
Cristina Kirchner e Luiz Inácio Lula da Silva. 19 Novembro 2007. Fabio Rodrigues Pozzebom/A. Brasil/Wikimedia Commons. Alguns direitos reservados.
Lenin Moreno ganhou as eleições no Equador e a esquerda latino-americana respirou de alivio depois de vários contratempos seguidos. Ainda que não pareça mais que um suspiro, já que Lenin carece de carisma, dos recursos econômicos e do apoio popular necessários para continuar com a agenda correista. O desafio que se apresenta, no Equador e na maioria dos países da América Latina, não é o de resistir ao fim do ciclo progressista – processo com crescentes contradições e retrocessos –, mas sim o de como rearmar as forças que trabalham pelo mudança social progressista. Aqui há boas noticias, tendo em conta que o caminho está sendo mostrado às outras esquerdas que estão exercendo microevoluções a nível territorial. Os que ficam no poder, e os que querem voltar, deveriam tomar nota para se reinventarem e não perderem definitivamente a batalha contra o avanço firme da direita no continente.
Fim de ciclo
A onda que se iniciou com Chávez em 1999 foi uma proposta inovadora. Uma reação às políticas neoliberais e à necessidade de reconstruir a política frente à exigência social do “vão-se embora todos”. Evo Morales, Rafael Correa e Lula da Silva trouxeram novos atores ao sistema políticos, setores que nunca tinham sido parte dele, e o kirchnerismo ativou setores que vinham de uma longa apatia. A Bolívia e o Equador reformaram as suas constituições para incluir direitos dos indígenas e do meio-ambiente. Dezenas de milhões passaram a pertencer à classe média, ampliaram-se os serviços públicos e melhorou-se a distribuição da riqueza.
Os detratores explicam que esses avanços se deram graças aos elevados preços das commodities. Os tornaram possível, é verdade, mas não os explicam. Houve outros períodos na história com preços altos das commodities, como o modelo agro-mineiro exportador (entre 1870 e a Primeira Guerra Mundial), ou o da década dos anos 70, períodos muito questionáveis em relação ao avanço nos direitos. No entanto, no caso dos governos progressistas, essa agenda de ampliação de direitos existiu.
Claro, já vínhamos falando desde há uns anos do fim do ciclo progressista. A queda do preço das commodities revelou as contradições dos governos de esquerda da região. Alguns detratores, de esquerda e de direita, se queixam de que a maioria dos governos de esquerda consolidaram o modelo extrativista, retornando ao sector primário, assinando tratados de livre comercio e implementando planos de austeridade de tendência neoliberal, ao mesmo tempo que alienaram setores populares e grupos indígenas que anteriormente os apoiavam. O mais grave foi que, de alguma forma, tornaram-se numa força que deixou de olhar para o futuro. Pelo contrário, arraigaram-se nos governos, concentrando e verticalizando o poder, co-optando outras instituições e a midia e resistindo com fúria a qualquer tipo de critica. Ouvi em primeira pessoa a um dos principais construtores do Partido dos Trabalhadores no Brasil queixar-se dos “mal-agradecidos” que saíam para protestar. Vimos o luguismo pactuar recentemente com Horácio Cartes no Paraguai. Quer dizer, a esquerda deixou de ouvir as ruas. Nos casos mais extremos do chavismo e do sandinismo tardio, chegou-se à degradação absoluta.
Paralelamente, a direita reinventou-se. Deixou de ter um discurso sobre o passado e começou a prometer um futuro. Com discursos positivos e cheios de promessas, começaram a disputar espaços públicos organizando marchas, ou optaram por criar partidos políticos (o PRO na Argentina, o Partido NOVO no Brasil, o CREO no Equador, o Partido Anticorrupção nas Honduras), em vez de bater nas portas dos quartéis, como se fazia em outras épocas. Claro que isto permitiu que chegassem ao poder lideres vinculados com os Papéis do Panamá, que uma serie de deputados e senadores carregados de casos de corrupção expulsassem uma presidente por uma irregularidade administrativa, ou que um banqueiro vinculado à pior crise da história do Equador tenha tido aspirações presidenciais reais. Dessa vez, sem contradições, volta a agenda neoliberal, congela-se o gasto social, negocia-se de forma espartana o aumento salarial dos professores, enquanto se decreta o pagamento a credores internacionais e exime-se as companhias mineiras de impostos.
É por isso que é crucial que a esquerda (em todas as suas variantes) se renove. Isto não significa adotar uma perspectiva romântica, mas sim uma necessidade de reinvenção. Voltar a propor uma agenda de ampliação de direitos, de distribuição dos rendimentos, de autonomia política, de diversidade e de defesa da natureza. E executá-la.
Experimentação política
A boa noticia é que esta agenda já está em movimento. Não no establishment dos partidos, mas sim nas ruas. Uma constelação de iniciativas criativas está abrindo caminho, experimentando desde baixo com novas narrativas e formas de poder. Aos grupos e movimentos sociais tradicionais, que defendem os direitos humanos, a biodiversidade, as economias sustentáveis, a inclusão e a diversidade de gêneros, atualmente se somam atores que também disputam o poder político.
Os wikipolíticos de Guadalajara avançam numa estratégia nacional que propõe mudar a relação nociva entre o dinheiro e a política. E o propõem exercendo-a. Os anteriores lideres estudantis chilenos que hoje lutam no Congresso pela educação pública, estão formando o Frente Amplo, que inclui a experiência municipalista de Valparaíso. Ao mesmo tempo, Porto Alegre experimenta com candidaturas cidadãs. Também no Brasil, a Bancada Ativista reuniu-se no ano passado a uma multiplicidade de organizações para apoiar candidatos de diferentes partidos que tenham agendas de participação cidadã, inclusão de afrodescendentes, feministas e LGBTI. Na periferia colombiana, um grupo vinculado à Aliança Verde ganhou as eleições e implementou a primeira plataforma de governo aberto no país e experimenta na “cátedra futuro” métodos de educação criativa nas escolas públicas. No Nicarágua emerge um partido político que pretende se organizar através da “sociocracia”, uma metodologia de toma de decisões que evita a verticalidade. E todos olham com atenção para o outro lado do mar para as duas mulheres que lideram os municípios de Madrid e Barcelona, que constantemente inovam a através de mecanismos participativos e colaborativos de políticas publicas.
Por virtude, necessidade de sobrevivência, ou como estratégia, a esquerda necessariamente terá que voltar a ouvir as ruas. A possibilidade apresenta-se ao recentemente eleito Lenin Moreno, a Evo Morales na Bolívia e à Concertação Chile se quiserem manter o poder, ao PT e ao kirchnerismo se quiserem recuperá-lo, e Morena no México se quiser obtê-lo no ano que vem.
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