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É tempo de calá-los? Discurso de ódio entre políticos brasileiros ameaça população LGBT

Disseminados por aliados do 'Clã Bolsonaro', discursos de ódio são crescentemente usados para legitimar violência física e institucional contra minorias.

Marilia Heloisa Fraga Arantes
Marilia Arantes
14 Agosto 2020, 4.26
Jair Bolsonaro discute durante reunião na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, que debate proposta que pune a discriminação a homossexuais
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Márcia Kalume/Agência Senado

Esse é um problema anterior aos vergonhosos comentários de políticos conservadores contra a participação do ator transgênero Thammy Miranda em um comercial do Dia dos Pais este mês. E se nada for feito, casos extremos como o exílio do parlamentar Jean Wyllys em 2018, após ameaças relacionadas a sua sexualidade, podem tornar-se um lugar comum.

Esses dois eventos, entre a longa lista de casos lamentáveis dos últimos anos, põe em evidência como a disseminação de discursos de ódio entre políticos brasileiros já ultrapassou a barreira de ameaças emocionais e psicológicas. Disseminados por políticos, discursos de ódio são crescentemente usados para legitimar violência física e institucional contra minorias.

Não é mais sobre falas e tuítes inflamados, mas em violência direcionada.

Discursos de ódio são um dos instrumentos de concretização da homofobia, que aumentam as distâncias sociais pré-existentes e ameaçam a coesão social, levando a crimes de ódio. Tais expressões violentas alvejando minorias afetam o bem-estar psicológico de indivíduos, criam um pânico limitante da liberdade de movimento e de expressão e abrem caminho para a violência física.

Sobretudo, discursos de ódio não deveriam ser confundidos com liberdade de expressão. O primeiro é um ato de comunicação que desvaloriza a vítima sem exprimir uma opinião, mas sim incitando o ódio. É um discurso mirando indivíduos e grupos pertencentes a uma comunidade marginalizada. Em suma, não é uma questão de linguagem, mas de comunicação: vai além do valor simbólico das palavras, promovendo a troca e o entendimento de uma ideia ou ideologia.

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O direito à ‘liberdade de expressão’ é frequentemente usado por políticos como justificativa para discursos de ódio. Mas falas que promovem violência não devem ser mascaradas por eufemismos. Liberdade de expressão é, de fato, um direito fundamental, mas discurso de ódio é o abuso no exercício desses direitos. Liberdade de expressão garante às pessoas compartilhar opiniões críticas, enquanto discurso de ódio é nocivo e limita a expressão básica de indivíduos. Liberdade de expressão promove o diálogo e a diversidade; discursos de ódio ferem corpos e mentes.

Crenças ideológicas baseadas no ódio, como a de certos parlamentares brasileiros e mesmo do presidente Jair Bolsonaro, normalizam e legitimam essas práticas. Enquanto redes sociais aumentam a repercussão de discursos de ódio entre a sociedade civil, a disseminação dessa prática entre políticos é um fator agravante.

De fato, a sociedade civil é uma fonte poderosa desses discursos – incontáveis canais no YouTube e perfis do Twitter espalham ódio e violência contra minorias em seu conteúdo. Mas no contexto das instituições políticas, ainda maior atenção é necessária. Quando em posições conferidas de legitimidade – como a de parlamentares – torna-se mais fácil propagar discursos que legitimem o ódio.

Como um sinal dos tempos, políticos encontraram na internet e em redes sociais uma plataforma para a disseminação massiva de ódio.

Exemplos datam do recente supramencionado caso de Thammy Miranda, no qual entre outros infames ‘hate-speakers’, o parlamentar e filho do presidente Eduardo Bolsonaro é uma figura de destaque. Referindo-se a campanha, no Twitter, o parlamentar defendeu que o conteúdo teria uma “conduta totalmente atípica para padrões brasileiros”. Ainda, ele afirmou: “Mulher como garoto propaganda do dia dos pais. Depois homem para o dia das mães…”

Essa posição prega ódio e confusão em relação a identidade de indivíduos transgêneros. E não foi a primeira vez em que Eduardo Bolsonaro usou sua visibilidade como político para pregar ódio e preconceito contra a população LGBT. Eduardo foi eleito sob uma agenda conservadora e, como seu pai, rotineiramente dissemina discursos homofóbicos e odiosos contra LGBTs. Em um programa de TV, em 2019, ele comparou uniões homoafetivas a relações com cachorros, afirmando que esse tipo de amor não é capaz de fazer uma família.

Parlamentares não LGBTs também devem legislar em combate aos discursos de ódio

Um aliado do ‘Clã Bolsonaro’ é o pastor evangélico e parlamentar Marcos Feliciano, que foi condenado pelo Ministério Público em 2013 por homofobia, após declarar que “a podridão dos sentimentos homoafetivos leva ao ‘ódio, crime e rejeição”. Em 2019, após a votação do Supremo Tribunal Federal favorável à criminalização da homofobia, Feliciano declarou que esse tipo de ação “ameaça a liberdade de expressão das igrejas”.

Eduardo Bolsonaro e Marcos Feliciano não são casos isolados no Congresso brasileiro, mas sim exemplos proeminentes entre os membros da ‘renovação conservadora’, políticos que ascenderam em extrema defesa de uma agenda liberal e de valores conservadores. Nesse caso, sua visibilidade é usada em defesa de valores como a proteção do ‘cidadão de bem’ e para a propagação de visões hegemônicas de masculinidade e heteronormatividade.

O discurso de lideranças políticas contra a população LGBT visa a criação de pânico popular contra homossexuais, chamando seus eleitores a reproduzir esse tipo de violência. Eduardo Bolsonaro e Marcos Feliciano fortalecem o ódio popular ao criar medo entre seus apoiadores. Um ponto comum em seus discursos é a representação da população LGBT como uma ameaça a sociedade de bem e aos valores cristãos.

Políticos são representantes de todo o povo de uma nação – o que inclui minorias sexuais – e não podem legitimar o ódio. De fato, em algumas das situações descritas acima, medidas judiciais foram tomadas. Feliciano foi condenado legalmente por declarações homofóbicas, em 2013, e mesmo Jair Bolsonaro, autor de memoráveis declarações homofóbicas, foi condenado em 2015 quando ainda era um parlamentar. Mas grande parte do que dizem em redes sociais permanece impune, enquanto crimes de ódio propagam-se nas ruas inflamados por discursos de ódio.

A justiça pode conter os efeitos dos discursos de ódio, mas não é o suficiente para conter a disseminação do ódio. Embora políticos conservadores ascenderam após as eleições de 2018, também deve-se ter em mente que o número de parlamentares LGBT no Brasil também cresceu, revelando a demanda por representação política da população LGBT.

Contudo, os parlamentares LGBT não podem lutar sozinhos: aliados políticos são indispensáveis para conter o ódio. Parlamentares não LGBTs também devem legislar em combate aos discursos de ódio, e devem apelar aos outros poderes e à sociedade civil para pôr tais leis em prática. Uma agenda pelos direitos LGBT é uma agenda em defesa dos direitos básicos a todos.

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