democraciaAbierta: Opinion

Desinformação assombra segundo turno das eleições presidenciais do Brasil

Fake news e desinformação tiveram um papel decisivo no primeiro turno, e terão um papel ainda mais decisivo no segundo turno

Mac Margolis Robert Muggah
5 Outubro 2022, 12.01
O primeiro turno terminou sendo uma noite frustrante para a esquerda
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Alamy Stock Photo

Assim como em 2018, a sombra da desinformação paira novamente sobre as eleições presidenciais no Brasil. O presidente e candidato Jair Bolsonaro, e sua comitiva provaram ser peritos em inundar as redes sociais com mentiras e conspirações sobre o seu adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

As notícias falsas provavelmente ajudaram o titular a reduzir a distância entre ele e Lula no primeiro turno, garantindo-lhe desempenho muito superior ao que as pesquisas previam. Enquanto Bolsonaro e Lula se preparam para novamente se enfrentarem em 30 de outubro, espera-se que a máquina de desinformação da extrema-direita turbine ainda mais o pleito. 

Os ataques digitais não só mancham a reputação e intimidam adversários, como também mobilizam os eleitores. Durante a campanha de 2022, políticos influentes e pastores evangélicos espalharam pelo Facebook o rumor de que Lula planejava fechar igrejas e perseguir seus fiéis. As acusações atingiram mais de 142 milhões de contas no Twitter, reforçando a afirmação de que só Bolsonaro poderia salvaguardar os cristãos. Assim como aconteceu em 2018, as táticas parecem ter surtido efeito, uma vez que parte considerável dos votos de evangélicos migrou de Lula para Bolsonaro ao longo dos últimos meses.

Político tão pragmático quanto astucioso, Lula sempre fez questão de manter um discurso ecumênico. Como presidente em 2003, patrocinou uma lei para facilitar a criação de igrejas evangélicas e governou ao lado de um vice que, embora nominalmente católico, frequentava os cultos das igrejas evangélicas e aderiu a um partido fundado por uma ordem Pentecostal.

Bolsonaro sabe que precisa mais do que orações para ganhar a reeleição no final deste mês

No entanto, em 2022, a civilidade, o jogo limpo e o discurso público calcado em fatos cederam lugar à temporada de difamação política e pós-verdades. Um terço da população brasileira considera-se evangélica. Eles representam parcela crescente do eleitorado de 156 milhões de pessoas, especialmente entre os eleitores de baixa renda, que muitas vezes decidem as eleições. Bolsonaro sabe que precisa mais do que orações para vencer no segundo turno. Não surpreenderia se seus apoiadores continuassem a se curvar a bandeiras falsas e notícias falsas durante o segundo turno. 

Não é de hoje que  o Brasil conhece o poder da desinformação. Durante a primeira campanha presidencial de Lula, em 1989, pastores evangélicos o chamaram de "demônio", enquanto um candidato engomadinho advertiu que o petista não hesitaria em promover um confisco bancário, se eleito. Aconteceu justamente o contrário: Lula perdeu a corrida contra o preferido do mercado, Fernando Collor de Mello, apenas para ver o seu rival congelar as contas bancárias nacionais e mergulhar a economia no caos.

A narrativa inverteu-se em 2014, quando a sucessora de Lula – a então presidente em exercício, Dilma Rousseff — acusou a concorrente de esquerda, Marina Silva, de conspirar para ao fazer o jogo dos banqueiros e conceder autonomia ao Banco Central. Resposta de Silva: "Foi o PT que inventou a Fake News".

A diferença de hoje é que as redes sociais e smartphones omnipresentes ajudam  os asseclas partidários e os "gabinetes de ódio" a multiplicarem as fake news, entregando-as na palma da sua mão. Ainda mais num país assolado pela política de rancor, onde veículos de comunicação independentes e profissionais são demonizados, enquanto  as mentiras são propagadas como se fossem o evangelho. Ante um país com alguns dos mais ávidos produtores e consumidores de conteúdos nas redes sociais, os robôs e algoritmos cuidam do resto.

