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Um país, dois Brasis (II)

Num momento decisivo para o futuro do Brasil, falámos com o um pai e um filho sobre o país do futuro e sobre a sobrevivência da democracia na região. Entrevista (Parte I)

Leonardo Lopes da Silva Manuel Nunes Ramires Serrano Paulo Calixto da Silva
26 Outubro 2018
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Fernando Henrique Cardoso, antigo presidente do Brasil (São Paulo, 2006). Ricardo Motti/Flickr. Alguns direitos reservados.

“Apesar de você/ Amanhã há de ser/ Outro dia/ Você vai ter que ver/ A manhã renascer/ E esbanjar poesia/ Como vai se explicar/ Vendo o céu clarear/ De repente, impunemente/ Como vai abafar/ Nosso coro a cantar/ Na sua frente”.

― Chico Buarque, Apesar de Você

Manuel Serrano: A maioria dos comentadores políticos na Europa acreditam que o Bolsonaro é um perigo para a democracia. Você viveu durante a ditadura? Teme que o Brasil esteja a voltar ao autoritarismo?

Leonardo Lopes da Silva: Não vivi durante a ditadura, mas vivenciei as suas consequências. No campo da educação, a formação integral de um aluno deu lugar a um foco no ensino técnico, que, apesar de preparar a pessoa para o mercado de trabalho mais cedo, não a imbuía do pensamento crítico e da visão generalista tão necessária nos dias de hoje, para interpretar o mundo de forma mais completa.

Vinte anos de ditadura também retardaram o processo de amadurecimento cívico da população em geral, que continuou (e de certa forma contínua) a crer no Estado paternalista como o início e o fim de todos os seus problemas. Economicamente foi criado um ciclo de dependência a projectos de país que apostaram na construção de infra-estruturas gigantescas onde famigeradas empreiteiras como a Odebrecht enriqueceram com contractos milionários e ultrafaturados, o que criou o ciclo vicioso de apoios e lobbies para grupos políticos pós ditadura.

Em suma, as grandes corporações, que hoje em dia concentram grande poder e influência política e económica, nos meios de comunicação, no sector bancário, nas indústrias de base, passaram a ter lugar cativo à mesa na criação de um Brasil movido por interesses privados, com autoridades públicas a chancelar essa política fisiológica da qual se tanto fala hoje em dia. O caixa dois começou na ditadura, e com esperança, acaba numa democracia mais amadurecida.

Vinte anos de ditadura retardaram o processo de amadurecimento cívico da população em geral.

Vale lembrar que este é um sistema que foi utilizado por todos os actores políticos, da esquerda à direita, que se beneficiaram disto até o seu desmascaramento por operações da Polícia Federal como a Lava Jato.

Além da ditadura cercear obviamente as liberdades dos indivíduos, ela acabou por enraizar no dia a dia da administração pública a preservação dos privilégios para os que estão no alto escalão, e a promoção do modelo hierarquizado de poder, onde as decisões sempre vem de cima para baixo. Isso não facilitou o crescimento e amadurecimento político da população para participar em uma democracia.

Paulo Calixto da Silva: A Europa está sendo enganada. Os comentaristas políticos e a maioria da esquerda não conhecem a realidade brasileira, e se a conhecem, fazem questão de mostrar uma outra óptica distorcida da realidade e da pessoa do Jair Bolsonaro, certamente porque o candidato é um militar e tem suas posições de dizer a verdade sempre e abolir a velha máxima do “politicamente correcto”, o que afecta profundamente aqueles que estão acostumados a viver da mentira.

Eu vivi toda minha infância e juventude no período da ocupação militar que muitos erroneamente e propositalmente de “ditadura militar”. Jamais vivi, ou conheci alguém que tenha sido torturado ou molestado pelo estado nesse período. O que eu presenciei, e isso digo com veemência que razão me concede, foi exactamente o contrário: foi o período de maior e mais consistente crescimento, desenvolvimento económico industrial e cultural.

Havia segurança, educação, respeito e valores como base de sustentação da sociedade. Foram os melhores anos que já vivi. Eu era hippie e tinha plena liberdade para isso; só foi péssimo para bandidos e terroristas.

 Os comentaristas políticos não conhecem a realidade brasileira, e se a conhecem, fazem questão de mostrar uma óptica distorcida da realidade.

O Jair Bolsonaro tem um projecto de Brasil como nação soberana, que valoriza suas riquezas, a sua gente, a família, a cultura, o seu presente e futuro. Conheça mais esse homem para fazer seu justo juízo de valor. Bolsonaro não é um perigo para o Brasil nem para a América Latina nem para o mundo. Só que quem não vive no Brasil, ou é um esquerdista abominável, acredita, pensa e especula esse tipo de comentário.

Manuel Serrano: Como se sente em relação a Lula e ao PT? E em relação ao Haddad? São tão maus como o Bolsonaro, como afirmam muitas pessoas?

