democraciaAbierta

A esquerda ainda não está morta na Venezuela

Numa situação económica catastrófica, o Chavismo está a correr contra o tempo. Muito dependerá de como Maduro lide com um Parlamento controlado pela oposição, uma situação sem precedentes na história recente da Venezuela. English.

Raven Brown
12 Dezembro 2015
13155227305_5a215d4177_z.jpg

Protestas em Caracas, Venezuela. Flickr: some rights reserved.

No dia 6 de dezembro os Venezuelanos foram às urnas para dar um golpe no legado de Hugo Chávez e da Revolução Bolivariana. Mas, contrariamente ao que a maioria dos media estão relatando, apesar de supor um golpe forte para o Chavismo, não supõe um golpe mortal. A oposição, conhecida como a Mesa da Unidade Democrática (MUD), obteve uma maioria de dois terços, uma vitória incontestável que supõe obter 112 assentos parlamentários, enquanto o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) obteve somente 55 assentos. Isto coloca a oposição numa posição privilegiada para reverter os programas socialistas que conformam a agenda Chavista e de submeter o Presidente Nicolás Maduro, o sucessor de Chávez, a um referendo cujo objetivo é expulsá-lo do poder.

Depois dos resultados se tornarem públicos, o Presidente Maduro, disse, citando Hugo Chávez, que “a contrarrevolução triunfou ontem…por agora”, dando a entender que as eleições tinham sido um pequeno contratempo e que o Chavismo iria triunfar. O MUD organizou uma campanha superficial afirmando que tinham medo da violência e das violações dos direitos humanos, especialmente depois do assassinato do líder da oposição Luís Manuel Diaz no dia 25 de novembro. A sentença, em meados de setembro, que condenou Leopoldo López a mais de 13 anos de prisão (outro importante líder da oposição preso em Fevereiro de 2013), ajudou a sublinhar o punho de ferro com que Maduro tende a lidar com a oposição. Muitos argumentam que o MUD não estava verdadeiramente preocupado com a violência, ou os abusos de direitos humanos, mas que queriam sublinhar os problemas económicos aos que a maioria dos Venezuelanos se enfrenta.

É particularmente revelador o facto de que o MUD não se tenha focado em temas políticos mas sim na incapacidade do governo de Maduro de construir uma economia robusta. O MUD defendeu o slogan “mudança” sem chegar a especificar exatamente o que pretendem mudar. Assim, a eleição centrou-se mais nos graves problemas económicos aos que se enfrentam os Venezuelanos que num verdadeiro referendo sobre as políticas chavistas. Existem muitas razoes legítimas para que os Venezuelanos se encontrem descontentes com o estado das coisas no seu país, ainda sim, abraçando a oposição sem conhecer a sua verdadeira agenda política é provável que torne as coisas mais incertas, e provavelmente piores, para muitos Venezuelanos.

A vitória inicial de Chávez foi uma resposta ao facto de que a pobreza tinha quase duplicado na Venezuela entre 1981 e 1994 como resultado direto da divida interna e externa do país e da adoção do Consenso de Washington e das suas políticas neoliberais, as quais acabaram por reduzir a capacidade do governo de ajudar as pessoas e de redistribuir os imensos recursos deste petro-estado. Mais uma vez, foi a situação económica que acabou por alterar a mentalidade dos Venezuelanos.

Depois da vitória do candidato de direito Maurício Macri nas eleições presidenciais argentinas, e do sucesso do MUD na Venezuela, muitos media proclamaram a morte da esquerda latino-americana. Estão os esquerdistas em problemas? Sim. Mas Maduro pode também estar certo ao dizer que se trata apenas de um contratempo devido a uma fraca economia. Maduro dispõe de suficiente poder para preservar o Chavismo, a revolução bolivariana e o Partido Socialista Unido da Venezuela, mas terá que trabalhar muito se quiser preservar as suas hipóteses de ganhar as próximas eleições presidenciais que terão lugar em 2018.

