
Os activistas detidos, no tribunal. No meio (atrás), está Luaty Beirão. Coque Mukuta / Voice of America. Todos os direitos reservados.
“O medo destrói as pessoas. Corrompe mais que o dinheiro. O medo não é uma escolha. Não há como evitar sentir medo. Contudo, podemos escolher não nos rendermos a ele.”
- José Eduardo Agualusa, in “A Sociedade dos Sonhadores Involuntários”
Quando Luaty Beirão e seus companheiros foram presos por ler um livro, ouviu-se um imenso grito de protesto para exigir justiça e democracia. Como podem as pessoas ser presas por ler um livro? Onde acontece isso? Bem, como as pessoas descobriram, acontece em Angola.
Um dos países mais ricos de África - cuja cidade principal, Luanda, é a cidade mais cara do mundo - também é um dos mais empobrecidos e corruptos. Milhões de dólares gastos na reconstrução do país após a guerra civil - que terminou em 2002 - desapareceram misteriosamente dentro dos bolsos de cidadãos particulares. Aproximadamente 28 bilhões de dólaresdesapareceram entre 2002 e 2015, a filha do presidente tornou-se a primeira bilionária de África e seu filho foi nomeado presidente do fundo soberano do país. Enquanto isso, 94% das famílias rurais vivem em condições miseráveis, dois terços da população vive com menos de dois dólares por dia, o país sofre altos índices de mortalidade infantil e muitos angolanos não dispõe de acesso adequado a instalações de água potável e saneamento.
Como podem as pessoas ser presas por ler um livro? Onde acontece isso? Bem, como as pessoas descobriram, acontece em Angola.
Não são revus. São sonhadores.
Perceber como muitos angolanos se mantêm impassíveis enquanto um homem e o seu circulo perpetuam um regime cleptocrático não é fácil. Como podem ignorar o que aconteceu há 38 anos, quando José Eduardo Dos Santos se tornou presidente? Como podem ignorar décadas de corrupção, violência, fraude eleitoral e censura?
É difícil determinar onde o medo acaba e a apatia começa. Mas quando os revus - nome abreviado para revolucionários em Angola - foram presos por ler From Dictatorship to Democracy, A Conceptual Framework for Liberation”, de Gene Sharp, e acusados de conspirar para organizar um golpe de Estado para derrubar o Presidente José Eduardo dos Santos, algo inesperado aconteceu. A sociedade civil reagiu. E com o apoio dos meios de comunicação internacionais e aproveitando ao máximo a cobertura mediática, Luaty Beirão e os 16 activistas fizeram tremer os pilares dum regime até então aparentemente sólido.
É difícil determinar onde o medo acaba e a apatia começa.
O caso 15+2 ficou manchado por irregularidades e infracções processais, tendo acabado com os activistas condenados por acusações diferentes das inicialmente formuladas. As acusações de conspirar para cometer um golpe de estado foram abandonadas. No entanto, o governo de Angola cometeu um erro: a perseguição aos jovens mostrou ao mundo que o regime de Luanda tinha medo de 17 activistas de direitos humanos que se reuniram para discutir o futuro do seu país. O regime demonstrou ter medo de livros.
Depois desta perseguição, as pessoas realmente acreditavam que as coisas iriam mudar. Mas não mudaram. Os activistas e defensores dos direitos humanos continuam sozinhos e o regime continua escondido detrás duma máscara democrática. O ímpeto criado pela greve de fome de Luaty, a pressão internacional e a atenção dos meios de comunicação perderam-se. A agitação em torno aos revus acabou por não promover uma luta pela democracia em Angola. Após a libertação dos mesmos, o assunto perdeu o interesse e tudo voltou ao normal. Os políticos - mesmo aqueles na oposição - recusaram-se a cortar os laços com o regime. Mostraram-se dispostos a participar em eleições injustas. Recusaram-se a perder seus benefícios em troca de um país democrático e livre. O revus, mais uma vez, estavam sozinhos. E, portanto, as coisas não mudaram.

O sol da tarde reflectido num musseque na periferia de Luanda, Angola. Jeff Widener/Zuma Press/PA Images. Todos os direitos reservados.
