
Cúpula sobre a Venezuela em Bogotá conclui sem avanços significativos
A decisão de Maduro de não comparecer neutralizou qualquer expectativa de um retorno rápido às negociações

Organizada pelo presidente colombiano, Gustavo Petro, a cúpula realizada em Bogotá visou discutir a situação de uma Venezuela em profunda crise econômica, política e humanitária, com inflação descontrolada (305,7% em dezembro de 2022) e uma diáspora incessante.
No entanto, como a Venezuela não enviou representantes ao evento, nem do lado chavista nem da oposição. Assim, quaisquer acordo firmado na cúpula ganha apenas um valor simbólico, uma vez que os únicos atores políticos com poder de implementá-los não o fizeram. Com esse gesto, o governo de Nicolás Maduro, amplamente criticado pela comunidade internacional, mostra não sentir-se pressionado a amenizar sua forma de administrar a Venezuela ou a se abrir para uma transição democrática.
O ministro das Relações Exteriores da Colômbia, Álvaro Leyva, informou ao final da cúpula que todos os participantes concordaram com a "necessidade de estabelecer um calendário eleitoral que permita eleições livres, transparentes e com plenas garantias para todos os atores venezuelanos".
Esse é o primeiro dos três pontos de consenso. O segundo diz que "as medidas acordadas de forma satisfatória para as partes devem ser acompanhadas do levantamento das várias sanções", sem qualquer referência às sanções econômicas que oneram os venezuelanos e poderiam aliviar a pressão sobre o regime. O terceiro ponto é que "a continuação do processo de negociação facilitado pelo Reino da Noruega que ocorreu no México deve ser acompanhada pela aceleração da implementação do fundo fiduciário único para investimento social na Venezuela".
Embora a cúpula tenha aberto um espaço de discussão, não conseguiu encontrar uma proposta clara para reativar as conversações no México
As negociações a que se refere o terceiro ponto começaram em 2021 no México e tiveram como participantes o governo Maduro e a oposição venezuelana para encontrar uma saída para a crise do país.
As negociações foram retomadas em novembro de 2022, momento em que os representantes da oposição exigiram o mesmo que o primeiro ponto de consenso na cúpula de Bogotá: um cronograma claro para definir eleições livres e transparentes. Embora o governo venezuelano não tenha chegado a um acordo nesse ponto, fez em outro ponto: desbloquear os fundos congelados no exterior, o que permitiu aos Estados Unidos autorizar a petroleira Chevron a retomar suas operações na Venezuela. O evento em Bogotá teve como objetivo retomar essas conversas que ainda não foram retomadas.
Embora a cúpula de Bogotá tenha aberto um espaço de discussão, não conseguiu encontrar uma proposta clara para reativar as conversações no México, que era o objetivo urgente. Em vez disso, foram reiterados pontos já acordados: a necessidade de realizar eleições livres e retomar as negociações e o relaxamento das sanções contra a Venezuela. Carolina Jiménez, presidente do think tank Washington Office on Latin America (WOLA), disse à Al Jazeera que "os pontos de acordo representam mais ou menos onde a comunidade internacional estava antes da conferência".
Venezuela hoje
Em 2022 a economia venezuelana apresentou uma recuperação em alguns setores econômicos. Mas, desde janeiro de 2023, houve uma desaceleração da economia em geral, que se refletiu principalmente em uma queda no volume de vendas.
Nos três primeiros trimestres de 2022 o crescimento dos valores se viu refletido no aumento do Produto Interno Bruto (PIB): 17,4% no primeiro 23,3% no segundo semestre e 13,2% no terceiro. Os números do quarto trimestre não foram divulgados, mas espera-se uma desaceleração do crescimento.
Segundo o Indicador Mensal de Atividade Econômica do Observatório de Finanças da Venezuela (OVF), no quarto trimestre de 2022 a economia do país cresceu 9,1%, percentual inferior aos anteriores. Os números oficiais são sempre diferentes dos do OVF. Por exemplo, o OVF anunciou que a inflação acumulada em 2022 foi de 305,7%, enquanto o Banco Central da Venezuela (BCV) registrou inflação de 155,8%.
Maduro estabeleceu como condições para retomar as negociações a libertação de Alex Saab e a criação de um um fundo humanitário multibilionário
Além do contexto inflacionário, há o problema da legitimidade do governo de Maduro, que foi reeleito em 2018 em eleições presidenciais consideradas ilegítimas por grande parte da comunidade internacional. Maduro foi acusado de reprimir sistematicamente as vozes da oposição, uma atitude que alguns temem que possa se intensificar antes das eleições de 2024. Enquanto isso, mais de sete milhões de venezuelanos deixaram o país nos últimos seis anos.
As demandas de Maduro
Embora observadores internacionais tenham exaltado a decisão dos Estados Unidos de enviar um delegado de alto nível à cúpula, bem como o papel do presidente Petro, que enfrenta seus próprios problemas internos após uma profunda reformulação ministerial, a decisão de Maduro de não comparecer neutralizou qualquer expectativa de um retorno rápido às negociações.
Em 25 de abril, em nota do Ministério das Relações Exteriores da Venezuela, o governo Maduro estabeleceu suas condições para retomar as negociações, que incluem a libertação do diplomata venezuelano Alex Saab, preso nos Estados Unidos por acusações de lavagem de dinheiro, e a criação de um um fundo humanitário multibilionário acordado na última rodada de negociações políticas.
As duas partes das negociações no México concordaram, em novembro de 2022, em descongelar US$ 3 bilhões depositados em bancos estrangeiros para criar um fundo administrado pelas Nações Unidas que forneceria ajuda humanitária a venezuelanos necessitados e consertaria a rede elétrica danificada do país, mas não está claro até o momento quando os fundos, que se presume levar tempo para serem ativados, estarão disponíveis.
Por outro lado, o comunicado omitiu qualquer menção às eleições marcadas para o próximo ano, indicando que o governo Maduro não parece disposto a negociar condições de votação equitativas.
Hoje, a oposição na Venezuela está fragmentada. Em dezembro de 2022, votou pela dissolução do governo interino chefiado por Juan Guaidó, enquanto alguns países da região, como Colômbia e Peru, restabeleceram relações diplomáticas com Maduro na tentativa de mexer em algumas peças do tabuleiro.
Essa mudança na abordagem internacional em relação à Venezuela de vários países vizinhos deu a Maduro uma vantagem na hora de renegociar no México.
Em um sinal de seu poder minguante, Guaidó cruzou para a Colômbia em 24 de abril para protestar contra a cúpula de Bogotá e o levantamento das sanções, mas foi rapidamente escoltado por autoridades colombianas ao aeroporto, onde embarcou em um avião com destino à Flórida.
Na tentativa de recuperar o fôlego, a oposição se reuniu várias vezes para se preparar para as eleições de 2024, nas quais parece que Henrique Capriles e Guaidó concorrerão como candidatos, apesar de terem sido impedidos de fazê-lo, o que pode aumentar a incerteza nas eleições.
Até agora, a única proposta para eleições transparentes foi traçada pelos negociadores da União Europeia, que propõe até 23 reformas desenhadas a partir da observação das eleições regionais na Venezuela em 2021. Infelizmente, a cúpula de Bogotá não foi capaz de lançar muita luz sobre um país que se afunda a cada dia em uma crise complexa e de longo prazo.
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