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Francesc Badia: Obrigado Raquel, por receber a DemocraciaAberta. A minha primeira pregunta é: como te tornaste numa líder a nível internacional? Começaste como ativista local e converteste-te rapidamente numa líder global. Como aconteceu?
Raquel Rosenberg: Comecei no Rio+20, uma cimeira sobre o desenvolvimento que teve lugar no Rio de Janeiro em 2012. Fui com uns amigos, e do primeiro que me dei conta foi de que existe um espaço para os jovens nas cimeiras das Nações Unidas, mas que este espaço estava totalmente ocupado pelos jovens do Norte – dos países desenvolvidos. Quando ouvi as suas posições em nome dos jovens do mundo…bem, ficou claro que não tinham nenhuma ideia das coisas às que nós nos enfrentamos no Sul e dos desafios com que nos deparamos como latino-americanos ou brasileiros. Pelo que decidir que a nossa voz tinha de ser ouvida neste espaço. Depois de Rio+20, começámos a criar o que acabaria por converter-se na Engajamundo, a minha ONG no Brasil. A nossa ideia é mobilizar e implicar os jovens no ativismo e na defesa de causas globais – como a mudança climática, a igualdade de género, o desenvolvimento sustentável e o habitat. O que fazemos é capacitar os jovens e assistir às cimeiras da ONU defendendo posições fortes. Ao voltar das cimeiras, analisamos como fazer chegar as questões globais ao nosso terreno específico, assegurando que os jovens compreendem que a sua responsabilidade é ser parte da solução. Não só vitimas, que é o quem tem vindo a acontecer no passado.
Para mim, Rio+20 foi um choque. Pensava que estar presente era suficiente, mas dei-me conta que temos que preparar-nos adequadamente para que a participação seja eficaz. Começámos a organizar grupos de estudo na universidade. No princípio, pedimos a alguns especialistas que nos ajudassem. Depois de assistir à nossa primeira cimeira – a Cimeira sobre a Mudança Climática das Nações Unidades (COP19) em Varsóvia, em novembro de 2013 – voltámos a casa e demo-nos conta que o nosso papel tinha que ser mostrar aos jovens como implicar-se e como mudar o seu comportamento individual e coletivo, nos seus centros educativos e comunidades, tendo como objetivo ser parte da solução. Este foi o ponto de inflexão.
Enquanto capacitávamos jovens no Brasil, dei-me conta que não se pode falar em nome de outras pessoas, das causas que são suas. Por exemplo, se um grupo se enfrenta a um desafio no Amazonas, é preciso que assistam à conferência e exponham ao que se enfrentam. Eu não posso falar em nome deles. Isto é o que fazem muitas pessoas hoje em dia: falar em nome dos outros. Mas não se pode nem se deve. Eu só posso falar em meu nome. Esta foi a minha razão principal para criar a Engajamundo. Temos agora mais de 700 membros em 16 estados no Brasil. O nosso objetivo principal é ajudá-los a dominar as ferramentas necessárias para que possam pôr sobre a mesa as suas causas a nível local, nacional e internacional.
As crises e desafios aos que se enfrentam as pessoas no nordeste do Brasil são totalmente diferentes aos desafios que nos enfrentamos em São Paulo. Não posso usar os mesmos argumentos para fazer lobby e exercer pressão sobre o governo local de São Paulo que aqueles que uso em Manaus, no Amazonas, onde se ocupam de questões de deflorestação. São causas completamente diferentes das que defendemos nas grandes cidades. Isto é o essencial. Nós representamos as pessoas na nossa capacidade de líderes ou representantes, mas o importante é que impliquemos as pessoas no processo e nos asseguremos que saibam qual é o seu papel e como podem ser parte ativa da solução.
