democraciaAbierta

O Guatemala no limbo

O impeachment e a detenção do Presidente Otto Pérez Molina são um astuto conjunto de movimentos das elites do Guatemala para salvar os chefes criminosos que atualmente lideram o país. Español. English.

Ollantay Itzamná
28 Setembro 2015
8470913426_be59ee87bb_z.jpg

Otto Pérez Molina. Flickr, alguns direitos reservados.

Retirar a imunidade parlamentar e prender o Presidente Otto Pérez Molina, cujo governo foi promovido e financiado por empresas e os militares, que também "tomou posse" sobre os seus ministérios, é uma tentativa de "resgatar", através do seu "sacrifício", os "barrabases" do Guatemala. Os "barrabases" (de Barrabás, que de de acordo com a Paixão de Cristo foi libertado por Pôncio Pilatos na festa da Páscoa em Jerusalém, em vez de Jesus) que, no Guatemala, foram roubando e saqueando o estado e a riqueza durante quase dois séculos.

Agora que os criminosos corruptos e os cabecilhas foram identificadas e detidos ou presos, irão os heróis da anticorrupção revelar os nomes dos autores das fraudes empresariais que lideram ditas redes criminosas?

Nas praças das cidades, irão os cidadãos, estudantes, e a sociedade civil continuar a exigir a punição dos empresários que subornaram um governo corrupto?

Continuaram os ricos a usar os seus meios de comunicação para a mobilização contra a corrupção dos empresários e dos militares de alta patente?

Como é visto o Guatemala, com o seu chefe de estado preso e humilhado, pela comunidade internacional?

Foi realmente impressionante como os principais culpados, ao longo dos últimos 4 meses de revolta urbana, se misturaram com a multidão de manifestantes exigindo a demissão e punição de seu governo fantoche que tinha desviado fundos do tesouro. Não só acabaram por orientar e planear as manifestações, mas também conseguiram com sucesso afastar quaisquer suspeitas que pudessem recair sobre eles.

Os "barrabases" saíram às ruas, imitando o estado emocional dos manifestantes que, aos milhares, foram gritando tão alto quanto podiam: Crucifica-o! Crucifica-o! Não há dúvida de que os meios de comunicação de massa podem transformar os criminosos em heróis.

Não há necessidade de reinventar o Estado

Os 132 membros do Congresso votaram unanimemente para "desaforar" o Presidente Otto Pérez a 1 de setembro, pese a recursar-se a fazê-lo apenas três semanas antes. Que tipo de interesses "sublimes” definem essa “ilustre” decisão que incendiou tão eufórica celebração na maioria das cidades de todo o país?

"O humilhado Congresso da República está funcionando, e não há nenhuma razão para lançar um voto nulo ou estar ausente das próximas eleições", parece ser a mensagem principal implantada nas mentes dos cidadãos guatemaltecos que, até o primeiro dia de de setembro, estavam determinados a invalidar os seus votos a fim de punir o ineficaz e corrupto congresso. Isto salva as eleições gerais de 6 de setembro!

Não só as eleições foram salvas, mas também os importantes investimentos realizados pelos empresários para financiar as campanhas dos seus “candidatos/peões”. Noutras palavras, na pendência de um run-off das eleições que terá lugar a 25 de outubro e a formação de um novo governo, o “banquete democrático “facilitará” o financiamento das empresas, agora através de um rearranjo das redes criminosas.

Se as eleições, o processo eleitoral e os investimentos estão salvos, em seguida, o corrupto sistema político que transformou o Estado numa polícia abusiva e invasiva do investimento privado (nacional e estrangeira) está a salvo também. O neoliberalismo “bacanal” das corporações está aqui para ficar.

Prendendo a ex-Vice-presidente Roxana Baldetti e depondo o presidente Otto Pérez (que vai ser lavado a tribunal), os “donos” do Guatemala (CACIF-Associação líder de empresários e a Embaixada dos EUA) implantaram outra ideia chave na mente do povo: "o sistema judicial funciona e produz justiça. Não há nenhuma razão em continuar com os protestos."

E se o sistema judicial funciona, então, "as leis e a Constituição servem a sua finalidade e são eficazes”. Então, por que razão deveríamos pensar em constituir uma Assembleia Constituinte para alterar o sistema legal do país? É inútil pensar em eleger juízes por voto popular." Essa é a mensagem adicional.

Vencemos. Vamos todos para casa.

Um dos maiores lucros deste teatro entre as elites, não foi só o  deter convertido em heróis os criminosos (empresários e militares corruptos), senão o desmobilizar ou controlar a impetuosa cidadania de indignados mobilizados que, como magma vulcânico, ameaçava com ajustiçar os corruptos por toda a parte.

Após a quase orgásmica festa “destituyente”, onde se desfizeram a “pauladas” as “piñatas” (Roxana e Otto, e se mimetizaram os principais criminosos), ao que parece a cidadania saboreou instantes de resolução/satisfação, sem maior preocupação.

Mas os criminosos continuarão controlando e gerindo todas “as linhas”, incluindo o fracassado Estado, agora, evidentemente convertido numa estrutura idónea para os seus negócios.

Desta maneira, com esta possível desmobilização cidadã, e a “normalização” das eleições gerais para relegitimar o moralmente incorreto, os padrões do Guatemala estariam a evitar o bolivianazo ou o ecuatorianazo democráticos que sacudiram aos colegas abusivos (ricos neoliberais) naqueles países (Bolivia e Ecuador) faz já 10 anos.

Será que as e os que festejaram “o triunfo democrático contra a corrupção” são tão ingénuos perante este teatro? Será que, com a "desinmunizacão" destes dois cabeçilhas criminosos, este país é absolvido dos seus pecados originais que o atam ao seu nefasto destino?

Será que as comunidades indígenas e camponesas organizadas em resistência renunciarão à sua agenda re-fundacional do país através do processo constituinte popular plurinacional?

Este artigo foi publicado pela primeira vez na Línea de Fuego.

Assine nossa newsletter Acesse análises de qualidade sobre democracia, direitos humanos e inovação política na América Latina através do nosso boletim semanal Inscreva-me na newsletter

Comentários

Aceitamos comentários, por favor consulte ás orientações para comentários de openDemocracy
Audio available Bookmark Check Language Close Comments Download Facebook Link Email Newsletter Newsletter Play Print Share Twitter Youtube Search Instagram WhatsApp yourData