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O Movimento dos Sem-Terra (MST) e a tripla crise do Brasil

O Brasil enfrenta-se atualmente a uma tripla crise- económica, urbana e política. O governo está a responder através de uma série de medidas políticas de classe, afirma o MST. English. Español.

François Houtart
26 Outubro 2015
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Protestos de membros do MST. "Agência Brasil". Licensed under Copyrighted free use via Commons

A crise económica mundial que afeta o Brasil teve graves consequências políticas. Os cortes nos programas de infraestruturas e políticas sociais estão na ordem do dia. Começou com a privatização da educação. Os Estados que foram, no passado, símbolos do PT, como o estado de Rio Grande do Sul (agora governado pelo PMDB, um partido de centro-direita aliado federalmente com o PT) e o estado de Paraná (com um governador do PSDP, partido social democrata de F.H. Cardoso) adoptam agora medidas neoliberais tanto em áreas económicas como sociais.

A popularidade da presidente Dilma Rousseff encontrasse por debaixo dos 10%. Entre o dia 21 e 25 de setembro, o MST organizou em Brasília o segundo encontro nacional de educadores e educadoras da reforma agraria. Tratam-se de professores de todos os níveis, desde a alfabetização passando pela escola primária, até à universidade, que se dedicam à educação nos enclaves do MST e de outros movimentos rurais. Os programas são apoiados pelo Estado e diversos acordos foram assinados com universidades, principalmente estatais. Desde o princípio desta iniciativa em 1998, dezenas de milhares de alunos passaram por este sistema educativo.

A dimensão política do momento este presente neste encontro. Dois ministros assistiram à sessão de inauguração; o ministro da Educação e do Desenvolvimento Rural. Este último, do Partido do Trabalho (PT), antigo Ministro do Bem-Estar social e responsável pelos programas de luta contra a pobreza (bolsa familiar entre outros), esta supostamente a fazer de contrapeso à Ministra da Agricultura, defensora dos “ruralistas” ou grandes proprietários, apesar de que o seu orçamento representa uma mínima parte deste ministério.

Na sua intervenção, Joao Pedro Stedile, fundado do Movimento, falou claramente da conjetura sócio-política: devemos lutar contra as políticas neoliberais, porque as mesmas são uma estratégia de classe. Realmente, a situação é confusa, porque no Brasil atual, nenhuma classe social tem a hegemonia, o que acaba provocando alianças políticas duvidosas e projetos políticos contraditórios.

A tripla crise do Brasil

Segundo o mesmo, a crise atual do país é tripla. A primeira crise é de ordem económica e tem como origem o sistema capitalista mundial, que acentuou durante os últimos 15 anos a dependência da economia brasileira do exterior: uma “reprimeirização” e relativa desindustrialização. O Brasil não cresce mais. A burguesia produtora orientasse agora em direção à especulação financeira. Em pouco tempo mais de 200 mil milhões de dólares saíram do pais. As empresas transnacionais reinvestem no exterior.

A segunda é uma crise urbana, com vários aspetos: um transporte caro e de má qualidade, o preço das casas, a educação superior que absorve somente o 15% dos provenientes do ciclo secundário. Outro orador do encontrou assinalou que cada ano umas 40.000 pessoas são assassinadas, a maioria delas jovens, pobres, negros e que 50.000 pessoas foram dadas como desaparecidas. Devemos recordar também que no Brasil persiste uma sociedade de desigualdades extremas. Os ricos vivem noutro mundo. É o segundo país do mundo com mais helicópteros privados, depois dos Estados Unidos.

A terceira é uma crise política. O sistema eleitoral supõe o sequestro da vontade popular e permite uma desproporcional representação dos latifundiários. A corrupção afetou os partidos do Governo, o PT, mas ainda mais o PMDB (Partido Movimento Democrático do Brasil), de centro-direita, em aliança com o Partido do Trabalho e que controlam a vice-presidência e direção do senado. Explicasse deste modo, em grande parte, a perda de credibilidade da Presidente que está agora por debaixo dos 7%.

João Pedro Stedile concluiu que o povo deve reconstruir o seu espaço nas ruas, e não tanto através da política institucional. Já no congresso de 2014, o MST tinha anunciado o recomeço das ocupações de terras e nalguns meses centenas de ações tiveram lugar, inclusive sobre as terras de um ministro do governo. Felizmente, não houve incidentes graves. Stedile disse também que frente à supressão das escolas rurais pelos militares, cada escola fechada implicaria uma ocupação de uma sede municipal (prefeitura). Pediu solidariedade para com operários do petróleo que estão em greve, não em busca dum aumento salários, mas sim para defender que uma parte justa da renda petrolífera se destine à educação. Finalmente, recordou que a Reforma Agrária Popular se constitui como o objetivo fundamental do movimento, perante a concentração das terras para o monocultivo, sendo a agroecologia o seu princípio básico.  

Dilma não é uma política de esquerda

Coincidindo no tempo, um artículo de Marcelo Carcanholo, presidente da Associação Latino-americana de economia politica e pensamento critico, foi publicado na revista online Izquierda e titulado: “Por que é que o governo de Dilma não é de esquerda? A economia política dos governos do PT” (Izquierda, 57, Setembro 2015, 41-45).

Segundo este analista, Lula não alterou a lógica económica do seu predecessor para não perder a credibilidade dos mercados e ampliou certas reformas estruturais em benefício daqueles. Aproveitou a conjetura internacional favorável para elevar as taxas de crescimento sem pressões inflacionistas e para desenvolver políticas sociais compensatórias. Isto sucedeu no período 2002-2007.

O resultado foi anteriormente exposto: a reprimeirização e desindustrialização relativa, ou seja, uma grande vulnerabilidade em relação ao exterior. A alteração da conjetura provocou efeitos imediatos. Para responder à crise de 2007-2008, decretou-se uma exoneração tributária, uma expansão do crédito e protegeram- os mercados de garantias: uma tímida medida anti-cíclica no meio de um oceano liberal. A meio prazo isso acentuou o deficit fiscal, provocou o endividamento das famílias e preparou o terreno para um ajuste ortodoxo.

Pelo contrário, um político de esquerdas teria rompido com as estruturas neoliberais, reduzindo a vulnerabilidade estrutural em relação ao exterior, promovendo uma modificação na concentração da renda, uma ampliação dos mercados interiores e uma expansão da integração regional mais além dos acordos comerciais. Teria adotado também políticas sociais públicas que transcendessem as meras medidas compensatórias, as quais provêm em última instância da ampliação das reformas neoliberais.

A conclusão de Carcanholo é que Dilma não é uma política de esquerda, porque isto nunca foi o objetivo e porque a aliança politica e de classe do PT não quis tal coisa. Se determinados intelectuais podem pensar que esta posição é demasiado radical, a experiência do MST no terreno tende a confirmar a sua pertinência.

Publicado por primeira vez na Rebelión.

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