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Uma pandemia invisível: "Nós, mulheres, estamos morrendo"

Mulheres estão morrendo. Não podemos nos esquecer ou ser passíveis ao fato de que, a cada duas horas, uma mulher é morta por ser mulher. Español

Daniela Sánchez
29 Janeiro 2020, 9.46
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No continente americano, 30% das mulheres já sofreram violência física ou sexual por um parceiro íntimo (OMS, 2013). Três dos dez países mais mortais para meninas estão na América Latina (UNICEF, 2017). Uma em cada três mulheres no mundo sofreu violência física e/ou sexual em algum momento de sua vida. Menos de 40% delas buscaram algum tipo de ajuda (ONU).

Esses números mostram uma situação muito alarmante, que afeta especialmente a América Latina: mulheres e meninas enfrentam diferentes tipos de violência ao longo da vida. Quando falamos sobre diferentes tipos de violência, nos referimos a: violência sexual ou física, violência no contexto de conflitos armados, violência nas escolas, violência no local de trabalho e violência doméstica e/ou doméstica, entre muitas outras formas.

O Democracia Abierta conversou com Paola Silva, membro do coletivo feminista colombiano SietePolas, sobre os tipos e cenários de violência em que mulheres e meninas na América Latina estão sendo agredidas e mortas.

demoAbierta: Como está o cenário da violência doméstica contra as mulheres na América Latina?

Paola Silva: A violência doméstica é muito complicada, porque o agressor é alguém que você ama, é alguém que você respeita. Então, isso torna muito difícil, primeiro, que as mulheres denunciem. Digo isso sem julgá-las: uma mulher decide denunciar ou não e não devemos julgá-las por isso, porque nessa situação você deve se colocar no lugar da outra pessoa e ver como ela vive e o que faz. Em segundo lugar, os agressores geralmente são pais, tios e não se costuma acreditar nelas, por mais que denunciem.

Com a violência sexual contra menores, muitas vezes as meninas denunciam e dizem: "Mãe, isso aconteceu comigo", e elas dizem: "Sinto muito, mas isso não pode ser verdade. Você deve estar traumatizada, viu algo na televisão. Isso é muito sério".

É daí que partimos. Isso não acontece apenas com meninas: há esposas que também são violentadas. A violência entre casal é um problema gigantesco: só na Colômbia, temos 37.000 casos registrados em 2019, sem contar dezembro, quando, por ocasião das festividades, há mais violência.

demoAbierta: Como está a questão da violência sexual contra as mulheres em meio ao conflito armado na Colômbia?

Paola Silva: De 2012 a 2019, mais de 26.000 mulheres foram vítimas de violência sexual no contexto do conflito armado. Isso nos dá alguns números e nos mostra como as mulheres são usadas como objetos. Na Colômbia, o corpo da mulher é usado como arma de guerra. Não sou eu que estou dizendo isso, é o Centro Nacional de Memória Histórica que, em 2017, fez um relatório para descobrir quantas mulheres foram violentadas sexualmente; mulheres vítimas do conflito armado e mulheres que fazem parte de grupos fora da lei.

Isso é importante, porque muitas vezes nos dizem que apenas as vítimas contam, porque as outras fazem parte de grupos armados. Isso é uma falácia. Em uma de nossas colunas do SietePolas, tive a oportunidade de entrevistar Diana Gómez, uma mulher que fazia parte dos grupos paramilitares e era responsável por uma parte administrativa das operações em Bogotá.

Ela nos contou sua história de uma maneira muito corajosa. Ela nos disse que foi violentada sexualmente mais de 13 vezes pelos líderes do conflito armado e pelos políticos colombianos, que ela não se atreve a citar porque sabe que seria um risco a sua vida.

Então, quando falamos de violência sexual, temos que falar sobre todas as mulheres afetadas e também olhar o contexto: como elas são afetadas, por que foram afetadas. É uma violência que temos que reconhecer, que temos que reparar. Temos exemplos de reparação da violência no conflito armado com as mulheres de Montes de María. São experiências que temos que rever, temos que olhar e precisamos aprender.

