
Chile em chamas: o modelo neoliberal em crise em toda a região
O mal-estar econômico da população do Chile faz parte de uma tendência regional que segue os recentes protestos no Equador. Español

Apenas uma semana depois das grandes mobilizações populares no Equador, que conseguiram derrubar o pelêmico pacote do Fundo Monetário Internacional, outro país latino-americano se opõe à política econômica de seu governo.
Em um país em que o salário de 70% da população não chega a US$ 700 por mês, o anúncio da semana passada do presidente Sebastián Piñera sobre o aumento do preço da passagem de metrô de Santiago de 800 pesos chilenos para 830 (US$ 1,15) representou um duro golpe. O Chile, um dos países latino-americanos com maior tradição neoliberal, não conseguiu erradicar a pobreza com suas políticas de privatização. Estima-se que 36% da população urbana vive em extrema pobreza no país.
O suposto "milagre econômico" do Chile, apelido dado pelo economista americano Milton Friedman, foi um conjunto de reformas de liberalização econômica realizadas durante a ditadura de Augusto Pinochet, que impuseram um mercado livre no país com o apoio dos EUA. Esse sistema econômico, que continua sendo implementado hoje no Chile, beneficiou as elites econômicas do país, ao mesmo tempo em que cria desigualdades e sofrimento para a maioria. Não é à toa que, graças a essas reformas impulsionadas pela teoria neoliberal de Friedman, os anos 90 foram nomeados como a década perdida da América Latina.
Cansados da política econômica chilena, estudantes e cidadãos saíram às ruas para protestar contra o aumento do preço da passagem de metrô. Na realidade, isso é apenas a ponta do iceberg de muitas outras preocupações sociais, como baixas aposentadorias, altas taxas de eletricidade e gás e um sistema de educação e saúde inacessível. Os manifestantes queimaram estações de metrô e ônibus e saquearam vários supermercados e instalações públicas.
Não é a primeira vez que a polícia usa violência contra seus próprios cidadãos no Chile, que tem uma longa história de repressão contra as comunidades indígenas mapuche
Quando Piñera saiu na noite de sábado para declarar a suspensão do aumento de preço da passagem de metrô, já era tarde demais para conter o caos social. Estudantes e jovens continuaram a demonstrar e exigir justiça econômica, enquanto o governo declarou estado de emergência e enviou o exército para as ruas de Santiago.
É por isso que explicamos tudo o que você precisa saber sobre as atuais manifestações no Chile e por que essa recente explosão de violência é tão significativa para a região.
Violência policial em protestos e democracia chilena
Não é a primeira vez que a polícia usa violência contra seus próprios cidadãos no Chile. O país tem uma longa história de reprimir violentamente as comunidades indígenas mapuche quando se opõem à falta de reconhecimento do governo de seus direitos territoriais.
A violência policial contra as comunidades mapuche resultou na morte de Camilo Catrillanca, um líder comunitário de apenas 24 anos, em 2018 quando ele estava perto de uma operação policial e de repente se viu no meio de um tiroteio. Quando uma das balas atingiu sua cabeça, ele morreu instantaneamente.
Depois de começar em Santiago e se espalhar por todo o país, as manifestações atuais resultaram em mais de 11 mortes. Essas mortes são explicadas principalmente devido à violência policial e do exército, que atinge fortemente um país onde a ditadura de Pinochet deixou mais de 40.000 mortos e desaparecidos durante seu reinado de terror há apenas 30 anos. Além disso, segundo o Instituto Nacional de Direitos Humanos do Chile, houve 84 feridos por armas de fogo e 1.420 detidos desde que as manifestações começaram na semana passada.
A reação de Piñera se concentrou em atos de violência de manifestantes, contribuindo para uma criminalização geral do protesto no país. "Por isso convocamos a lei de segurança do estado. Não contra os cidadãos, mas contra esse punhado de delinquentes, que com tanta violência e maldade destróem propriedades e sonhos", disse ele em discurso essa semana passada.
Ele justificou a repressão policial das manifestações, afirmando que "a democracia tem o direito de se defender". No entanto, ele também expressou sua intenção de chegar a acordos para melhorar a qualidade de vida das classes média e baixa do Chile. As ações da polícia e do exército nos últimos dias atingiram um dos países mais democráticos do mundo e o segundo mais democrático da América Latina, segundo o índice da Freedom House.
Sua pontuação alta em liberdade de protesto da Freedom House poderia ser afetada por ações do estado contra os cidadãos nos últimos dias, que ameaçam seriamente o direito de protestar e criminaliza todos os envolvidos.
Mal-estar neoliberal em toda a região
O mal-estar econômico da população do Chile faz parte de uma tendência regional que segue os recentes protestos no Equador, também desencadeados devido à frustração social com a política econômica do presidente Lenín Moreno.
Os chilenos, fortalecidos pela recente mobilização equatoriana, saíram às ruas com a mesma esperança
Os protestos no Equador começaram como uma reação à declaração de Moreno de implementar uma política econômica chamada de paquetazo (pacotaço): uma série de medidas de austeridade impostas pelo Fundo Monetário Internacional que forçaram o Equador a cortar os gastos públicos para pagar sua dívida mais rapidamente. Isso incluiu a eliminação dos subsídios aos combustíveis, cortes nos salários públicos e reduções drásticas nas férias dos funcionários públicos.
A sociedade civil, mas principalmente os grupos indígenas agrupados na Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), tomou as ruas por semanas para protestar contra as medidas. As manifestações só acabaram quando Moreno anulou o paquetazo no país.
Os chilenos, fortalecidos pela recente mobilização equatoriana, tomaram as ruas com a mesma esperança: alcançar uma mudança real por meio do protesto no modo como seus governos administram a economia. Eles também deixam claro: a má administração da economia e a imposição de políticas neoliberais têm efeitos devastadores para as pessoas mais pobres do país, cujas consequências se tornaram mais aparentes do que nunca durante essas marchas.
Não são apenas o Equador e o Chile que enfrentam grandes mobilizações de cidadãos na região. O Haiti também se opõe ao governo corrupto do presidente Jovenel Moïse e exige, não apenas uma explicação do que aconteceu com milhões de dólares recebidos da Venezuela, mas também o fim das políticas de austeridade neoliberais promovidas pelo seu vizinho do norte, os Estados Unidos.
O modelo neoliberal está em crise, e essas manifestações o comprovam. Agora, o que acontecerá no Chile depende muito da capacidade de Piñera de negociar uma mudança real, mas se ele falhar, será impossível conter a raiva já desencadeada entre os chilenos cheios da injustiça e da desigualdade.
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