"São malucos, não mostram medo”
Mas como José Eduardo Agualusa escreve no seu último livro, “A Sociedade dos Sonhadores Involuntários”, temos que acreditar no poder dos sonhos para ser revolucionários, para ser transformadores. Os activistas presos sonharam com um Angola democrática. Com a liberdade. Com os direitos humanos. Com um futuro onde cabem todos os Angolanos. O problema é que a sociedade angolana não sonhou com eles. Mas talvez tenha chegado o momento de o fazerem.
Os activistas presos sonharam com um Angola democrática. O problema é que a sociedade angolana não sonhou com eles.
José Eduardo dos Santos abandonará o poder depois de trinta e oito anos. Pode manter o controlo do partido, escolher os candidatos ao parlamento e nomear funcionários-chave, mas a sua etapa como Presidente de Angola está a terminar. João Lourenço, ex-soldado, tecnocrata e vice-presidente do MPLA suceder-lhe-á. E muitos duvidam da sua capacidade de manter o partido - e o país – unido.
Angola encontra-se ante uma transição. No entanto, não será uma transição de regime se a sociedade civil e a oposição não fizerem alguma coisa para isso. A crise económica que vive e a dependência do petróleo, juntamente com uma classe média urbana empobrecida e o agravamento das condições sociais e económicas podem despoletar problemas políticos e sociais. Evitar isto e abrir caminho para a democracia exigirá um exercício em responsabilidade e diplomacia. E não será possível se os angolanos não desenvolverem uma consciência política madura e estiverem dispostos a participar activamente na procura dum futuro democrático e pacífico para o seu país.
Angola encontra-se ante uma transição. No entanto, não será uma transição de regime se a sociedade civil e a oposição não fizerem alguma coisa para isso.
Mas não os devemos abandonar à sua sorte. A saída de José Eduardo dos Santos apresenta uma oportunidade para a comunidade internacional, em particular para as Nações Unidas, para União Europeia e para os países africanos para pressionarem o regime a abrir as portas a uma verdadeira democracia. Impor condições sobre o comércio e as relações diplomáticas serão medidas atacadas por muitos por ser neocolonialistas e como um ataque à soberania de Angola. Discordo. Entendê-las-ia como uma defesa dos direitos humanos e da liberdade num país onde o próprio governo os vulnera. Muitos daqueles que recorrem a este tipo de argumentos são os mesmos que olharam para o outro lado durante as últimas quatro décadas. E que pouco se importam como o futuro de Angola e da maioria dos Angolanos. É por este motivo que os meios de comunicação independentes também têm um papel a desempenhar: devem explicar como é viver em Luanda. Como é viver nos musseques. Como as crianças morrem devido a doenças evitáveis. Como milhões destinados a reconstruir o país acabaram em mãos privadas. O que é um prisioneiro político. E porque ser um não depende da sua ideologia, afiliação ou nacionalidade.
“Eles não têm medo! Esses miúdos não têm medo! Onde já se viu? São malucos, não mostram medo, e isso é uma doença contagiosa”.
José Eduardo dos Santos está de saída. Uma transição terá lugar. Que tipo de transição e para o quê ainda está por ver. Mas a revus não devem ser, mais uma vez, abandonados à sua sorte. Eles querem eleições livres, direitos humanos e democracia. Isso é o que todos nós queremos. Mas eles estão dispostos a lutar por isso. Como diz o Presidente de Angola, no livro de Agualusa:
“Eles não têm medo! Esses miúdos não têm medo! Onde já se viu? São malucos, não mostram medo, e isso é uma doença contagiosa”.
Claro que eles têm medo. Mas decidiram resistir-lhe. Se dezassete activistas conseguem desestabilizar um regime cujo modus operandi é reprimir e perseguir violentamente aqueles que lutam pela democracia e pela liberdade, o que podem fazer 22 milhões de angolanos?
O novo livro de José Eduardo Agualusa inspirou-me a acreditar que a mudança – também a mudança política – pode surgir de diferentes fontes. Uma delas são os sonhos. Luaty e todos os revus têm um sonho para Angola. Sonhará o seu país com eles?
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