Isso é importante, porque muitas vezes nos dizem que apenas as vítimas contam, porque as outras fazem parte de grupos armados. Isso é uma falácia

demoAbierta: Como você vê a violência que sofreram mulheres manifestantes no meio das mobilização sociais que aconteceram em muitos países da América Latina nos últimos tempos?

Paola Silva: Nas mobilizações que ocorreram na América Latina, a experiência do Chile mostra que muitas mulheres que foram detidas por forças oficiais sofreram casos de violência sexual.

Na Colômbia, não temos esse número tão claro, mas eu ousaria dizer que deve haver casos. Nas mobilizações de Medellín, em 21 de janeiro deste ano, houve uma agressão física específica contra uma mulher, em que seu rosto ficou praticamente desfigurado.

Quem chamou atenção para o caso foi Doris Saldarriaga, do [movimento político] Estamos Listas (Estamos Prontas), que no Conselho de Medellín levantou a voz e disse: “como eles estão nos violentando, estão lá à procura”. Eu acho que isso é algo muito importante: as mulheres na política que defendem os direitos das mulheres sempre estarão lá para defender as vítimas, para trazer essas questões à tona. Sem isso, normalmente nem ficaríamos sabendo da metade. Esses casos não representam só mais uma vítima, mais um caso de violência. O ponto é que estão violentando e não vamos mais permitir.

demoAbierta: Qual é o panorama para meninas nascidas na América Latina?

Paola Silva: Na América Latina e no mundo, as meninas chegam a um mundo de estereótipos onde esperamos que elas façam certas coisas, cuidem de certas tarefas e estudem certos assuntos. Desde a infância, nos ensinam que nosso trabalho é cuidar, é o lar, que devemos estar atentas, que devemos fazer todo o trabalho doméstico. Todos esses estereótipos começam a tirar tempo das nossas vidas desde que nascemos, praticamente.

Isso acontece dentro de casa, acontece na educação, onde as meninas que gostam de matérias científicas não seguem a ideia porque durante o ensino básico e primário, costumam dizer que as mulheres não trabalham com matemática. Isso é coisa de homens. Isso é muito importante e acontece em toda a América Latina.

Em termos de violência física contra meninas, a realidade é similar para meninos e meninas, o que não torna o problema menos escandaloso. Dentro de casa, 2 em cada 3 crianças são disciplinadas com violência na América Latina.

Outra cifra mais relacionada às meninas, mas que não temos tanta consciência de que exista na América Latina, e que dizemos que só acontece nos países africanos, é o casamento infantil. 1 em cada 4 meninas com menos de 18 anos se casa com homens maiores de idade. Isso é preocupante, mas não é visível, não é algo que se discuta muito, apesar de acontecer.

demoAbierta: O que podemos fazer para melhorar essa situação assustadora?

Paola Silva: Acredito que dia após dia podemos realizar pequenas ações. O micromachismo não é levado a sério, mas tem uma presença super importante: todo micromachismo se torna uma violência. Todo homem que assassinou uma mulher certamente cometeu muitos atos de micromachismo que ele não corrigiu e nem foi corrigido porque a sociedade também aceita.

Então a primeira coisa é nos questionar. Uma tarefa individual de perguntar, "Isso está certo?". Por exemplo, no ambiente de trabalho, nos processos de seleção, é necessário se perguntar se você está favorecendo mais os homens, se está olhando currículos anônimo, sem foto, para realmente contratar a pessoa mais adequada. Ou se o que realmente está fazendo é não contratar uma mulher porque pode engravidar?

Outro exemplo são os homens dos grupos de WhatsApp: o que eles estão enviando? Como eles estão abordando certos temas? Estão enviando fotos de mulheres nuas sem sua permissão?

Isso é um problema e é uma pandemia. Nós, mulheres, estamos morrendo. Não podemos nos esquecer ou ser passíveis ao fato de que, a cada 2 horas, 1 mulher é morta por ser mulher.

Veja a entrevista completa:

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