Leonardo Lopes da Silva: O Lula e o PT fizeram tudo o de bom e tudo o de mau para o país, no sentido de reduzir a pobreza e dinamizar a economia, aumentar a capilaridade do ensino público universitário, mas também ao quererem monopolizar o poder e a discussão, tentar controlar a imprensa, e caírem fundo na adesão ao sistema de governança corrupto que eles mesmos diziam ser contra.

Para mim, isso resultou numa imensa desilusão da população com a política, e nos levou a um retrocesso onde a esquerda carregará um estigma e uma maldição pelos próximos quinze ou vinte anos. Culpo o PT e a sua cúpula por macularem o ideário humanitário, desenvolvimentista e reformista que a esquerda mundial, em particular a esquerda europeia, tem, de humanizar o capitalismo e promover o progresso para todos e não para poucos.

O Lula e o PT fizeram tudo o de bom e tudo o de mau para o país.

A classe trabalhadora perdeu a confiança neste ideário por causa do PT. Mas pessoas são pessoas, e o fato da pessoa estar errada, não significa que as suas ideias e teses estejam erradas. Todos os que se consideram de esquerda em geral, e o PT principalmente, devem passar por um processo de autocrítica e de renovação para deixar de ver questões menores (apesar de importantes).

Estas devem incluir o direito de minorias, para voltar a abordar grandes questões, a maior desigualdade e concentração de renda a nível nacional e global, como reactivar a economia com padrões sustentáveis e inclusivos, como preparar a classe trabalhadora e média para um futuro com menos empregos na área primária e secundária, como lidar com o aquecimento global e promover energia sustentável, e acima de tudo, como gerir um Estado extremamente ineficiente com os impostos que cobra e os recursos que usa.

Paulo Calixto da Silva: O Lula, em quem eu acreditei durante mais de mais de 30 anos, traiu o Brasil, a democracia e os que depositaram a sua confiança nele. Tornou-se na maior e mais absoluta decepção para mim e para o Brasil. É um bandido, ladrão, destruidor dos valores morais e éticos da mais alta gravidade. Só espero que ele fique na cadeia por todo o resto de sua existência. O Haddad é uma síntese daquilo que o Lula foi e será, portanto é igual ao Lula.

Porque você acha que o Bolsonaro é mau? Você já pesquisou em fontes confiáveis sobre a vida de Bolsonaro. Ou tem uma ideia preconceituosa informada por alguém que faz questão de seguir o sistema?

O Lula, em quem eu acreditei durante mais de 30 anos, traiu o Brasil, a democracia e os que depositaram a sua confiança nele.

Bolsonaro não é mau, não é misógino, não é racista, não é homofóbico e outros tantos absurdos que os meios de comunicação brasileiros, alguns jornais e comentaristas convenientemente apresentam. Eu convido todos que assim o classificam, a pesquisar mais profundamente em fontes confiáveis para emitir qualquer conclusão.

Manuel Serrano: A insegurança é um dos problemas mais sérios no Brasil. Sente-se seguro quando anda na rua?

Leonardo Lopes da Silva: Quando vivia no Rio de Janeiro, sentia-me seguro como um refém se sente seguro nas mãos de um sequestrador. Foram precisos alguns anos de vida na Europa e na Rússia para me libertar da Síndrome de Estocolmo que tinha, de olhar para os lados, de manter o meu telemóvel dentro da bolsa no transporte público, de estar pronto a renunciar a qualquer posse material para manter a minha vida. Compreendo os medos e revoltas dos meus compatriotas e sofro com eles ao ouvir o rádio com a litania da violência diária todos os dias.

Paulo Calixto da Silva: Não, não me sinto seguro em lugar nenhum no Brasil, e é por isso que apoio o plano de segurança de governo Bolsonaro.

Manuel Serrano: Crê que o Bolsonaro irá ganhar? Se sim, irá apoiá-lo se ultrapassar os limites, e ameaçar a existência da democracia no Brasil?

Leonardo Lopes da Silva: Creio que irá ganhar, pois a narrativa o favorece. Cobrarei o que ele promete desde o primeiro dia do seu governo, pois ele afirma ser o diferente, quando sei que ele não é. Opor-me-ei a qualquer desmando ou ameaça à Constituição que ele afirma respeitar, e protestarei quando qualquer direito básico for posto em questão por acções suas ou dos seus aliados. Mas aplaudirei qualquer medida que trouxer maior harmonia, prosperidade para todos, e garantia do direito à oposição. Qualquer outra coisa será o regresso a um passado funéreo.

Cobrarei o que ele promete desde o primeiro dia do seu governo, pois ele afirma ser o diferente, quando sei que ele não é. 

Paulo Calixto da Silva: Sim, irá ganhar. Apoiarei sim, e se não corresponder com o que esperamos, estarei fazendo meu papel de cidadão tirando-o do poder. Acredito firmemente que ele não é, e não será uma ameaça para a democracia, para a sociedade e para o mundo.

