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Resposta aos profetas do “fim de ciclo” latino-americano

Os êxitos históricos dos governos progressistas são inegáveis segundo Atílio Borón e Álvaro Garcia Linera, dois dos intelectuais mais lúcidos implicados nos processos políticos da região. Español. English.

Silvia Arana
20 Outubro 2015
Evo Morales and Alvaro Join Solstice event in 2013.jpg

O Vicepresidente da Bolivia, Alvaro García Linares com o Presidente Evo Morales (ambos na izquierda) junto ao Vicepresidente do Nicaragua, Moses Hallesleves e ao Ministtro de Comunicaçao da Venezuela, Ernesto Villegas, nun evento em 2013.

Nos dias 29 e 30 de setembro teve lugar em Quito, o Encontro Latino-Americano Progressista (ELAP, 2015). Sob um ardente sol equatorial e a 2800 metros de altura, rodeados de vulcões-um deles o Cotopaxi, ativo desde já alguns meses- os debates desenvolveram-se numa atmosfera serena e afável. Entre os líderes, funcionários e académicos presentes gostava de ressaltar duas das apresentações (as de Atílio Borón e de Garcia Linera) pela forma direta na qual falaram sobre um tema que se pôs de moda ultimamente: o suposto “fim de ciclo” dos governos progressistas da América Latina. Que este tema fosse o ponto de partida das apresentações de dois dos mais lúcidos intelectuais na área dos processos progressistas da região, sublinha a importância do tema hoje em dia.

Atílio Borón sublinhou que os presságios de fim de ciclo são planteados desde uma “posição de saber” (analistas que supostamente sabem o que é o socialismo). Estes autoproclamados especialistas fizeram-lhe recordar as palavras de Fidel: “entre os muitos erros que cometemos, o mais importante foi acreditar que alguém sabia alguma coisa sobre o socialismo, ou como se constrói o socialismo”. Citou também Salvador Allende, que perante as críticas avisou que o processo chileno era uma transição em direção ao socialismo. Das reflexões de ambos líderes, Borón conclui que os prognosticadores do “fim de ciclo” cometem um erro garrafal ao acusar os governos progressistas de modernização capitalista”. Assinalou que modernização capitalistas é o que faz Rajoy em Espanha, Cameron na Inglaterra ou a Troika na Grécia.

Na América Latina os governos progressistas diminuíram a pobreza e a desigualdade social. O capitalismo não se reformou através de reformas sociais como as realizadas pelos governos progressistas, mas sim reduzindo o estado, reduzindo o gasto público e privatizando. Recordou que existe uma crise económica profunda, classificada por alguns economistas como “ a pior crise da história”, que é uma crise financeira, ambiental, energética, hídrica, que também afeta a região Latino-Americana. Avisou que “não se pode subestimar os avanços na consciência política da América Latina” representados na mobilização dos povos originários, dos jovens, das mulheres. Remarcou que esta mudança de consciência, não pode ser comparada com o que sucedia nos anos 90; é impressionante e não poder ser nem subestimado nem negado. Alertou também de que há autores que atacam os governos progressistas, que pese a ter cometido alguns erros, como desvios em direção ao “tecnocratismo”, burocracia, falta de planificação ou erros políticos, também tiveram muitos acertos históricos como a nacionalização de grandes empresas de recursos naturais, legislação em matéria social e uma política exterior de defesa da soberania nacional. Acrescentou, que ouve mudanças positivas que são irreversíveis e que se as eleições forem ganhas por governos que pretendam restaurar o neoliberalismo, estes deverão enfrentar-se a um povo mais consciente dos seus direitos.

García Linera iniciou a sua apresentação dizendo que se fizermos um balanço dos últimos 15 anos de transformações, destacariam tanto as vitórias dos governos progressistas como também as dificuldades e complexidades, próprias de países em transição. A sua resposta aos agoireiros do fim de ciclo é que estão enganados, que os governos progressistas no estão a chegar ao seu fim, muito pelo contrário: têm um futuro pela frente, como povos em luta que vão transformando as suas sociedades e elevando o seu nível de consciência.

Ambos se referiram ás críticas ao “modelo extrativista”. Borón disse que é uma “irresponsabilidade gigantesca” exigir aos governos progressistas que não toquem os recursos naturais. Preguntou-se de que outra forma se pode alimentar as populações de países com um grande crescimento demográfico, por exemplo o Equador ou a Bolívia. García Linera referiu-se à “tensão entre a geração do bem-estar económico e a proteção da mãe terra”. Explicou que o extrativismo na Bolívia tem quase 450 anos, desde a exploração mineira de Potosí (iniciada em 1570). Acrescentou que junto a essa herança há que sublinhar a pobreza da região, uma das mais desiguais do planeta. Estes dois componentes, a condição extrativista e a pobreza extrema, não nos deixam outra saída que produzir para reduzir a pobreza, mas fazê-lo com respeitos pelos povos originários e tendo em conta a sabedoria indígena de dialogar com a Natureza: “não se pode matar a Natureza, porque supõe matar-nos a nós mesmos”. Assinalou, de acordo com as palavras de Fidel: “ Se só nos dedicarmos a produzir então abandonámos o futuro; só haverá futuro ecológico…”

Voltando aos críticos, distingue dois tipos de ambientalistas: os ambientalistas revolucionários e os ambientalistas coloniais, que pedem aos países do Sul que congelem as suas condições de vida (colonial), ao mesmo tempo que os países do Norte persistem na sua “orgia consumista”. Em muitos casos estas organizações são generosamente financiadas desde esses mesmos países centrais (Estados Unidos y Europa). Assegurou que o governo da Bolívia não cairá na armadilha de acabar em poucos anos com o extrativismo que leva já 450 anos porque é preciso uma ponte, um período de transição para poder satisfazer as necessidades das pessoas enquanto se vai criando uma nova sociedade de conhecimento e de cultura. Referiu-se à necessidade de abandonar o extrativismo sem congelar a produção nem regressar à idade da pedra, mas sim usar o extrativismo de forma temporal para criar as condições que permitam dar o salto para uma economia do conhecimento.

García Linera fustigou “essa esquerda a fingir, perfumada e bem arranjada, que se sente incomodada perante o estremecer da batalha, mas que apesar disso denuncia os governos progressistas por não ter instaurado imediatamente e via decreto o bem viver”. Concluiu que estes “radicais de palavra e timoratos de espirito” que se posicionam como “profetas do fracasso dos governos progressistas” são, na realidade, “medíocres fariseus da ofensiva reacionária”, uma vez que ao ser incapazes de mobilizar as massas, tão só servem como colaboradores da restauração neoliberal.

Ambas apresentações foram dadas em salas cheias. Em ambos casos, o entusiasmo do público alcançou o êxtase quando os apresentadores se referiram à necessidade de corrigir as tendências burocráticas e ampliar a participação do povo ou quando fustigaram os “profetas do fim de ciclo dos governos progressistas”.

O debate permanece aberto…Esperemos que deste debate surjam novas propostas transformadores que englobem as visões dos trabalhadores, dos movimentos sociais-povos originários, defensores do meio-ambiente, mulheres-e de todos os sectores que perseguem uma sociedade mais justa e participativa em cada pais da “Pátria Grande” que continue na luta pela soberania nacional e contra a ingerência imperialista.

Este artigo publicou-se previamente na Rebelión.

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