A casa onde fomos morar depois da erupção do vulcão era perto do exército. Às vezes nós estávamos dormindo e começávamos a ouvir tiros. Eles gritavam: “Tirem as crianças das casas, uma bomba vai explodir”. Nós vivíamos com medo de nossas casas serem atacadas. Às vezes, acordávamos no meio da noite com homens batendo na porta dizendo para fugirmos dali. Entravamos num carro e eles ficavam rodando, depois diziam: “Está tudo ok agora, vocês podem retornar para casa”. Nós não dormíamos nessas noites.
Nós conseguíamos ouvir o conflito chegando perto de Goma – de lá, ouvíamos as bombas explodindo. Eu não desejo isso para ninguém. Eu tinha um tio que trabalhava em um hospital na cidade. As pessoas iam até o hospital para ver os seus familiares e se deparavam com as mulheres que estavam sendo tratadas lá, vítimas da guerra. Existiam quartos reservados para as mulheres que haviam tido traumas físicos e psicológicos, que foram abusadas na guerra. As crianças perguntavam às suas mães o que essas mulheres tinham e porque estavam tão tristes. Mas, muitas vezes, as mães não conseguiam explicar. Naquele tempo, nós não falávamos sobre isso. Era considerado um tabu, no sentido de não falar para não acordar a dor, mas não poder falar a respeito, também é doloroso.
Às vezes, nas escolas havia seminários apenas para meninas, neles se falava sobre o que precisávamos fazer quando nos sentíssemos desrespeitadas; como agir naquele momento, com quem conversar.
Eu queria ser jornalista, para discutir essas questões, mas eu comecei a pensar que esse tipo de jornalismo não me levaria muito longe. Eu pensei: “Eu quero estudar política primeiro, para entender porque essas coisas acontecem, eu quero estudar a guerra, eu quero ser especialista nisso”. Foi assim que encontrei Relações Internacionais, onde nós estudamos a guerra e a paz, como a guerra e a paz são perpetradas. Então, eu tentei uma bolsa de estudo na embaixada do Brasil. Eu estava em Kinshasa, e a embaixada do Brasil estava distribuindo bolsa de estudo para alunos que tinham notas boas no ensino médio. Nós tínhamos que fazer um teste antes de vir para o Brasil.
Eu cheguei no aeroporto de Roraima e parecia que você estava entrando dentro de um forno – lá é muito quente. Eu comecei a conhecer as pessoas e saber mais sobre o lugar, e a cidade começou a se tornar algo especial para mim, algo que eu carrego em meu coração. Se Roraima fosse um país, ele seria minha segunda nacionalidade.
Eu sou uma imigrante no Brasil. Graças a Deus eu sou estudante. Mas, infelizmente, essa não é uma realidade para muitos imigrantes aqui. Então, eu fico pensando que o meu lugar não é na universidade. Não é que eu não goste – estudar é minha paixão – mas eu sei que o meu trabalho é fora, onde as pessoas precisam da minha contribuição. Eu sei que muitas pessoas estão ajudando os migrantes, mas eu sinto que eu tenho que fazer algo aqui. Essa é a responsabilidade que eu tenho. Eu tenho esse espaço de fala e eu preciso tomar vantagem sobre isso.
M. Z., cinco anos no Brasil
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