50.50: Opinion

Conheça as nicaraguenses que lutam pela democracia da prisão

Apesar da ‘farsa’ das recentes eleições na Nicarágua, mulheres presas por desafiar o regime de Ortega oferecem esperança de resistência

danae.jpg
Dánae Vílchez
1 Dezembro 2021, 12.01
Acima, da esquerda para a direita: Karla Escobar, Julia Hernández, María Oviedo, Esperanza Sánchez e Ana Margarita Vijil. Abaixo, da esquerda para a direita: Suyen Barahona, Violeta Granera, Cristiana Chamorro, Dora María Téllez e Tamara Dávila

Quando a política e advogada feminista Ana Margarita Vijil soube, em 12 de junho, que seria presa, ela gravou um vídeo com uma mensagem final: “Aqui ninguém desiste. Daniel Ortega vai sair do poder”. Poucos minutos depois, a polícia chegou em sua casa, onde primeiro a espancou antes de prendê-la.

A Nicarágua, meu país natal, realizou eleições em 7 de novembro. Mas todos já sabíamos quem ganharia. O presidente Daniel Ortega, no governo desde 2007, garantirá outro mandato após meses de repressão, censura e prisão para tirar a oposição do caminho.

A partir de maio, o governo deteve sete candidatos presidenciais e pelo menos uma dúzia de ativistas, incluindo dez mulheres proeminentes.

Essas mulheres são defensoras dos direitos humanos, ativistas feministas e líderes sociais e políticas. Seus nomes são: Cristiana Chamorro, Dora María Téllez, Tamara Dávila, Ana Margarita Vijil, Suyen Barahona, Violeta Granera, María Oviedo, Esperanza Sánchez, Julia Hernández e Karla Escobar.

Get our free Daily Email

Get one whole story, direct to your inbox every weekday.

Vijil, que se filmou antes de ser detida, está na prisão El Chipote, em Manágua, conhecida como a “prisão da tortura”. Sua família relata que ela é submetida a isolamento, abusos emocionais e físicos, e que perdeu muito peso.

Dora María Téllez, historiadora e líder política, também foi presa em 12 de junho – o mesmo dia que Vijil. Téllez é ex-comandante do movimento guerrilheiro sandinista. Ela se tornou um ícone na década de 1970 por liderar conquistas militares ainda muito jovem, lutando ao lado de Ortega para derrubar a dinastia Somoza.

Mais tarde, ela se tornou ministra e legisladora do movimento sandinista (FSLN) e também fundou um partido político independente. Agora com 66 anos, ela é uma crítica franca de seu antigo camarada Ortega. Sua família afirma que ela é mal alimentada e maltratada na prisão.

Támara Dávila, psicóloga feminista e ativista política, foi presa um dia antes de Vijil. A polícia confiscou seu álbum de fotos e um caderno no qual registrava o crescimento da filha.

“Eles estão usando a maternidade para torturá-la”, me disse Ana Lucía Álvarez, irmã de Dávila. "Dizem constantemente é uma má mãe que abandonou sua filha."

Ortega faz discurso de esquerda, mas é um aliado fundamental dos setores conservadores

Álvarez (que também é sobrinha de Vijil) explica que as presas políticas sofrem uma dupla penúria – por serem mulheres e por criticarem o governo.

Elas geralmente são submetidas a confinamento solitário e repetidos interrogatórios e humilhações por suas preferências sexuais e de gênero ou por terem abandonado seus filhos devido à detenção, diz Álvarez.

Repressão e corrupção sob o comando de Ortega

O presidente Ortega personifica o patriarcado, o autoritarismo e a corrupção, as três cabeças do Cerberus que engoliu o país. Ex-comandante militar e um dos líderes da bem-sucedida Revolução Sandinista – que acabou com a ditadura da família Somoza em 1979 –, Ortega retalia quem ousar se opor ao seu mandato.

Ele desmantelou as instituições democráticas e passou a controlar o judiciário, a polícia e as forças armadas. Ortega concorreu a sucessivas reeleições aprovadas pelos tribunais que controla. Durante as manifestações antigovernamentais de 2018, ele ordenou o massacre de pelo menos 325 pessoas.

Ortega faz discurso de esquerda, mas é um aliado fundamental dos setores conservadores. Em 2006, quando era líder da oposição, ordenou que seu partido votasse a favor da proibição total do aborto para agradar à Igreja Católica. Pouco depois, ganhou as eleições daquele ano.

Como se tudo isso não bastasse, Ortega foi acusado por sua enteada, Zoilamérica Narváez, de supostamente abusá-la sexualmente desde os 11 anos de idade.

Em 1998, quando Narváez descreveu o suposto crime, sua mãe, Rosario Murillo, ficou do lado de seu marido e foi recompensada com maior poder político dentro do regime. Hoje, Murillo é a vice-presidente e porta-voz do governo.

Como disse Jennie Lincoln, conselheira sênior do Carter Center, a democracia em meu país está morta. Sem candidatos da oposição nas eleições do mês passado, a oposição agrupada na Coalizão Nacional pediu que as pessoas se abstivessem de votar e que "ficassem em casa".

Esperança apesar da prisão

No entanto, as mulheres presas ainda conseguem lançar um pequeno vislumbre de esperança.

“Estar na prisão é minha contribuição para a liberdade da Nicarágua”, disse Ana Margarita Vijil à irmã durante uma das duas visitas que lhe permitiram.

Ana Lucía Álvarez afirma que as prisioneiras estão confiantes e que, nas duas únicas visitas autorizadas desde junho, disseram a seus familiares que não vão jogar a toalha. “As vimos fortes. Mesmo nesta situação, encontram formas de resistir”, diz Álvarez.

Através do hashtag #QueLasLiberen (Liberte-as), grupos feministas da Nicarágua e do resto da América Latina estão lutando pela libertação dessas mulheres e denunciando as eleições como “uma farsa”.

“Precisamos tecer redes de apoio”, diz Álvarez. “A luta é pela liberdade e justiça na Nicarágua e precisamos que todas as mulheres do mundo levantem suas vozes conosco”.

We’ve got a newsletter for everyone

Whatever you’re interested in, there’s a free openDemocracy newsletter for you.

Get 50.50 emails Gender and social justice, in your inbox. Sign up to receive openDemocracy 50.50's monthly email newsletter.

Comentários

Aceitamos comentários, por favor consulte ás orientações para comentários de openDemocracy
Audio available Bookmark Check Language Close Comments Download Facebook Link Email Newsletter Newsletter Play Print Share Twitter Youtube Search Instagram WhatsApp yourData