
Otto Pérez Molina. Flickr, alguns direitos reservados.
Retirar a imunidade parlamentar e prender o Presidente Otto Pérez Molina, cujo governo foi promovido e financiado por empresas e os militares, que também "tomou posse" sobre os seus ministérios, é uma tentativa de "resgatar", através do seu "sacrifício", os "barrabases" do Guatemala. Os "barrabases" (de Barrabás, que de de acordo com a Paixão de Cristo foi libertado por Pôncio Pilatos na festa da Páscoa em Jerusalém, em vez de Jesus) que, no Guatemala, foram roubando e saqueando o estado e a riqueza durante quase dois séculos.
Agora que os criminosos corruptos e os cabecilhas foram identificadas e detidos ou presos, irão os heróis da anticorrupção revelar os nomes dos autores das fraudes empresariais que lideram ditas redes criminosas?
Nas praças das cidades, irão os cidadãos, estudantes, e a sociedade civil continuar a exigir a punição dos empresários que subornaram um governo corrupto?
Continuaram os ricos a usar os seus meios de comunicação para a mobilização contra a corrupção dos empresários e dos militares de alta patente?
Como é visto o Guatemala, com o seu chefe de estado preso e humilhado, pela comunidade internacional?
Foi realmente impressionante como os principais culpados, ao longo dos últimos 4 meses de revolta urbana, se misturaram com a multidão de manifestantes exigindo a demissão e punição de seu governo fantoche que tinha desviado fundos do tesouro. Não só acabaram por orientar e planear as manifestações, mas também conseguiram com sucesso afastar quaisquer suspeitas que pudessem recair sobre eles.
Os "barrabases" saíram às ruas, imitando o estado emocional dos manifestantes que, aos milhares, foram gritando tão alto quanto podiam: Crucifica-o! Crucifica-o! Não há dúvida de que os meios de comunicação de massa podem transformar os criminosos em heróis.
Não há necessidade de reinventar o Estado
Os 132 membros do Congresso votaram unanimemente para "desaforar" o Presidente Otto Pérez a 1 de setembro, pese a recursar-se a fazê-lo apenas três semanas antes. Que tipo de interesses "sublimes” definem essa “ilustre” decisão que incendiou tão eufórica celebração na maioria das cidades de todo o país?
"O humilhado Congresso da República está funcionando, e não há nenhuma razão para lançar um voto nulo ou estar ausente das próximas eleições", parece ser a mensagem principal implantada nas mentes dos cidadãos guatemaltecos que, até o primeiro dia de de setembro, estavam determinados a invalidar os seus votos a fim de punir o ineficaz e corrupto congresso. Isto salva as eleições gerais de 6 de setembro!
Não só as eleições foram salvas, mas também os importantes investimentos realizados pelos empresários para financiar as campanhas dos seus “candidatos/peões”. Noutras palavras, na pendência de um run-off das eleições que terá lugar a 25 de outubro e a formação de um novo governo, o “banquete democrático “facilitará” o financiamento das empresas, agora através de um rearranjo das redes criminosas.
Se as eleições, o processo eleitoral e os investimentos estão salvos, em seguida, o corrupto sistema político que transformou o Estado numa polícia abusiva e invasiva do investimento privado (nacional e estrangeira) está a salvo também. O neoliberalismo “bacanal” das corporações está aqui para ficar.
Prendendo a ex-Vice-presidente Roxana Baldetti e depondo o presidente Otto Pérez (que vai ser lavado a tribunal), os “donos” do Guatemala (CACIF-Associação líder de empresários e a Embaixada dos EUA) implantaram outra ideia chave na mente do povo: "o sistema judicial funciona e produz justiça. Não há nenhuma razão em continuar com os protestos."
E se o sistema judicial funciona, então, "as leis e a Constituição servem a sua finalidade e são eficazes”. Então, por que razão deveríamos pensar em constituir uma Assembleia Constituinte para alterar o sistema legal do país? É inútil pensar em eleger juízes por voto popular." Essa é a mensagem adicional.
Vencemos. Vamos todos para casa.
Um dos maiores lucros deste teatro entre as elites, não foi só o deter convertido em heróis os criminosos (empresários e militares corruptos), senão o desmobilizar ou controlar a impetuosa cidadania de indignados mobilizados que, como magma vulcânico, ameaçava com ajustiçar os corruptos por toda a parte.
Após a quase orgásmica festa “destituyente”, onde se desfizeram a “pauladas” as “piñatas” (Roxana e Otto, e se mimetizaram os principais criminosos), ao que parece a cidadania saboreou instantes de resolução/satisfação, sem maior preocupação.
Mas os criminosos continuarão controlando e gerindo todas “as linhas”, incluindo o fracassado Estado, agora, evidentemente convertido numa estrutura idónea para os seus negócios.
Desta maneira, com esta possível desmobilização cidadã, e a “normalização” das eleições gerais para relegitimar o moralmente incorreto, os padrões do Guatemala estariam a evitar o bolivianazo ou o ecuatorianazo democráticos que sacudiram aos colegas abusivos (ricos neoliberais) naqueles países (Bolivia e Ecuador) faz já 10 anos.
Será que as e os que festejaram “o triunfo democrático contra a corrupção” são tão ingénuos perante este teatro? Será que, com a "desinmunizacão" destes dois cabeçilhas criminosos, este país é absolvido dos seus pecados originais que o atam ao seu nefasto destino?
Será que as comunidades indígenas e camponesas organizadas em resistência renunciarão à sua agenda re-fundacional do país através do processo constituinte popular plurinacional?
Este artigo foi publicado pela primeira vez na Línea de Fuego.
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