
Ativistas protestando em Lima, Peru. Imagem blog IWHC.
Em abril de 2016 os peruanos elegerão um novo presidente. O elenco de candidatos presidenciais é bastante normal – ex-presidente e a filha dum ex-presidente que já se apresentou, sem êxito, na anterior convocatória eleitoral. Os principais candidatos são todos conservadores e falam de que o crescimento econômico é uma prioridade. Em muitos aspectos, estas eleições não são muito diferentes das anteriores. Contudo, algo mudou. Há, pelo menos uma questão, uma perspectiva mais progressista, que se está a consolidar.
Recentemente, um candidato declarou que se opunha ao aborto e um jornalista perguntou-lhe: “Mas, e então o que acontece num caso de violação? “ Esta pregunta teria sido inconcebível em anteriores campanhas presidenciais, apesar de que o Peru tem uma das mais altas taxas de violência sexual de toda a região. Os números são impactantes: 1 de cada 5 mulheres peruanas sofrem algum tipo de violência sexual antes de cumprir os 15 anos, e 9 de cada 10 gravidezes de raparigas menores de 15 anos devem-se a incesto. Os investigadores estimam que no Peru, cada ano, 35.00 gravidezes se devem a violação.
O silencio em redor à violência sexual tem em parte explicação pela inclinação conservadora do pais. Ainda que o Estado se tenha como laico, o Peru continua a ser um país no qual tanto a Igreja Católica como as seitas evangélicas, atualmente em crescimento, exercem uma influência considerável sobre a sociedade (e o Congresso). O conflicto com o grupo maoísta Sendero Luminoso, que começou em 1980, durou 20 anos. E ainda que o Sendero Luminoso tenha sido derrotado, os setores progressistas da sociedade civil peruana, que algumas vezes se encontraram no meio de fogo cruzado, pagaram um alto preço. Como consequência de dito conflito, a esquerda política viu-se claramente debilitada. Poucos são hoje, em consequência, os defensores de causas progressistas. O espectro político está claramente dominado por vozes conservadoras.
Desde 2012, um grupo de feministas e ativistas, incluindo a organização associada à International Women´s Health Coalition, Promsex, propuseram-se a quebrar este silêncio e colocar os direitos reprodutivos e a violência sexual na agenda pública do Peru. Puseram em andamento uma campanha sob o slogan “Deixa-a decidir”, através da qual pretendiam recolher 60.000 assinaturas em apoio a uma proposta para despenalizar o aborto em caso de violação. A campanha acabou por superar dito objetivo e converteu-se na primeira iniciativa cidadã deste tipo na região. Em março de 2014, validaram-se as assinaturas e isto deu lugar a um projeto e lei que posteriormente foi debatido em duas comissões do Congresso. A campanha passou então a uma segunda fase: a de pedir o apoio à legislação.
As ativistas enfrentaram-se a vários desafios, incluindo uma contra campanha liderada pela Igreja Católica e os anti-abortistas radicais, que não só se opuseram aos esforços para ampliar o acesso ao aborto, mas que também pressionaram para criminalizá-lo sem qualquer tipo de exceção. Recentemente, a Promsex também teve que enfrentar-se a uma série de ataques por parte de grupos anti-abortistas, motivados pelos ataques aos centros de Planned Parenthood nos Estados Unidos. Isto motivou que os deputados conservadores Peruanos criassem um subcomité no Congresso para investigar a Promsex e outras organizações que presumivelmente “promovem” o aborto no Peru. Promsex, contudo, continou com a sua luta sem sequer imutar-se.
Em certo momento, pareceu que o projeto de lei seria aprovado, mas os deputados que se opunham ao projeto de lei ausentaram-se fisicamente do hemiciclo, de modo que não houve quórum para a sua aprovação. Em novembro, o projeto de lei foi objeto de debate na Comissão Constitucional e perdeu-se a votação por 4 votos favor e 6 em contra. O projeto, em consequência, arquivou-se. Alguns deputados pediram, contudo, que o projeto de lei fosse reconsiderado de novo em 2016.
Ainda que a campanha não tenha conseguido cumprir o seu principal objetivo de despenalizar o aborto em caso e violação, importantes avanços foram alcançados. A campanha serviu para consciencializar a opinião pública sobre dois temas fundamentais: a violência sexual e os direitos reprodutivos. O sindicato maioritário do pais saiu à rua em apoio a campanha e os principais jornais, incluindo o Diário 16, mantiveram durante semanas o símbolo da campanha na primeira página. Desde estrelas de telenovelas a senadores, passando pelo prémio Nobel Mario Vargas Llosa, todos declaram publicamente o seu apoio à proposta. As sondagens indicam que a opinião pública a favor de permitir o aborto em caso de violação aumentou.
Esta foi em parte a estratégia dos ativistas: Promsex e os seus aliados perceberam que era pouco provável que se aprovasse o projeto lei, mas sabiam que quebrar o silêncio sobre a violência sexual e o aborto era um primeiro passo estratégico. Ao consciencializar e educar os legisladores, estavam a estabelecer as bases para fazer progredir a causa dos direitos reprodutivos no Peru. Hoje, quando o país ainda se está a preparar para as eleições, Promsex propõem-se a pressionar os candidatos para que discutam o tema do aborto. Não se pode negar que se estão a gestar mudanças no Peru.
Este artigo foi publicado previamente por International Women’s Health Coalition.
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