FB: A participação e a mobilização evoluíram nos últimos anos – especialmente através do impacto das novas tecnologias e em particular entre os jovens. No Brasil, concretamente, assistimos a enormes mobilizações em 2013, e de novo em 2015-2016. Houve também certa fragmentação: muitos movimentos centram-se especificamente numa só questão. Mas vocês estão ainda a completar o puzzle…
RR: Por isso focamo-nos nos jovens. É muito más fácil trabalhar com jovens. Desde a minha perspectiva, os desafios aos que nos enfrentamos hoje são totalmente diferentes daqueles aos que se enfrentavam os nossos pais e avôs. Hoje, temos que estar unidos perante questões como a mudança climática. Não podemos estar a discutir entre nós pela simples razão de que se trata duma crise demasiado grande. Causas como estas são as que realmente podem unir as pessoas. A realidade é que, infelizmente, a mentalidade dos nossos país ainda permanece vigente. O sistema político no Brasil é o que se instalou depois da ditadura. Se este sistema sofre do mesmo tipo de mentalidade, como podemos fazer frente a uma nova mentalidade sustida na unidade? Parece-me que estamos prestes a mudar isto. Existe entre os jovens a vontade de fazê-lo. Tem a energia necessária e são conscientes dos muitos problemas que temos, por exemplo na área da educação e da saúde. Precisamos de encontrar um ponto intermédio que nos permita unir-nos em vez desta divisão política instalada no Brasil há anos e que continua vigente.
FB: Lidas com um sistema das Nações Unidas que pertence a outra época – um sistema que se caracteriza pelas suas posições vacilantes, negociações intermináveis e procedimentos complexos. Como lidas com a frustração que pode surgir cada vez que estás perante algum representante deste sistema?
RR: Sim, sabemos que a ONU trabalha em camara lenta, mas não nos sentimos frustrados. É impossível que os governos e as companhias levem a cabo tudo o que deveriam fazer. Por isso centramo-nos muito mais em mobilizar e mudar as atitudes dos jovens através da ajuda às suas comunidades, centros educativos, etc. Parece-me que se cada um fizer algo acerca de questões tais como a mudança climática, então não vamos precisar que o façam as companhias e os governos. Já sei que isto está longe de ser verdade hoje em dia, mas é o caminho mais curto. Utilizamos as conferências para trocar ideias, experiencias, conhecimentos e reflexões sobre como podemos promover estas mudanças. Tenho a sensação que se pode extrair muito mais destas conferências que simplesmente tentar pressionar os governos.
No Brasil é muito difícil avançar em determinadas questões porque o nosso Ministério de Assuntos Exteriores é muito autónomo em relação ao governo, tem excelentes negociadores que mandam excelentes propostas à ONU. Uma vez propuseram que a sociedade civil deveria ser consultada sobre como implementar a Contribuição Prevista e Determinada a nível Nacional (INDC) – quer dizer, o objetivo de redução de emissões decididos por cada país. Isto é algo que deveríamos propor nós como sociedade civil e o Brasil propô-lo oficialmente a nível internacional.
Mas quando desces ao nível governamental, as coisas são muito diferentes. É como se estivéssemos noutro país. Deparamo-nos com uma posição que é justamente a contraria do que o brasil propõe na ONU: o governo desce os impostos sobre os carros, extrai petróleo as costas, constrói centrais elétrica no Amazonas. Noutras palavras, o que o Brasil põe sobre a mesa na ONU não é o que faz em casa. Como lidar com isto? Fazendo com que os jovens pressionem as empresas e o governo e os force a fazer o que devem e a cumprir os seus compromissos internacionais!
FB: Bem, uma maneira de fazer isso é concentrando ações a nível urbano. Que pensa a tua organização sobre isto?
