No entanto, em 2022, a civilidade, o jogo limpo e o discurso público calcado em fatos cederam lugar à temporada de difamação política e pós-verdades. Um terço da população brasileira considera-se evangélica. Eles representam parcela crescente do eleitorado de 156 milhões de pessoas, especialmente entre os eleitores de baixa renda, que muitas vezes decidem as eleições. Bolsonaro sabe que precisa mais do que orações para vencer no segundo turno. Não surpreenderia se seus apoiadores continuassem a se curvar a bandeiras falsas e notícias falsas durante o segundo turno.
Não é de hoje que o Brasil conhece o poder da desinformação. Durante a primeira campanha presidencial de Lula, em 1989, pastores evangélicos o chamaram de "demônio", enquanto um candidato engomadinho advertiu que o petista não hesitaria em promover um confisco bancário, se eleito. Aconteceu justamente o contrário: Lula perdeu a corrida contra o preferido do mercado, Fernando Collor de Mello, apenas para ver o seu rival congelar as contas bancárias nacionais e mergulhar a economia no caos.
A narrativa inverteu-se em 2014, quando a sucessora de Lula – a então presidente em exercício, Dilma Rousseff — acusou a concorrente de esquerda, Marina Silva, de conspirar para ao fazer o jogo dos banqueiros e conceder autonomia ao Banco Central. Resposta de Silva: "Foi o PT que inventou a Fake News".
A diferença de hoje é que as redes sociais e smartphones omnipresentes ajudam os asseclas partidários e os "gabinetes de ódio" a multiplicarem as fake news, entregando-as na palma da sua mão. Ainda mais num país assolado pela política de rancor, onde veículos de comunicação independentes e profissionais são demonizados, enquanto as mentiras são propagadas como se fossem o evangelho. Ante um país com alguns dos mais ávidos produtores e consumidores de conteúdos nas redes sociais, os robôs e algoritmos cuidam do resto.
Poucos políticos entenderam tão bem o poder da desinformação quanto Bolsonaro, que em 2018 recorreu ao Facebook, WhatsApp e a milhões de seguidores conectados às redes para transformar uma campanha frágil e desprovida de recursos em atalho para a presidência. A desinformação política disparou desde então, tanto na rede como fora dela.
Face à crescente desconfiança nas instituições democráticas, a integridade do até então insuspeito sistema eleitoral brasileiro está sob ataque. Mobilizado desde as eleições municipais de 2020, o Supremo Tribunal Eleitoral antecipou o problema ao criar comissões e observatórios especiais para monitorar as campanhas na web. Oito plataformas de redes sociais comprometeram-se a proteger as suas redes contra a desinformação.
Toda ajuda é bem-vinda. No entanto, as maiores plataformas de redes tendem a menosprezar os principais abusos digitais no mundo não anglófono. Isto pode ser em função dessas empresas responderem não só às suas bases de clientes, mas também aos locais onde a regulamentação e o litígio as atingem mais duramente. Dessa forma, a inovação e o investimento em monitoramento de conteúdos e “machine learning” são dirigidos para os mercados de língua inglesa, negligenciando outras partes do mundo potencialmente mais vulneráveis a esse tipo de crime.
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