
Crianças a bordo do SS Winnipeg. Todos os direitos: DIG-00002» de Agrupación Winnipeg. CC BY-SA 4.0 vía Wikimedia Commons
Os países europeus parecem ter esquecido o seu não tão distante passado. A perseguição política e limpeza étnica levada a cabo por regimes totalitários e a devastação do continente europeu durante a segunda guerra mundial levou à deslocação de milhões no final dos anos 30'S e 40 's. Muitos tiveram de fugir da Europa, e procurar asilo no Novo Mundo.
Portanto, hoje o movimento de pessoas em toda a região do Mediterrâneo tem precedentes. Porém, pressões migratórias tem sido cada vez mais sentidas na Europa nos últimos anos. Mas houve uma mudança de escala. O número de pessoas que decidiram percorrer o longo caminho até à Europa em 2015, aproximadamente 350.000, e os pelo menos 2500 mortos no que vai de ano ao tentar cruzar o Mediterrâneo são prova disso. O que é surpreendente, no entanto, não é só a quantidade de passagens ilegais e mortes, mas a surpreendente incapacidade dos governos nacionais e instituições internacionais para lidar com a situação.
Apesar de estarmos a lidar com a maior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial, não é possível explicar por que razão os governos nacionais, a UE e a ONU são incapazes de resolver a questão. Uns impressionantes 59,5 milhões de indivíduos em todo o mundo foram deslocados em 2014, 86% dos quais foram hospedados como refugiados em regiões em desenvolvimento. A União Europeia, a maior economia do mundo, precisa desesperadamente de imigrantes para resolver seus problemas de envelhecimento da população e estagnação económica, no entanto, a crise de refugiados encontra-se imersa no medo e desentendimento.
A Securitização não é uma resposta
Os governos europeus e a União Europeia têm escolhido a securitização e o bloquei ao acesso legal dos migrantes como abordagem à questão da migração. A Frontex tem coordenado o sistema de patrulhamento de fronteiras e supervisados o estabelecimento de centros de detenção, de Melilla em Espanha a Maritsa na Grécia, contribuindo para construir o que é hoje conhecido como a "Fortaleza Europa". Esta abordagem está a falhar, pelo menos por duas razões.
Em primeiro lugar, torna-se mais difícil e mais perigoso alcançar as costas europeias, apesar de não impedir que os migrantes tentem a sua sorte. Em segundo lugar, bloqueia todas aquelas políticas que não versem sobre securitização: quando ocorrem travessias ilegais, soluções alternativas não são consideradas, pelo contrário, muros mais altos são construídos.
Enfrentar a crise, criando muros maiores e impondo controlos mais rigorosos não é a solução. A maioria dos especialistas concorda que a resposta reside em lidar com esta questão, tal como a enorme crise humanitária que é. O foco deve estar centrado, como uma prioridade clara, sobre a necessidade e a necessidade em si mesma. O debate deve ir além das fronteiras europeias e ser reenviado para a Organização das Nações Unidas.
Esta não é apenas uma crise Europeia, mas global, e que deve ser abordado como tal, envolvendo-se todos os estados na sua solução. A América Latina, entre outros, pode-nos dar uma mão.

Melilla, Espanha. Flickr. Alguns direitos reservados.
Mas o tempo que leva as Nações Unidas para tomar uma decisão é demasiado lento. A UE, entretanto, não pode esperar e deve prover ajuda urgente ajudar aqueles que se dispõem a atravessar o Mediterrâneo, que são milhares todos os dias. Em relação a este ponto, o foco atual sobre as redes de contrabando e máfias, assim como sobre o controlo das fronteiras, obvia o verdadeiro problema.
Em vez de dita securitização, esta crise deve ser tratada através de marco comum de proteção dos refugiados que vá mais além do Regulamento Dublin II (2013) no que se refere aos pedidos de asilo. O regulamento prevê que os requerentes de asilo devem aplicar para o status de refugiado no país da UE em que primeiro põe os pés. Isto claramente não funciona, como o evidenciam os milhares de refugiados presos na fronteira com a Hungria, amontoados em comboios na Macedônia, encalhados nas ilhas gregas e italianas ou nas instalações portuárias destes mesmos países.
Aos refugiados e imigrantes devem-lhes ser providas soluções de mobilidade alternativas que sejam legais e seguras. Assim mesmo, medidas integradoras e um discurso comum sobre o tema deve ser uma prioridade, não só para os funcionários, mas também para os governos nacionais e os líderes políticos dos Estados-membros. Um programa de reinstalação é também necessário, se quisermos integrar os recém-chegados nas nossas sociedades. A proposta de distribuir os refugiados entre os Estados-membros, indicados a 9º de setembro por Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, é um passo positivo nesse sentido]. Aos Sírios, afegãos e eritreus, por exemplo, deve-lhes ser provida uma rota segura um acolhimento dentro dos parâmetros adequados. Duas prioridades relacionadas com as anteriores são sem dúvida a criação de vias legais com destino à Europa e o reforço das operações de busca e salvamento no Mediterrâneo.
Isto é, naturalmente, mais fácil de dizer do que pôr em prática, sendo possível só através de uma abordagem e uma debate sobre que verse sobre valores. Valores europeus. No final do dia, é um fato que aqueles que chegam às nossas costas têm direitos: direitos humanos, e que como tal, são tanto universais como essenciais.