RR: A municipalização é a melhor via, pensamos, para questões como a mudança climática e outras relativas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nós apresentamos questões globais como estas às pessoas, a nível local, para ver o que tem sentido para as mesmas e para a sua luta. Por exemplo, em Fortaleza, no noroeste do país, um grupo está a lutar contra uma central térmica que está operativa nestes momentos devido aos problemas de agua no Brasil, o que forçou a fechar a planta hidroelétrica e a alimenta-la com carvão. A luta local centra-se nesta central térmica. Em Florianópolis, no Sul, os problemas são diferentes: um furação atingiu a zona, algo que não acontecia com frequência na América do Sul. Agora estão a focar-se em como adaptar-se a este novo cenário e em preparar as comunidades locais para este tipo de desastres naturais. Esta é a nossa missão a nível local: dar aos jovens as ferramentas de sensibilização que precisam para fazer frente aos problemas aos que se enfrentam no terreno e chamar a atenção dos seus governos locais.
No ano passado, processo COP que se levou a cabo antes da Cimeira de Paris, foi uma experiência positiva em termos de sensibilização. Antes que o Brasil apresentasse o seu INCD, organizámos um evento com vários especialistas da sociedade civil, cientistas y representantes governamentais. Reunimo-nos com eles e discutimos qual seria o objetivo idôneo para o Brasil. Conseguimos chegar a um número para região e então enviámos um grupo de dez jovens de diferentes regiões do país a Brasília. Fizemos o que chamamos uma “volta de sensibilização”: tínhamos identificado pontos específicos para cada sector de atividade – agricultura, mineração, energia, meio-ambiente –, e fomos ver cada ministro responsável e falámos pessoalmente com eles para expor-lhes o nosso objetivo e as possíveis vias de ação. Escutaram-nos e quando finalmente apresentaram o INDC do Brasil à Assembleia Geral da ONU, um dos negociadores mandou-me uma mensagem de WhatsApp dizendo: “que te parece o nosso INDC? ” Isto demonstra-me, de alguma forma, que conseguimos ter algum impacto no processo.
FB: A questão meio-ambiental é politicamente transversal no Brasil? Se mudasse o governo, ralentar-se-ia o processo?
RR: Sim, sempre depende do governo – especialmente no que se refere às questões meio-ambientais. Entre 2003 e 2008 tivemos o melhor ministro do meio-ambiente. Mas as coisas mudaram para pior e voltou a aumentar o nível de deflorestação.
FB: Produziu-se esse grande desastre na barragem da mina de ferro de Bento Rodrigues, no subdistrito de Mariana. A barragem rompeu-se e o rio foi contaminado...
RR: Sim, foi o maior desastre ecológico da historia o Brasil. Milhões de pessoas foram deslocadas, algumas perderam a vida. Por não falar do enorme impacto que supôs para os rios e para a biodiversidade de todo o país. Foi um crime contra a humanidade.
FB: Pensas que isto supôs um ponto de inflexão na relação do governo com as empresas que contaminam zonas enormes? Ou pensas que o governo se esquecerá disto e atuará como de costume?
RR: Gostava de poder responder que sim à primeira pregunta. Mas não. Estão a tentar ocultar a realidade. Os meios de comunicação estabelecidos quase não mencionaram o desastre em Mariana, que está agora a afetar todo o país. Estão a tentar escondê-lo e as empresas continuam detrás de tudo o que faz o governo. Especialmente as grandes empresas – como a Vale/Samarco, responsável do desastre em Mariana, e também a Petrobras, a empresa estatal de petróleo. Estas duas estão detrás de tudo, assim como a agroindústria. É uma situação difícil para o Brasil, porque o dinheiro que ganham e a política se misturam. A maiorias dos grandes agricultores (ou ruralistas, como lhes chamamos) estão presentes no Congresso – um deles é o atual Ministro de Agricultura. Detêm o poder económico e político. Ou seja, esta é uma luta de grande envergadura para nós. Mas levamos a cabo muitas ações e houve muitas respostas por parte da sociedade civil. Organizámos uma grande manifestação pelo clima em novembro, dando a conhecer a tragédia que aconteceu em Mariana. Houve muita participação. Continuaremos a lutar, obviamente.
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