Acredito firmemente que ele não é, e não será uma ameaça para a democracia, para a sociedade e para o mundo.

Manuel Serrano: Se pudesse descrever numa palavra como se sente sobre a possibilidade do Bolsonaro de se tornar presidente, qual seria essa palavra? E em relação a Haddad?

Leonardo Lopes da Silva: Para Bolsonaro, espanto. Para o Haddad, resignação.

Paulo Calixto da Silva: Em relação a Bolsonaro eu me sinto totalmente seguro, confiável e ansioso para viver sobre um governo que irá fazer as necessárias mudanças em meu país. Em relação a Haddad eu e milhares de Brasileiros rejeitamos totalmente essa possibilidade.

Não vejo nenhuma possibilidade de isso acontecer, mas se acontecer, temo que as instituições correram grave riscos; a democracia será seriamente abalada e com certeza haverá a possibilidade do caos ser instalado com serias consequências. Isso é um sentimento geral de muitos brasileiros que não desejam esse mal para o Brasil.

Em relação a Bolsonaro eu me sinto totalmente seguro, confiável e ansioso para viver sobre um governo que irá fazer as necessárias mudanças em meu país.

Manuel Serrano: Como descreveria o seu papel no processo eleitoral e político de promoção do seu candidato e das suas ideias?  Concorda com as tácticas utilizadas por ambos os lados?

Leonardo Lopes da Silva: Tenho me esforçado por tentar compreender o ponto de vista de todos e por procurar um discurso que se vale pela verdade, pela razoabilidade, pela civilidade, e pelos fatos. O ataque pessoal a um ou a outro já significa uma derrota de um argumento para mim.

O debate político hoje em dia não discute ideias, não discute soluções realistas ou balizadas, não discute a possibilidade do consenso; só alimenta o conflito e a propaganda de ideias falsas, pouco estudadas, ou completamente irresponsáveis. Nisso não tenho como concordar com nenhum dos lados. Estamos tribalizados e empobrecidos. Não sabemos mais agir como cidadãos. E políticos no sentido real da palavra.

O debate político hoje em dia não discute ideias, não discute soluções realistas. Só alimenta o conflito e a propaganda de ideias falsas. 

Paulo Calixto da Silva: Concordo com as tácticas e ideias do Bolsonaro e do seu vice Mourão. Discordo totalmente das tácticas maquiavélicas do candidato Haddad.

Manuel Serrano: Ainda tem razões para acreditar na democracia como modo de organização política do Brasil?  O que pensa da independência dos três poderes existentes no país? O que deve mudar para que o Brasil entre nos eixos? Existem soluções políticas, ou a política por si só já não é a melhor forma de solucionar os problemas do país?

Leonardo Lopes da Silva: Creio que a democracia é o bem maior que se deve preservar no Brasil. E que uma reforma política deve ser feita para dar maiores poderes ao cidadão que vota, e não concentrar mais poder nas mãos de poucos. Por isso acho que o Brasil deve adoptar o modelo parlamentarista português ou britânico, para que possamos por mais pressão no parlamentar e fazer com que o governo funcione à base de princípios éticos e políticos, e não do fisiologismo. E que o parlamentar se profissionalize, com um salário mais condizente à realidade do pais.

Creio que a democracia é o bem maior que se deve preservar no Brasil, e que uma reforma política deve ser feita para dar maiores poderes aos cidadãos.

Paulo Calixto da Silva: Sim, creio na democracia e nos bons e honestos políticos que se servem dela para fazer um país mais justo e soberano. Infelizmente no Brasil terá de haver um longo período para consolidação dos instrumentos que precisam se alinharem entre os poderes.

Jair Bolsonaro e a direita, há de ser essa a alavanca para elevar um novo projecto de crescimento e revigoração das instituições brasileiras. Eu amo o Brasil, e não vou abandonar o Brasil, morrerei se for preciso pela minha pátria, para ter um país mais justo para meus filhos e para as futuras gerações.

Eu amo o Brasil, e não vou abandonar o Brasil, morrerei se for preciso pela minha pátria, para ter um país mais justo para meus filhos e para as futuras gerações.

Manuel Serrano: Se todo o poder emana do povo, por é que se verifica essa crise de representatividade no processo eleitoral? Por que não se candidatam pessoas como você a cargos públicos? Pensa tornar-se mais activo politicamente de agora em diante?

Leonardo Lopes da Silva: penso em me tornar muito mais activo, em até a me envolver numa candidatura política. Pois se não estamos sendo representados, quem nos representará?

Paulo Calixto da Silva: O Brasil vai mudar, eu tenho certeza disso, eu acredito e quero crer que um dia meus filhos que estão fora do Brasil, haverão de retornar e se orgulhar dessa terra e dar o devido valor que perderam.

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