
Reyna Montoya durante uma demonstração. Aliento. Todos os direitos reservados
Manuel Serrano: Viveste em pessoa a ansiedade e o terror de ser separada da tua família. Como é crescer como uma imigrante sem documentos nos Estados Unidos?
Reyna Montoya: Como imigrante sem documentos nos Estados Unidos não fui capaz de fazer coisas muito simples sem me preocupar pelos tremendos efeitos que as mesmas poderiam ter para a minha família. Lembro-me de que no décimo-segundo ano, algo tao simples como matricular-me em duas universidades ao mesmo tempo significava pagar três vezes mais do que qualquer um dos meus colegas, uma vez que não tinha um número de segurança social. Supôs não poder tirar a carta e não poder partilhar essas experiências com os meus amigos.
Não ter a oportunidade de me despedir da minha avó, e de ver o meu pai chorar por ter que escolher entre sair do país para enterrar a pessoa que o criou, ou ficar nos Estados Unidos para educar os seus filhos. Significou não poder arranjar um emprego quando acabei o curso, ou continuar a minha educação a seguir. Também supôs descobrir muitas coisas por mim própria, ou encontrar mentores que me apoiassem. Apesar disso, estes desafios tornaram-me numa pessoa mais criativa, obrigando-me a trilhar um caminho onde não havia nenhum.
MS: Fundaste a Aliento para dar apoio aos jovens e crianças sem documentos que vivem nos Estados Unidos. Como pode a arte e a educação construir uma América melhor?
RM: A arte é uma ferramenta que nos permite expressar os nossos sentimentos e que nos permite repensar a forma como vemos o mundo. A arte pode curar e fortalecer qualquer pessoa que esteja disposta a expressar os seus sentimentos e as suas emoções.
A educação é fundamental. E é por isso que nós na Aliento acreditamos que é preciso criar espaços nos quais nos eduquemos uns aos outros. Não só sobre o clima político actual, mas também sobre como o sistema funciona, para dessa forma melhorar a qualidade de vida das nossas comunidades.
Com muitos movimentos liderados por jovens, um dos principais obstáculos ao que nos enfrentámos foi sem dúvida o facto de que muitos de nós não dispomos de recursos suficientes para nos mantermos engajados.
MS: O teu pai esteve para ser deportado há alguns anos, mas conseguiste impedi-lo com a ajuda da tua comunidade. Quão difícil é ser racional quando a tua própria família se enfrenta a uma situação tao dramática como uma deportação?
RM: Quando sentimos na pele a separação familiar passam-nos muitas coisas pela cabeça. Começamos a pensar que o pior vai acontecer; que esta vai ser a última vez que vamos falar com essa pessoa.
A detenção do meu pai durante praticamente nove meses foi extremamente difícil, tal como foi aprender a gerir as minhas emoções ao mesmo tempo que tentava perceber como funcioanava o sistema legal americano para o poder ajudar.

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MS: Dás voz àqueles jovens que de outra forma seriam ignorados. A que obstáculos se depararam como organização? Podem os movimentos populares mudar a sociedade por si próprios ou precisam de ajuda?
RM: Não me vejo como uma voz para os Dreamers, mas sim como alguém que está a criar uma espaço onde outras vozes se podem fazer ouvir. Com muitos movimentos liderados por jovens, um dos principais obstáculos ao que nos enfrentámos foi sem dúvida o facto de que muitos de nós não dispomos de recursos suficientes para nos mantermos engajados. Muitos temos dois ou três empregos, ou trabalhamos e estudamos ao mesmo tempo.
Diria que não somos reconhecidos como especialistas nesta área, apesar do conhecimento que adquirimos e de termos vivido situações que muitas pessoas não conseguem sequer imaginar.
Acredito que os movimentos populares são poderosos e que podem mudar as comunidades, mas que temos que ser críticos sobre como convidamos outros a fazer parte e como podemos expandir a nossa rede de apoios. Só assim conseguiremos criar o impacto que realmente queremos ter.
Trump tornou-se num símbolo da divisão e da ganância que existem na nossa sociedade. Ainda assim, sou capaz de o ver como um ser humano.
