“Há uma percepção hoje de que ser trans é uma 'tendência', associada a jovens que estão crescendo e reivindicando essa identidade”, afirma Jesse Bayker, historiador de gênero e sexualidade da Rutgers University, em New Jersey, nos Estados Unidos. Ele diz que essa atitude é “usada para marginalizar” pessoas trans e gênero não-conformistas.
A pesquisa de Bayker explora as histórias de transgêneros dos séculos 19 e 20 nos Estados Unidos. Ele é um dos vários acadêmicos com quem conversei que elaborou uma longa história de pessoas e subculturas de gênero não-conformista ao redor do mundo – e que explicou por que entender essa história é crucial para as sociedades inclusivas hoje.
Resumindo: as identidades trans e gênero não-conformista não são novas. Essa percepção abala as noções de que as sociedades ocidentais estão na vanguarda do progressismo e pode oferecer às pessoas LGBTIQ um senso crítico de comunidade – mas também pode ser libertador para todos, pois é uma história de resistência às normas de gênero.
A longa história do gênero não-conformista é "indubitável", disse Adnan Hossain, autor de um próximo livro acadêmico sobre as hijras em Bangladesh, uma subcultura de gênero não-conformista que remonta ao império Mughal, que durou dos séculos 16 ao 19. Algumas partes do mundo “tinham algo como um padrão de pluralismo de gênero”.
Get one whole story, direct to your inbox every weekday.
“Essa ideia de que as sociedades ocidentais são exclusivamente progressistas é algo que precisa ser desafiado de frente”, afirma Hossain. O autor descreveu como o domínio colonial britânico em Bangladesh aumentou a marginalização das hijras em meio à “difamação de todas as expressões e práticas não heterossexuais e não binárias”.
Apresentar identidades trans e gênero não-conformista como 'novas' permite ataques contra elas, explica Kit Heyam, um acadêmico trans do Reino Unido. No entanto, "pessoas brancas não binárias que instrumentalizam os gêneros das pessoas não brancas ao argumentar: 'Meu gênero é válido porque, olhe as hijras'", também é problemático.
“Se estamos reivindicando pertencer à mesma comunidade de pessoas que não são da nossa cultura, acho que temos a responsabilidade de trabalhar para entender completamente o que significa ser alguém desse gênero específico [...] e como podemos lutar por seus direitos", diz Heyam, em vez de simplesmente "usá-las para nos validar”.
Você pode encontrar um número crescente de listas online sobre, por exemplo, ‘comunidades não binárias em todo o mundo’ ou ‘figuras históricas que você não sabia que eram trans’. Mas elas não fazem justiça a esta história. A não-conformidade sempre “perturbou” e provocou reações adversas, enfatiza Heyam.
As subculturas de gênero não-conformista do Sul da Ásia "criaram este espaço alternativo ou formação contracultural em resposta às masculinidades dominantes que as rejeitaram", acrescenta Hossain. “O fato de [as hijras] existirem é uma prova da resiliência dessas comunidades.”
A lógica é também libertadora para as mulheres que enfrentam normas de gênero restritivas, bem como para homens que “são oprimidos por entendimentos reducionistas de masculinidade”
Em Nova Jersey, a pesquisa de Bayker desenterrou histórias centenárias de pessoas trans não apenas vivendo abertamente nos Estados Unidos, mas também "resistindo à opressão e à prisão [...] Isso também é algo que muitas vezes pensamos ser um fenômeno mais recente: pessoas trans resistindo – mas não é".
Libertador para todos
Acadêmicos vêm estudando as histórias de comunidades de gênero não-conformista em vários países, da Indonésia a Omã, e também no Império Inca.
Raven Dinelle, jovem ativista “dois-espíritos” do Canadá, escreveu para o openDemocracy sobre a resistência passada e presente de sua comunidade. “O colonialismo tentou esmagar nossa cultura”, afirmou, mas “hoje, jovens nativos como eu estão reivindicando nossa identidade de dois-espíritos”.
Essa identidade, explicou Dinelle, "refere-se à experiência distinta daqueles não conformes com a heteronormatividade ou cisnormatividade e que abraçam a diversidade de gênero, enquanto vivem dentro das tradições indígenas". No passado, afirmou, "éramos reverenciados por nossa capacidade de conectar dois mundos [...] vivendo fora dos binários".
Dinelle também descreveu como tem sido importante para os dois-espíritos “conhecer e aprender sobre os povos indígenas da América Central e do Sul, Austrália e Nova Zelândia, que também estão resistindo a um ataque secular às nossas culturas”.
Aprender sobre essas histórias pode ser libertador para todos, Heyam argumenta: “Não se trata apenas de pessoas trans que merecem um senso de história; trata-se de deixar claro que não existe 'gênero estático tradicional'”.
Essa lógica é também libertadora para as mulheres que enfrentam normas de gênero restritivas, bem como para homens que “ainda são oprimidos por entendimentos reducionistas de masculinidade”, afirma. “Todos nós somos oprimidos pelas estruturas de gênero que temos no momento [...] Todos nós temos muito a ganhar destruindo-as.”
Comentários
Aceitamos comentários, por favor consulte ás orientações para comentários de openDemocracy