que uma gripezinha e, portanto, não merecedora de preocupação, mesmo quando as mortes e os casos de infecção se acumulam diariamente em todo o país.
Outra preocupação é que, nos últimos três meses, o governo de Bolsonaro sofreu um grande baque com a demissão do conceituado ministro da Justiça Sergio Moro, que implicou o presidente da República na demissão de Maurício Valeixo, chefe da Polícia Federal – ou seja, a demissão foi tanto sem causa quanto sem justificativa. Além disso, a decisão estava fora de sua área de responsabilidade (pois o chefe de polícia é independente da Presidência). Tanto a demissão de Moro quanto a demissão de Valeixo foram especialmente condenatórias para Bolsonaro, que foi acusado de tentativa de interferência na PF com a demissão de Valeixo.
Em meados de abril deste ano, Bolsonaro demitiu o ministro da Saúde por defender políticas de distanciamento social para fazer frente à disseminação do coronavírus. Todos esses três recentes acontecimentos minaram os princípios democráticos e a jovem democracia brasileira está sob ataque de seu próprio presidente. Para piorar a situação, três de seus filhos estão sendo investigados pela polícia federal por possíveis delitos (incluindo ações corruptas, como lavagem de dinheiro de um filho, e espalhar notícias falsas atacando juízes do Supremo Tribunal Federal pelos outros dois).
Bolsonaro’s view of Brazil’s political economy is shaped by his personal and political ambitions (especially, his goal of re-election in 2022) and his business agenda
Além disso, os impactos econômicos, políticos, sociais e culturais das políticas de extrema direita de Bolsonaro no desenvolvimento imprudente da Amazônia, especialmente com total desprezo pelo bem-estar e sobrevivência das populações indígenas, é preocupante e contrário à governança esclarecida e democrática.
Sua incapacidade de lidar com as questões ambientais é também outra preocupação séria. A visão de Bolsonaro sobre a economia política brasileira é moldada por suas ambições pessoais e políticas (especialmente, seu objetivo de reeleição em 2022) e sua agenda empresarial (por exemplo, reiniciar a economia de forma prematura e imprudente, vinculada a seus desígnios de reeleição). Estes desenvolvimentos, aliados aos seus valores, ditam quais as políticas públicas e econômicas que devem ser avançadas.
A resposta de Bolsonaro à propagação do coronavírus e seu desenvolvimento agressivo e acelerado da Amazônia a todo custo, resumem sua postura política, estratégia e ações correspondentes. Consequentemente, a economia política brasileira está, na verdade, exibindo tanto fraca convergência (em termos dos alicerces que suportam a liderança, governo, ideologia e setor empresarial) quanto, simultaneamente, divergência – em termos de política e economia serem interdependentes, mas separadas.
Como resultado, a governança do Brasil está mostrando sinais de retorno de facto a uma economia política do tipo colonial, especialmente onde duas nações separadas, uma em grande parte "não-indígena" e a outra indígena, são expostas. Esses desenvolvimentos também significam que Bolsonaro exibe uma fachada em que política e economia aparentemente não são dicotômicas, embora na realidade a nova norma seja a dicotomia e a divergência. Esta situação tem alguma semelhança com o caso da Bolívia, onde, como resultado do golpe militar de novembro de 2019, o retorno a uma economia política da era colonial vem acontecendo de forma agressiva e rápida.
Para entender a natureza da economia política a nível local e regional, recorro ao caso de Itaboraí, um centro urbano com 238 mil habitantes, ao leste do Rio de Janeiro. A corrupção projeta uma longa sombra sobre essa cidade e molda sua economia política.
A corrupção cobra um custo punitivo em todo o Brasil. A contravenção consome até 2,3% do produto interno bruto
Bruce Douglas e Sabrina Valle relataram na Bloomberg Businessweek (23 de abril de 2019) que as milícias, compostas por grupos de policiais e agentes de segurança desonestos e fora de serviço, começaram a operar em Itaboraí, bem como nos bairros pobres do oeste do Rio, há algum tempo, onde "Políticos ou fizeram vista grossa ou colaboraram com os grupos". Essas milícias cobram por uma ampla gama de serviços, incluindo segurança, gás de cozinha, acesso à internet e TV a cabo. Eles também monopolizaram o mercado de tabaco de contrabando e forçaram os vendedores a vendê-lo. Essas milícias agora estão ativas em todo o Rio e em outras 14 cidades do estado, afetando a vida de milhões de pessoas, de uma forma mais generalizada, mas importante. Os dois jornalistas, Douglas e Valle dizem:
"A corrupção cobra um custo punitivo em todo o Brasil. A contravenção consome até 2,3% do produto interno bruto, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. São cerca de US$ 39 bilhões por ano. ...Temos corrupção sistêmica em todos os níveis. É uma prática que está profundamente enraizada no país e, na segurança pública, não é diferente".
Complicando este problema, muitos governadores de estado e prefeitos de cidades, não endossam as políticas de Bolsonaro. Quando o aparato de governo, os sistemas de apoio e as políticas e regulamentações fomentam a corrupção e a criminalidade profundamente enraizadas nos níveis local e regional, há um profundo fracasso na governança. A economia política tem um papel de reforço nos diferentes níveis de governança (pequena área urbana, área rural, cidade, região e nação). A manutenção e o avanço dos princípios da democracia é, portanto, um profundo desafio no Brasil.
Finalmente, como o coronavírus está causando estragos em todas as frentes do país, a situação sombria está levando Bolsonaro a conduzir seus negócios de forma antidemocrática, com claros indícios de sua inclinação para uma economia política colonial.
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