Primeiro que tudo, com uma das maiores taxas de inflação do mundo (158.1% em 2015 segundo o FMI), com uma descida do PIB perto dos 10% (de longe a pior performance na região), uma enorme diferença entre a taxa de câmbio oficial ($1 US= 6.9 Bolívares) e a taxa de câmbio do mercado negro ($1 US= 800 bolívares), estes desequilíbrios económicos tem que se urgentemente resolvidos. Isto é mais fácil dizer do que fazer, mas agora que o PSUV perdeu as eleições parlamentares, Maduro pode considerar ajustar a taxa de câmbio oficial e tentar subir o salario mínimo. Apesar de ter rejeitado faze-lo anteriormente, uma vez que seria interpretado como uma derrota dentro da “guerra económica” na que se encontra a Venezuela, agora pode ser a altura ideal. Com o preço do barril de petróleo venezuelano avaliado em $34, a margem de manobra é reduzida. Mas se o preço do petróleo subir e a economía melhorar, ninguém em 2018 se lembrará desta “derrota”. O PSUV deveria também centrar-se em revigorar o apoio de base do Chavismo, deteriorado desde a prematura morte do líder carismático da revolução, cuja alta popularidade supunha uma contínua fonte de legitimidade.

Poderíamos argumentar que, uma vez que o Chavismo liderou a politica Venezuelana durante os últimos 17 anos e que Maduro só chegou a presidência depois da morte de Chávez, que os resultados eleitorais são mais uma rejeição da presidência de Maduro do que uma rejeição per se do Chavismo. Será possível que os venezuelanos não estejam a rejeitar os sindicatos, programas de alfabetização e outros programas sociais, mas sim rejeitando altas taxas de inflação e a escassez de bens básicos?

Se o Presidente e os seus aliados foram incapazes de fazer progredir a economia venezuelana, então Maduro será muito provavelmente incapaz de ser reeleito em 2018, e muito menos sobreviver a um referendo. Mas se forem capazes de recuperar as raízes do Chavismo e resolver o problema da hiperinflacção (que está a empobrecer as pessoas) e a enorme diferença entre o valor do bolívar oficial e o bolívar no mercado negro (que está a dividir a sociedade entre os que tem aceso ao dólar e os que não o tem), então há esperança.

E se as tentativas do MUD de reverter os programas sociais do Chavismo forem feitas de forma demasiado rápida, então o apoio que têm agora poderá vir a reduzir-se exponencialmente. Muitos na Venezuela argumentam que, devido à sua natureza ideológica heterógena, o MUD foi incapaz de criar um programa político, tendo confiado unicamente numa economía ruinosa e a repressão da oposição, levada a cabo por um poder judicial parcial. As sondagens refletem que a maioria do país (aproximadamente o mesmo número que a margem pela qual o MUD ganhou as eleições no dia 6 de dezembro- 56% vs 40%) apoia os objetivos sociais, que são um dos mecanismos políticos chave do Chavismo: subir o salario mínimo, estabilizar o preço da comida e garantir serviços sociais básicos.

Isto sublinha que os Venezuelanos não acreditam numa dependência exclusiva do mercado, mas que agora reagem perante uma situação económica catastrófica e querem ver melhoras. Os Venezuelanos rejeitaram o neoliberalismo no passado, e certamente rejeitá-lo-ão outra vez. Durante 17 anos, tanto perante a adversidade como perante a prosperidade, mostraram querer um país que forneça serviços básicos para todos, não só para alguns. Mas o Chavismo está a correr contra o tempo e muito depende de como Maduro lide com um Parlamento controlado pela oposição, uma situação sem precedentes na história recente da Venezuela. “Os maus-da-fita ganharam”; disse Maduro depois de reconhecer a derrota. Os “bons” tem agora uma última oportunidade para provar, ao trazer de volta a prosperidade e justiça social, que a esquerda ainda não está morta na Venezuela.

Assine nossa newsletter Acesse análises de qualidade sobre democracia, direitos humanos e inovação política na América Latina através do nosso boletim semanal Inscreva-me na newsletter

Comentários

Aceitamos comentários, por favor consulte ás orientações para comentários de openDemocracy
Audio available Bookmark Check Language Close Comments Download Facebook Link Email Newsletter Newsletter Play Print Share Twitter Youtube Search Instagram WhatsApp yourData