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A derrota do Ocidente no Afeganistão favorecerá a China e inspirará extremistas islâmicos

Os EUA combaterão o Talibã do ar, mas não há nenhum sinal de que conseguirão controlar os paramilitares em terra

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Paul Rogers
18 Agosto 2021, 12.01
Um membro da força especial afegã participa de uma operação militar contra o Talibã na cidade de Kunduz, Afeganistão, 23 de julho de 2021
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Ajmal Kakar/Xinhua/Alamy Live News

Há duas semanas, ainda existia a crença de que o Talibã levaria meses para assumir o controle do Afeganistão e até mesmo de que o grupo poderia negociar um acordo de paz, talvez julgando que seria um passo necessário em seu caminho para o poder.

Essa crença agora mudou dramaticamente. Na semana passada, os EUA convocaram uma reunião desesperada e de última hora com representantes do Talibã em Doha, capital do Qatar, envolvendo países da região, além da Rússia e China. O objetivo era convencer o Talibã de que seria tratado como um Estado pária caso tomasse o poder pela força. Paralelamente, o governo afegão ofereceu parte do poder em troca de um cessar-fogo. Desde então, as negociações terminaram com o fracasso de ambos os esforços.

Com o Talibã no controle de todo o país, há quatro perguntas-chave que devemos fazer. De onde vieram os paramilitares do Talibã? Quais países têm mais a ganhar com um domínio do Talibã? Qual será a política dos EUA agora? E como a mudança de poder afeta organizações como a Al Qaeda e o ISIS?

A resposta à primeira é que o Talibã nunca foi embora e vem aumentando seu poder nos últimos 15 anos ou mais. Em 2001-2002, alguns membros foram para o norte do Paquistão, e desde então se deslocam entre os dois países, mas é dentro do Afeganistão que o poder do Talibã tem se consolidado de forma lenta, mas constante.

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O movimento possui recursos e equipamentos, tendo colhido anos de recompensas por ter o controle das principais áreas de cultivo de ópio, especialmente na província de Helmand. Além disso, o colapso em grande escala do exército afegão e a retirada apressada das forças ocidentais deixaram uma cornucópia de armas, munições e outro material militar. A recente tomada pelo Talibã de fronteiras importantes também trouxe recursos financeiros adicionais.

Além do mais, embora o movimento do Talibã seja principalmente interno, ele foi impulsionado por paramilitares de outros lugares, incluindo Caxemira, Chechênia, áreas uigures na China, Estados do Golfo, Norte da África e até mesmo a Europa Ocidental. Isso levou ao aumento do número de membros do Talibã nos últimos meses.

O corredor de Wakhan e a fronteira do Afeganistão com a China provavelmente se tornarão uma importante faceta da geopolítica mundial nos próximos anos

Quanto a quem ganha, a Rússia apreciará e desfrutará dos fracassos dos EUA e de outros Estados ocidentais, mas dirá pouco em público, dada a experiência soviética dos anos 80. Os políticos paquistaneses declararão que a última coisa que eles querem é um Afeganistão controlado pelo Talibã, mas as altas patentes do exército do Paquistão terão uma visão diferente, vendo o Talibã como uma forma de garantir que a Índia tenha um papel mínimo sob o novo regime.

A China, porém, tem muito a ganhar – se conseguir persuadir o Talibã a conter o poder dos paramilitares uigur. O corredor de Wakhan e a fronteira do Afeganistão com a China provavelmente se tornarão uma importante faceta da geopolítica mundial nos próximos anos – e podem oferecer à China novos acessos para a Ásia Ocidental e o Oriente Médio. A China também enxerga a abundante riqueza mineral do Afeganistão. As possibilidades não passaram desapercebidas em Pequim, o que ficou claro quando o país convidou uma delegação sênior do Talibã a visitar a China há três semanas.

Quanto aos EUA, está claro que o país não se atrelará a uma guerra terrestre enquanto Joe Biden estiver na Casa Branca, mas o país se esforçará para conter qualquer expansão da Al Qaeda, ISIS ou outros radicais islâmicos dentro do Afeganistão que possa ser vista como uma ameaça aos interesses dos EUA. O país pode buscar manter o controle por vários meios, incluindo o uso de forças especiais e milícias proxy, mas grande parte da ênfase estará no uso de drones armados e aeronaves de asa fixa de longo alcance, como os bombardeiros B-52.

Estes vêm sendo usados ​​pela Força Aérea dos Estados Unidos e podem ser apoiados por aviões de ataque da Marinha através de porta-aviões no Oceano Índico. Há também o caça AC-130U da Força Aérea que já vem sendo usado no Afeganistão nas últimas semanas. No entanto, apesar de todo o poder indubitável do AC-130U, há poucas evidências de que ele (ou drones e outras aeronaves) fará muito para conter a Al Qaeda e o ISIS se o Talibã permitir que eles cresçam e prosperem.

Movimentos paramilitares islâmicos extremistas terão pouca ou nenhuma conexão com o Afeganistão, mas o impacto simbólico da derrota do Ocidente será inspiração suficiente

Isso nos leva à questão final, que raramente é avaliada em análises de segurança atuais. Nos últimos cinco anos, grupos ligados à Al Qaeda e ao ISIS vêm se expandindo pelo norte e leste da África, com ligações a grupos locais independentes em lugares tão distantes da África quanto Filipinas e Indonésia.

Agora, com o provável sucesso do Talibã no Afeganistão, esses grupos receberão um grande impulso através de um renovado interesse de pessoas de se unir à causa, uma vez que interpretarão que a guerra contra o terrorismo ainda está por vencer. Os paralelos com os anos pós-11 de setembro são assustadores.

De 2002 a 2006, houve ataques contra alvos e interesses ocidentais em todo o mundo, incluindo França, Reino Unido, Paquistão, Indonésia, Egito, Quênia, Estados Unidos, Tunísia, Marrocos, Jordânia e muitos mais. Bancos, hotéis, restaurantes, consulados e embaixadas de propriedade ocidental foram os alvos mais comuns, mas poucos dos perpetradores tinham qualquer conexão direta com o que foi denominado "Al-Qaeda Central" no Paquistão, que supostamente era o responsável pelos ataques. Em vez disso, a maioria veio de grupos locais, impulsionados em suas crenças pelo próprio 11 de setembro.

Os movimentos paramilitares islâmicos extremistas terão pouca ou nenhuma conexão com o que está acontecendo no Afeganistão, mas o impacto simbólico da derrota do Ocidente e do estabelecimento de um califado será inspiração suficiente. Isso tem implicações não apenas para a América do Norte e a Europa Ocidental, mas para todo o mundo, o que torna a vitória do Talibã possivelmente o desenvolvimento político mais importante de 2021. A resposta será, sem dúvida, conflitos ainda mais remotos à medida que entramos na terceira década de uma guerra de 30 anos.

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