
Eleições na Venezuela: democracia em xeque
As eleições parlamentares do próximo domingo para escolher uma nova Assembleia Nacional na Venezuela ameaçam acabar com o que resta da democracia no país.

Nicolás Maduro, que atualmente ocupa a presidência da Venezuela através de eleições não reconhecidas como justas por grande parte da comunidade internacional, procura agora controlar a Assembleia Nacional, o último bastião remanescente do pluralismo democrático no país. Depois de fracassar na tentativa de estabelecer um parlamento alternativo que lhe fosse favorável, as novas eleições do dia 6 são apresentadas como uma nova oportunidade para o chavismo assumir o legislativo – e ganhar controle total do poder na Venezuela.
Do lado da oposição, Juan Guaidó denunciou a falta de honestidade no processo eleitoral e apelou para um boicote, assim como Henrique Capriles, outro líder da oposição. Em várias ocasiões, Guaidó e boa parte da oposição proclamaram que as eleições serão fraudulentas, declarações ecoadas pelo governo dos Estados Unidos, pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e até mesmo pela União Europeia, que tornaram pública sua preocupação com as próximas eleições e não as reconhecem como legítimas.

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela informou que tudo está certo para os cidadãos votarem e reiterou que a votação terá todos os elementos de biossegurança para não agravar a pandemia. O Observatório Eleitoral Venezuelano (OEV), entretanto, chamou a atenção para o relaxamento das medidas de segurança sanitária diante da crise de Covid-19. A organização advertiu que, durante a campanha, "houve lugares onde eventos e reuniões da campanha foram bastante discretos, com alguns cuidados com a pandemia, mas houve outros, não muitos, de fato (...) onde houve aglomeração e total negligência”.
Embora há 20.710.421 eleitores registrados, estima-se que apenas um terço sairá para votar. No final de outubro, já de última hora, o órgão eleitoral tomou medidas para regular a campanha e a propaganda. Os diretores da OEV afirmam que as medidas não estão sendo respeitadas e que a vantagem do regime é "absoluta".
Embora nenhum partido possa contar com financiamento estatal, os candidatos do partido de Maduro, o PSUV, têm distribuído presentes durante a campanha que, como mostram as evidências, lhes foram previamente dados pelo governo.

Guaidó, por sua vez, convocou uma pesquisa popular paralela que procura medir o nível de rejeição de Maduro e sua administração. O referendo perguntará aos venezuelanos se rejeitam ou não as eleições legislativas de 6 de dezembro e se acreditam ou não que “toda a pressão" nacional e internacional seja aplicada para forçar o líder chavista a deixar o poder..
Maduro, por sua vez, mostrou-se disposto a intensificar as medidas repressivas que vem exercendo contra as instituições democráticas, a sociedade civil, as ONGs e os cidadãos e estrangeiros, com o único propósito de permanecer no poder.
Ataques contra ONGs

Em 5 de novembro, as ONGs Alimenta La Solidaridad e Caracas mi Convive, fundadas e coordenadas pelo membro da organização política Primero Justicia, Roberto Patiño, denunciaram os ataques das autoridades do governo de Nicolás Maduro. Por meio de um pronunciamento, denunciaram que uma delegação identificada como Polícia Nacional contra a Corrupção invadiu a antiga sede das ONGs, localizada em El Rosal, em Caracas, bem como a casa dos pais de Patiño.
No mesmo dia, o governo do “presidente em exercício” da Venezuela, Juan Guaidó, denunciou o ataque às ONGs Alimenta La Solidaridad e Caracas Mi Convive e seus dirigentes pelo regime de Nicolás Maduro.
Em 6 de novembro, Anatoly Kurmanaev, repórter do The New York Times, disse em suas redes sociais que Nicolás Maduro gostaria que os Estados Unidos flexibilizassem as sanções. No entanto, semanas antes de Joe Biden assumir o poder, a polícia secreta e os reguladores bancários de Maduro reprimiram uma ONG patrocinada por Jill Biden, esposa do presidente eleito.
Em 26 de novembro, a ONG denunciou, por meio de suas redes sociais, que a Superintendência das Instituições do Setor Bancário (Sudeban) congelou todas as suas contas bancárias, medida que, segundo a ONG, atinge mais de 25 mil crianças beneficiadas.
Por que atacar uma organização que entrega comida para crianças? A ONG utiliza canais de distribuição que não são os do governo de Maduro e, além disso, é dirigida por Roberto Patiño, opositor político do regime chavista.
Prisão e julgamento de cidadãos americanos
Em 2017, seis executivos americanos viajaram para a Venezuela e foram presos por acusações de corrupção.

Vadell, Gustavo Cárdenas, Jorge Toledo, Alirio José Zambrano, José Luis Zambrano e José Ángel Pereira são os nomes dos seis funcionários da Citgo 6, refinaria de petróleo, que chegaram a Caracas para uma reunião orçamentária com a estatal venezuelana PDVSA.
Logo na chegada, agentes de segurança armados e mascarados os prenderam sob a acusação de peculato decorrente de uma proposta nunca executada de refinanciar quase US$ 4 bilhões em títulos da Citgo, oferecendo uma participação de 50% na empresa como garantia.
Diante do agravamento da crise na Venezuela e do deterioro da relação entre os dois países, o caso foi sendo gradualmente deixado de lado, apesar dos rumores de que os detidos estavam sendo mantidos em uma prisão militar de contra-espionagem em condições desumanas.
Finalmente, em um julgamento a portas fechadas, eles foram considerados culpados. Alguns observadores interpretaram o caso como uma manobra do regime para aumentar a tensão com os Estados Unidos às vésperas das eleições para fins de propaganda eleitoral.
A oposição anunciou que vai implantar uma comissão de observação em todo o país para fiscalizar as eleições e controlar a execução da consulta popular que, para eles, servirá para "registar a realidade da participação" e denunciar as "irregularidades".
Independentemente do resultado das eleições parlamentares, o atual mandato da Assembleia Nacional e do governo de Guaidó chegam ao fim em 5 de janeiro. Com toda a probabilidade, Maduro assumirá o controle da Câmara para consolidar seu poder absoluto e neutralizar a oposição com vistas a uma nova negociação política.
Em 20 de janeiro, Biden assumirá a presidência dos Estados Unidos. Maduro provavelmente tentará enviar sinais positivos ao novo governo com o objetivo de melhorar as condições internas, diminuindo a severidade das sanções que atualmente sufocam, não tanto o regime, que vive em dólares, mas uma população que vive uma crise humanitária sem precedentes.
Ao longo de sua campanha, Biden deixou claro como deseja lidar com as relações com a Venezuela. Apoiará emigrantes venezuelanos nos Estados Unidos e no mundo e não responderá à pressão do governo venezuelano. Para ele, assim como para os órgãos multilaterais e para o resto da região sul-americana, o mais importante é ver avanços na reconstrução da democracia e dos direitos humanos.

As eleições de domingo deveriam oferecer uma oportunidade para recuperar espaços para a democracia na Venezuela e abrir um cenário favorável para negociações inclusivas que busquem uma saída efetiva da profunda crise política e social que o país vive há anos.
Infelizmente, parece que o regime chavista, cada vez mais “cubanizado”, só tem uma coisa em mente: permanecer no poder a qualquer custo.
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