democraciaAbierta: Opinion

Retrocesso democrático no México: para o bem ou para o mal?

A deterioração institucional no México é um passo atrás necessário para a implementação de uma democracia mais autêntica?

Alejandro García Magos
11 Maio 2021, 12.01
Coyoacán, Cidade do México
|
Juan Carlos Enríquez

O México vive hoje um retrocesso democrático sob o governo do presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO). Isso é certo. O que é menos certo é se este é o início da implementação de uma democracia mais autêntica, ou se estamos caminhando para um novo regime autoritário. Hoje, os sinais do governo sugerem que o segundo cenário é mais provável. Nos últimos meses, AMLO parece estar mais interessado em colocar as instituições democráticas sob seu controle do que em reformá-las para torná-las mais autônomas e eficientes.

Comecemos com o óbvio: os sinais de regressão democrática no México estão em toda parte. Vou focar em duas.

O primeiro são os constantes ataques de AMLO e de seu partido, o Movimento pela Regeneração Nacional (MORENA), ao Instituto Nacional Eleitoral (INE) e, mais recentemente, ao Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário Federal (TEPJF). Em 28 de Abril, o presidente declarou que o “TEPJF e o INE foram criados para que não haja democracia”. É surpreendente ouvir um líder eleito falar desta maneira, especialmente um que se aproveitou ao máximo das liberdades e oportunidades trazidas pela transição democrática (1977-1996).

O motivo do seu descontentamento foi a ordem do INE, apoiada pelo tribunal, de negar as candidaturas dos candidatos do MORENA ao governo dos estados de Guerrero e Michoacán. Os candidatos inicialmente nomeados não apresentaram suas despesas de pré-campanha ao INE, conforme exigido. Consequentemente, o instituto impôs a punição indicada por lei: o cancelamento de suas candidaturas. AMLO ficou furioso: “Vocês acreditam que os conselheiros do INE ou os magistrados do tribunal são democratas? Eu digo: não, pelo contrário, eles conspiram contra a democracia”.

Sua antipatia pelos conselheiros e magistrados não é nova – vem desde suas derrotas nas eleições de 2006 e 2012, que ele nunca aceitou sob alegações infundadas de fraude eleitoral. O destino do INE parece haver sido traçado. Seja qual for o resultado das eleições de meio de mandato, em junho de 2021, o MORENA certamente afirmará ter sido vítima de fraude. Será o primeiro passo para promover mudanças legais no instituto e, assim, desmantelá-lo para as eleições presidenciais de 2024.

O segundo sinal de retrocesso democrático é o que está ocorrendo na Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN), que gradativamente está sendo colonizada pelo Poder Executivo. Tudo começou com a destituição do ministro Eduardo Medina Mora em 2019, que renunciou ao cargo aparentemente motivado por uma investigação sobre seus bens pelas autoridades federais. Medina Mora afastou-se silenciosamente e cedeu lugar à atual ministra Margarita Ríos Farjat, indicada por AMLO ao Senado (controlado pelo MORENA).

Ainda mais preocupante é a tentativa atual do MORENA de aumentar o mandato do presidente da corte, o ministro Arturo Zaldívar, de quatro para seis anos. Apesar de o artigo 97 da Constituição afirmar que “A cada quatro anos, o Plenário elegerá o Presidente da SCJN entre seus membros”, a bancada do partido no poder aprovou, em 23 de abril , a chamada “Lei Zaldívar” que estende o mandato do ministro-presidente para seis anos. A ação inconstitucional conta com a bênção de AMLO, que "conta" com o ministro Zaldívar para realizar sua reforma judicial. Em uma reviravolta estranha, o presidente dá tratamento subordinado a quem, em teoria, é o líder de um poder independente.

Um retrocesso democrático pode fazer parte de um processo de destruição criativa. Será esse o caso?

Tudo isso se dá enquanto o governo avança na criação de uma estrutura clientelista que concede transferências de dinheiro, sem regras claras, mas visando aumentar a popularidade do presidente. É o caso de programas sociais como Jovens Construindo o Futuro, Semeando Vida, Programa de Bem-Estar de Idosos e os chamados Empréstimos do Bem-Estar (Tandas bel Bienestar).

Aqui, a questão é se esses sinais de deterioração institucional e retrocesso democrático podem ser entendidos como um passo atrás necessário para a implementação de uma nova e mais autêntica democracia no México. É o que afirma o governo, e alguns analistas próximos a ele sugerem examinar o caso de Franklin D. Roosevelt, presidente dos Estados Unidos entre 1933 e 1945, que AMLO descreve como "o melhor presidente que os Estados Unidos já tiveram em toda a sua história”. Em sua época, Roosevelt foi acusado de carregar tendências autoritárias, mas hoje ele é reconhecido como um líder que salvou a democracia em seu país em tempos difíceis através de seu New Deal. Será que o que vemos hoje no México é comparável? Estamos no início de um novo regime mais democrático ou diante de uma regressão autoritária?

