Em novembro de 2021, a Polícia Federal (PF) havia recebido uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) sobre a invasão de mais de 300 balsas na região de Rosarinho, o que teria levado ao local, em duas semanas, cerca de 1,8 mil garimpeiros para o município.
A PF informou que foram destruídas 165 balsas em duas operações (Uiara I e Uiara II) no rio Madeira, no estado do Amazonas, no ano passado. Os garimpeiros afundaram ou esconderam balsas nos lagos encobertos por vegetação para escapar da ação nas regiões de Autazes, Nova Olinda do Norte e Borba.
Na ocasião, um laudo da PF detectou elevados índices de contaminação por mercúrio na água, no leito do rio, na vegetação e nas pessoas que habitam as margens do Rio Madeira. O órgão federal informou que as ações de combate aos garimpos continuariam em 2022 no Amazonas.
Uma das maiores autoridades nos estudos sobre impactos ambientais no meio ambiente, o pesquisador Philips Martin Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), disse que a impunidade dos garimpeiros, que atualmente estão voltando a ocupar o rio Madeira, tem impactos muito além do local das balsas. “Isto envia uma mensagem encorajando aqueles que estão cometendo crimes ambientais em toda a Amazônia, inclusive invadindo terras indígenas e unidades de conservação. Além do crime organizado, que a Polícia Federal indicou como fonte chave no investimento na grande invasão do rio Madeira no ano passado, o retorno das balsas induz moradores comuns na região a investirem seus recursos modestos neste tipo de atividade”, afirma.
Nova frente destrutiva
No sobrevoo, também foi possível localizar desmatamentos ilegais próximo às Terras Indígenas (TIs) Gavião, Sissaíma e Ponciano, territórios do povo Mura, todas entre Autazes e Nova Olinda do Norte, municípios que estão dentro da área da Região Metropolitana de Manaus. As imagens impressionam, pois são frentes de exploração recentes.
Antes de iniciar o sobrevoo, a reportagem identificou pelas imagens de satélite no portal Terra Brasilis, do Inpe, pontos de desmatamento recente no caminho entre Careiro da Várzea até a comunidade de Rosarinho. Também foram georreferenciados pontos de queimada, mas que no sobrevoo não foram localizados.
Em certos trechos, as toras de madeiras ainda estão amontoadas no chão, evidenciando um corte recente. Elas ocupam extensas áreas, equivalentes a cerca de 30 ou 40 campos de futebol. Alguns dos cortes foram em pequenas ilhas circundadas por igarapés. Não muito distante, podem ser vistas áreas com mata já suprimida, com a recomposição da vegetação rasteira, como as pastagens, porém sem árvores. Foram vistas dezenas de clareiras no sobrevoo feito pela reportagem.
O povo Mura também vem sendo ameaçado também pelo projeto da mineradora Potássio do Brasil, em Autazes. Em maio, a Justiça Federal do Amazonas determinou a anulação da compra de terrenos dos indígenas pela empresa.
A TI Gavião tem 9 mil hectares e foi homologada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1991. Tem uma população de 115 indígenas Mura. Já a TIs Ponciano e Sissaíma dependem da demarcação da Funai. Elas foram declaradas territórios indígenas entre os anos de 2015 e 2016, respectivamente. A TI Ponciano tem uma população de 225 pessoas e uma área de 4 mil hectares. Na Sissaíma vivem 296 indígenas e tem 9 mil hectares. Os dados são do Instituto Socioambiental (ISA).
Essas três terras indígenas sofrem invasões de madeireiros e grileiros desde 2020. Na ocasião, o MPF investigou a venda de lotes no território e a PF apreendeu madeira ilegal.
“O que vemos acontecer atualmente na bacia do Rio Madeira é a consolidação de um cenário de degradação extrema. Há um crescimento vertiginoso do desmatamento e queimadas na região e soma-se a isso um aumento também preocupante da atividade garimpeira nos leitos e margens de rios e igarapés”, afirma Carlos Durigan, diretor da WCS Brasil (Associação Conservação da Vida Silvestre).
O ambientalista lembra que essas duas frentes juntas criam cenário de insegurança, conflitos sociais, perda do patrimônio natural e contaminação por mercúrio de rios e biodiversidade associada. “Pior ainda é saber que tudo isso acontece em grande parte em terras públicas, sejam elas Unidades de Conservação e Terras Indígenas, ou ainda terras públicas ainda não destinadas e mesmo áreas de preservação permanente, como é o caso de leitos de rios e suas margens. Este cenário de crimes generalizados e sem controle afeta ainda a vida dos povos indígenas e demais comunidades locais que têm seus territórios invadidos ilegalmente e ainda sofrem pressão de criminosos que chegam a aliciar muita gente para práticas ilegais”, concluiu Durigan.
Campeão do desmatamento
Os dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgados no mês de junho, apontam que nos cinco primeiros meses de 2022, a Amazônia perdeu mais de 2 mil campos de futebol por dia de mata nativa, a maior devastação dos últimos 15 anos para o período. “Foram derrubados 3.360 km² em apenas 151 dias, de janeiro a maio, uma área três vezes maior do que Belém”, diz o SAD.
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