A politização do discurso na Europa, num contexto de crescente racismo e sentimentos de hostilidade contra os imigrantes, desencadeia a desumanização dos refugiados e dos migrantes. Ao retratar os migrantes e os refugiados como perigosos, sobretudo os muçulmanos, como uma ameaça à nossa sociedade cristã e do nosso modo de vida, alguns partidos de extrema-direita e nacionalistas, tais como o húngaro Fidesz, estão a tentar privar aos requerentes de asilo os seus direitos humanos.
O comportamento de Viktor Orbán, PM da Hungria, durante esta crise tem sido simplesmente inaceitável.

Refugiados Sírios. Flickr. Alguns direitos reservados.
América Latina: uma fonte de inspiração?
E, no entanto, os europeus devem recordar alguns exemplos de como outros países se comportaram quando muitos dos nossos avós se encontraram numa situação semelhante, forçados a procurar refúgio e fugir à guerra, destruição, miséria e repressão. A política de muitos países latino-americanos durante a crise de refugiados dos anos 30'S e 40's pode ser uma fonte de inspiração.
O México, sob a liderança do presidente Lázaro Cárdenas, abriu as suas portas a mais de 25,000 refugiados espanhóis que fugiam do regime de Franco no final da guerra civil espanhola em 1939. O diplomata e poeta chileno Pablo Neruda, mais tarde laureado com o prémio Nobel, contribui à famosa passagem segura de 2,200 cidadãos espanhóis a bordo do SS Winnipeg para o Chile. Embora estes números possam parecer modestos, muitos mais viajaram para a América Latina através dos seus próprios meios, mas nunca foram contabilizados como refugiados. Milhares de portugueses, italianos e gregos que fugiram da ditadura, da guerra e da repressão beneficiaram-se uma política de “porta aberta aos refugiados” na América Latina.
O fato de que há 75 anos, muitos refugiados provenientes do sul, centro e leste da Europa devastada pela guerra escapassem para a América Latina, deveria agir como lembrete de que não só em países árabes ou asiáticos como a Síria ou Mianmar pode haver refugiados. Irá a Espanha, a Itália, a Grécia ou Portugal - ou, de facto, a Hungria, com a sua experiência de 1956 - esquecer o que aconteceu no passado?
Mas a ajuda aos refugiados não é uma responsabilidade exclusiva dos Europeus. Segundo Peter Sutherland, o enviado especial das Nações Unidas para os migrantes e refugiados, "todos os países, devem receber os refugiados sírios. Todos os países, incluindo o Canadá, Austrália, América Latina, Golfo Pérsico, Estados Unidos e Ásia, tem a obrigação de acolher os refugiados sírios por razões humanitárias".
Os países da América Latina historicamente têm tendido a ajudar aqueles em dificuldades, já seja por motivos económicos ou políticos. O que acontecerá no presente? O Brasil por exemplo oficialmente, recebeu mais refugiados sírios que Espanha, Portugal, Itália ou Grécia. Segundo o the Guardian, 6300 personas obtiveram os visados requeridos para entrar no pais. De acordo com um articulo da BBC, desde que estalou a guerra em 2011 até agosto desde ano o Brazil concedeu a condição de refugiados a 2077 pessoas, superando este número claramente o número de refugiados recebidos por países como Espanha (1335), Grécia (1275), Itália (1005) ou Portugal (15) no mesmo período.
Outros países latino-americanos têm oferecido ajuda desde o início da guerra na Síria, apesar desta ter sido bastante modesta. O Uruguai congratulou-se em receber um pequeno número de Sírios refugiados: apenas 42, segundo a BBC. A Argentina, um país com uma forte comunidade de origem síria, incluindo ex-presidente Carlos Menem, no cargo durante 10 anos, apensas recebeu 233 até ao momento. Até agora, o Chile não fez promessas, e as autoridades mexicanas têm sido muito tímidas sobre a questão. Nesta tradicionalmente sociedade acolhedora, quase 160,00 pessoas assinaram uma petição em apoio a Change.org, uma carta pedindo ao Presidente Mexicano Enrique Peña Nieto para resgatar 10.000 refugiados sírios. Entretanto, o Presidente Maduro ofereceu acolher 20.000 refugiados Sírios na Venezuela.
A imagem de uma compassiva América Latina está em perigo. Os países latino-americanos estão culturalmente abertos, mas burocraticamente fechados aos refugiados. A região está a pelo menos 10.000 km de distância da zona de crise, mas historicamente sempre se ofereceu para ajudar e receber aqueles em busca de acolhida, uma mentalidade de que não deve mudar. Há importantes comunidades pertencentes à diáspora Síria que vive no Brasil, Argentina, Chile, Venezuela e na Colômbia. E as coisas têm corrido bem.
Os refugiados e aqueles que requerem o direito ao asilo podem contribuir para as sociedades de acolhimento de muitas formas positivas, como o tantas vezes fizeram ao largo da história. Seguindo o exemplo do que nossos antepassados nos países latino-americanos fizeram por nós, acolhendo-nos, concedendo-nos oportunidades justas e permitindo-nos continuar com as nossas vidas devemos lembrar-nos que agora são outros que se encontram numa situação pela qual nós, europeus, já passámos. A mentalidade de portas abertas, humanidade e entreajuda não deve ser abandonada, nem pelos países latino-americanos nem pelos europeus.
É inaceitável para um continente que tem fomentado a consagração dos direitos humanos negligencie agora a segurança de todos aqueles que arriscam a vida para aqui chegar. É tempo de defender os direitos humanos: na Europa, está claro, mas também na América Latina e mais além.
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