Primeiramente, a resposta a essa pergunta não é simples. A cientista política de Oxford, Nancy Bermeo, aponta isso em seu artigo "On Democratic Backsliding", em que afirma que os retrocessos democráticos tendem a ser ambíguos[1]. Isso é particularmente verdadeiro quando defensores do retrocesso têm apoio popular ou tentam abrir o jogo democrático para atores que são ou se sentem politicamente excluídos. Por esse motivo, Bermeo sugere que aqueles que se opõem ao retrocesso devem evitar ver seus adversários como tendenciosos ao autoritários. Conforme ela explica, os retrocessos democráticos buscam minar um conjunto específico de instituições democráticas. Mas isso não é intrinsicamente ruim, uma vez que estas não são as únicas instituições, nem necessariamente as melhores. Certamente, mesmo aqueles que observam os desenvolvimentos no México com preocupação conseguem imaginar autoridades eleitorais melhores e mais eficientes.

Essa ideia de que um líder populista, como AMLO, seja um impulsionador de uma democracia estagnada é defendida por Camila Vergara, professora de direito da Universidade de Columbia. Vergara aponta que esse tipo de liderança tem potencial de fortalecer a democracia, mas se e somente se conseguir quebrar o controle das elites econômicas sobre as instituições públicas e devolvê-las ao “povo” na forma de comunas ou órgãos representativos no nível popular. Ela não é a única acadêmica que apoia essa ideia. Hélène Landemore, cientista política de Yale, aponta algo semelhante em seu livro "Open Democracy: Reinventing Popular Rule for the Twenty-First Century", em que ela descreve as instituições democráticas modernas como lugares "fechados e protegidos" onde "apenas certas pessoas, com o terno, o sotaque, a riqueza e as conexões certas são bem-vindas”[2].

O governo não parece ter interesse em substituir o atual conjunto de instituições democráticas por outras mais autônomas, independentes e institucionalizadas

No que diz respeito às redes clientelistas e transferências de dinheiro, Simeon Nichter, cientista político da Universidade da Califórnia, faz uma importante reflexão em seu livro “Votes for Survival[3]. Nele, Nichter afirma que o clientelismo não é uma estratégia a serviço das elites, mas uma relação política entre elites e eleitores sujeita ao cumprimento de promessas de campanha e atenção do cidadão. De sua perspectiva, o clientelismo poderia muito bem ser entendido como uma forma de incorporar setores marginalizados à política e, em última instância, promover a prestação de contas. Não é isso que é democracia?

O cenário anterior seria o ideal para o país: um retrocesso democrático como processo de destruição criativa. Será esse o caso? Quais são as chances de que, depois de AMLO, tenhamos um conjunto melhor de instituições democráticas? As redes clientelistas do presidente conseguirão integrar politicamente a população marginalizada e promover a prestação de contas?

Eu gostaria de estar errado, mas receio que a resposta seja não.

Como mencionei no início, o governo não parece ter interesse em substituir o atual conjunto de instituições democráticas por outras mais autônomas, independentes e institucionalizadas. Seu objetivo parece antes ser colocar essas instituições sob a autoridade do Poder Executivo na pessoa de AMLO, que passaria a orientar e mediar em questões eleitorais, judiciais e de segurança social.

Nós, mexicanos, vivemos algo muito semelhante sob o regime autoritário do Partido Revolucionário Institucional (PRI) durante grande parte do século 20. Durante seu regime de partido "quase único" com uma "presidência imperial", como o chamou o historiador Enrique Krauze, o Executivo, Legislativo e Judiciário e a autoridade sobre os recursos orçamentários se fundiram na pessoa do presidente para dispor deles a seu critério.

O atual declínio democrático no México parece estar caminhando nessa direção: a criação de uma versão rebaixada do PRI. Existe, no entanto, outra alternativa mais remota, mas não rebuscada: um regime personalista que, abertamente ou nos bastidores, esvazia as instituições democráticas do país de seu conteúdo, transformando-as em carcaças inúteis. Em todo caso, é claro que estamos no limiar de um novo regime político no México. Vamos chamá-lo de "Restauração Presidencialista".


[1] Bermeo, Nancy. "On democratic backsliding." Journal of Democracy 27, no. 1 (2016): 5-19.

[2] Landemore, Hélène. Open Democracy: Reinventing Popular Rule for the Twenty-First Century. Princeton University Press, 2020.

[3] Nichter, Simeon. Votes for survival: Relational clientelism in Latin America. Cambridge University Press, 2018.

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