MS: Para a maior parte das pessoas, Donald Trump é um político populista e racista que infelizmente foi eleito como Presidente dos Estados Unidos. Quem é Donald Trump para ti?
RM: Para mim, Donald Trump ainda é um ser humano. Não posso estar de acordo com os seus ideais, as suas politicas e a forma como trata as pessoas que não refletem quem ele é. Tornou-se num símbolo da divisão e da ganância que existem na nossa sociedade e magoou muitas pessoas de quem gosto muito. Ainda assim, sou capaz de o ver como um ser humano e espero, sinceramente, que o meu coração não se torne cínico ao ponto de que não seja capaz de reconhecer a humanidade das pessoas, mesmo quando não esteja de acordo com elas.
MS: Parece-te provável que os membros do Congresso cheguem a um acordo sobre o DACA? Se tal não acontecer, o que podem os activistas e a sociedade civil fazer para garantir que os Dreamers não são esquecidos?
RM: O prazo final estipulado para o dia 5 de Março foi adiado, devido à decisão dos tribunais na Califórnia e em Nova Iorque. Isto significa que, actualmente, os Dreamers podem renovar a sua aplicação ao programa. Contudo, alguns beneficiários perderam o seu estatuto como tais, uma vez que as decisões dos tribunais foram conhecidas muito perto do prazo final. Estas decisões são como colocar um penso quando o que é preciso é uma operação. Pode ser de ajuda momentaneamente, mas a longo-prazo não vai funcionar. É um atraso que permite que as pessoas como eu tenham mais alguns meses.
É primordial que os activistas e a sociedade civil se reúnam com os representantes eleitos e os pressionem a tomar medidas. O Congresso passa muito facilmente para o “próximo assunto” sem se sentir obrigado a resolver problemas com graves implicações sociais. A sociedade civil dispõe de uma oportunidade para se envolver e garantir que o Congresso é consciente de que queremos proteger os Dreamers. É um tema que não deve ser usado politicamente nem pelos Democratas nem pelos Republicanos. O público deve levantar a voz e refletir sobre se é esta a sociedade que queremos ser, ou que os nossos filhos fiquem a saber daqui a 20 ou 30 anos que os seus pais ficaram em silêncio. O silêncio não é uma opção; temos que utilizar todos os meios que temos à nossa disposição para proteger os mais vulneráveis.
O silêncio não é uma opção; temos que utilizar todos os meios que temos à nossa disposição para proteger os mais vulneráveis.
MS: A vossa organização muda para melhor a vida das crianças que são americanas em tudo, menos no sentido burocrático do termo. Que temos que fazer para convencer as pessoas que quem somos e o que fazemos é mais importante que de onde vimos?
RM: As pessoas têm que entender que nós somos como vocês e vocês são como nós. Na Aliento partimos daquilo que nos permite ser humanos. É por isso que é importante para todas as pessoas, não só para os imigrantes, saber de ondem vêm e qual é a sua história. Porque é o passado que nos permite refletir sobre o que está a acontecer agora e o que o futuro nos reserva se não alterarmos as nossas formas de comportamento, a nossa atitude e a nossa mentalidade.
Acredito que é uma responsabilidade daqueles que refletimos dessa maneira convidar outras pessoas a refletir. Mas é uma responsabilidade de cada um decidir se aceita ou recusa o convite.
MS: Do que é que precisa a Aliento para continuar a ajudar quem precisa? Como podem os cidadãos contribuir?
RM: Para que a Aliento continue a cocriar espaços de empoderamento, amor e resiliência precisamos de três coisas.
Em primeiro lugar, precisamos que as pessoas se unam à nossa comunidade online através das redes sociais e divulguem a nossa mensagem.
Em segundo lugar, precisamos de ajuda financeira, porque é preciso tempo e material para garantir que podemos fazer a diferença no terreno, além de nos permitir ser independentes de outras pessoas cuja prioridade não é aprovar políticas especificas.
Finalmente, precisamos de pessoas corajosas; de aliados que saiam da sua zona de conforto para ter conversas difíceis e apoiar ativamente famílias sem documentos.
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