Poucos políticos entenderam tão bem o poder da desinformação quanto Bolsonaro, que em 2018 recorreu ao Facebook, WhatsApp e a milhões de seguidores conectados  às redes para transformar uma campanha frágil e desprovida de recursos em atalho para a presidência. A desinformação política disparou desde então, tanto na rede como fora dela.

Face à crescente desconfiança nas instituições democráticas, a integridade do até então insuspeito sistema eleitoral brasileiro está sob ataque. Mobilizado desde as eleições municipais de 2020, o Supremo Tribunal Eleitoral antecipou o problema ao criar comissões e observatórios especiais para monitorar as campanhas na web. Oito plataformas de redes sociais comprometeram-se a proteger as suas redes contra a desinformação.

Toda ajuda é bem-vinda. No entanto, as maiores plataformas de redes  tendem  a menosprezar os principais abusos digitais no mundo não anglófono. Isto pode ser em função dessas empresas responderem  não só às suas bases de clientes, mas também aos locais onde a regulamentação e o litígio as atingem mais duramente. Dessa forma, a inovação e o investimento em monitoramento de conteúdos e “machine learning” são dirigidos para os mercados de língua inglesa, negligenciando outras partes do mundo potencialmente mais vulneráveis a esse tipo de crime.

A campanha Bolsonaro para subverter o voto continua a ser um trabalho em curso

Isto cria um ponto cego para a mídia social na fronteira global da desinformação digital, do discurso de ódio e do extremismo online, com consequências concretas nos mercados emergentes, incluindo o Brasil.  Em setembro, a Global Witness, uma ONG que monitora violência, riscos ambientais e ameaças aos direitos cívicos e humanos, enviou ao Facebook 10 anúncios em português contendo informações falsas sobre a eleição. No entanto, 100% dos anúncios foram aprovados.  Ao repetir a experiência com o envio dos mesmos anúncios a três semanas das eleições de Outubro de 2022, observou-se que 40% dos posts ainda passaram pelos filtros, entre eles  um que sugeria que o Supremo Tribunal Eleitoral havia adulterado as urnas eletrônicas.

Diversos grupos cívicos brasileiros também alertam para a enxurrada de desinformação durante a eleição. Um deles, o NetLab, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, expôs campanhas de desinformação em canais como o WhatsApp e Telegram durante o período que antecedeu a eleição. Da mesma forma, o Sum of Us, comunidade online que faz campanha para responsabilizar as empresas em questões como direitos humanos e apropriação do poder corporativo, descreveu como o Meta abriga um ecossistema de postagens e anúncios projetados para subverter a democracia. Quase 100 universidades brasileiras, think tanks e ativistas digitais estão pedindo às empresas de redes sociais para estabelecerem esforços para proteger a integridade eleitoral. 

Apesar de todos esses esforços, a campanha de Bolsonaro segue na mesma toada. No entanto, apesar de toda a artilharia pesada que seus seguidores lançaram contra Lula, Bolsonaro perdeu o primeiro turno das eleições por mais de cinco pontos percentuais e segue cotado para perder o segundo. Mesmo assim, ele não dá o braço digital a torcer. Até agora, Bolsonaro e os seus seguidores não perderam a oportunidade de bombardear os brasileiros com fábulas sobre a Justiça “comprada”, urnas fraudadas e até uma suposta “sala secreta” de contagem de votos, tudo a serviço da esquerda brasileira, segundo ele.

Bolsonaro chega agora ao segundo turno, não apenas como sobrevivente, mas também com ar de injustiçado. Pois surpreendeu o país ao superar as previsões de todas as nove pesquisas independentes que deram como certa a vitória de Lula.

Em noite frustrante  para a esquerda, Lula levou 48,43 por cento dos votos contra  43,20 para Bolsonaro. Seus aliados, candidatos a postos legislativos e governos estaduais, também se saíram muito melhor do que o esperado, ganhando cargos de governador e lugares-chave no Congresso. Mudanças demográficas não detectadas e o voto útil em cima da hora podem ter induzido as empresas de pesquisa ao erro, mas não importa. Em tempos de pensamento mágico político, qualquer deslize ajuda a mover a já azeitada máquina de desinformação eleitoral.

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