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Os oráculos da chuva em tempos de instabilidade climática

Graças à orientação científica, alguns agricultores colombianos estão aprendendo a prever o clima para suas colheitas

Juanita Rico
20 Março 2023, 8.48
O Centro Internacional de Agricultura Tropical desenvolveu um projeto que reune informações estatísticas que ajudam a identificar como e quando cultivar com base em dados passados ​​e presentes
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Getty Images

Entre abril e maio de 2014, os arrozeiro colombianos de Montería e Cereté semearam suas lavouras, como de costume. Mas a chuva não veio. Em agosto, mês da colheita, não havia um único grão que colher. No entanto, um grupo de 179 camponeses que possuem 2 mil hectares nestas duas regiões de Córdoba conseguiram driblar a catástrofe. Naquele ano, os agricultores optaram por não semear durante esses dois meses, evitando perdas que poderiam chegar a US$ 37 milhões.

Um semestre depois, apesar das evidências, a história repetiu-se: centenas de agricultores semearam em setembro, como dita a tradição agrícola. Fracassaram uma segunda vez, enquanto os mesmos 179 camponeses cultivaram em novembro e colheram em março.

A situação repetiu-se em todo o país, mas sem exceção positiva: milhões de camponeses cultivaram nos tempos em que sempre o fizeram, seguindo os ensinamentos de seus pais e avós, e acabaram sem colheita e sem dinheiro para viver.

A Colômbia é um país onde 80% dos alimentos consumidos são produzidos por camponeses, o que significa que, se eles não puderem colher suas safras, todo o país poderá sofrer escassez. O que os 179 agricultores que conseguiram salvar suas colheitas fizeram de diferente? Usaram a ciência.

Um piloto que olhou para o futuro

A Colômbia é um país bimodal: tem duas estações chuvosas e duas secas. De acordo com esse modelo, chove de abril a junho e de agosto a novembro, havendo seca entre janeiro e março e entre julho e dezembro. No entanto, as mudanças climáticas vêm gerando alterações na bimodalidade, tornando as estações imprevisíveis.

Não poder prever o tempo tem como consequência a situação de Cereté e Montería: milhares de colheitas perdidas

Nas cidades, as mudanças climáticas resultam sobretudo em mais chuva. No campo, as variações são mais preocupantes porque os agricultores usam a sazonalidade bimodal para definir quando plantar e quando colher. Não poder prever o tempo tem como consequência a situação de Cereté e Montería: milhares de colheitas perdidas.

E embora tenha baixas emissões de gases de efeito estufa, a Colômbia é altamente vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas. Para enfrentá-los, o país deve concentrar seus esforços — e dinheiro — em se adaptar a essa realidade.

Para ajudar os camponeses do país, o Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat) desenvolveu, em 2014, um projeto de adaptação às mudanças climáticas. Através de informações estatísticas do governo e sindicatos de agricultores, o plano piloto gera modelos tecnológicos que ajudam a identificar como e quando cultivar com base em dados passados ​​e presentes.

Por exemplo, dados estatísticos sobre as variedades de arroz que se comportaram melhor durante as secas de 1997 ou sobre os grãos que resistiram melhor às chuvas ao longo do tempo ajudam os agricultores a decidir qual variedade cultivar.

Com essa mesma análise, o Ciat – que faz pesquisas colaborativas para melhorar a produtividade agrícola e o manejo de recursos naturais em países tropicais em desenvolvimento – passou a fazer previsões precisas sobre o clima para os próximos cinco ou seis meses.

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Para testar seu piloto no território, o Ciat optou por abordar os arrozeiros do país por dois motivos: primeiro, eles são o grupo de camponeses que mais depende da água para suas lavouras; segundo, o Fedearroz, o sindicato que os reúne, tem mais de três décadas de informações armazenadas sobre datas de plantio e colheita em todo o território nacional.

Com informações do Ciat, junto com Fedearroz e o Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (Ideam), que usa big data para extrair padrões confiáveis, puderam orientar os 179 agricultores de Montería e Cereté sobre quando cultivar. O piloto foi um sucesso. O êxito foi tão estrondoso que recebeu o prêmio de melhor trabalho sobre mudanças climáticas e dados da Organização das Nações Unidas, em 2014.

A partir desse momento, Ciat e Ideam continuaram seu trabalho para apoiar os agricultores colombianos a enfrentar a mudança climática e salvar suas colheitas por meio de processos regenerativos, como inovação e adaptação.

Para levá-lo a todo o país, o centro de investigação e o Ministério da Agricultura criaram uma página web onde todos pudessem consultar as previsões agro-climáticas. Assim nasceu Aclimate Colombia, que cumpre exatamente esse papel. Oito anos depois, o projeto se tornou algo muito mais avançado, prático e imediato para os agricultores: um aplicativo.

Melisa, inteligência artificial que salva colheitas

Na mitologia grega, Deméter, a deusa da agricultura e criadora das estações, tinha um séquito de sacerdotisas chamadas 'Melisas', que operavam como mediadoras entre os humanos e a deusa do clima e das colheitas.

Em homenagem a essas mediadoras, o Ciat, juntamente com a Bioversity International, lançou em junho de 2022 o aplicativo móvel Melisa Chatbot, um sistema de inteligência artificial que fornece previsões agroclimáticas aos agricultores.

Melisa obtém as previsões meteorológicas da Aclimate Colombia. Funciona no WhatsApp, Facebook e Telegram. Basta o usuário perguntar, por exemplo, "qual é a previsão do tempo em Palmira?", ao que ela responderá que, para o trimestre de junho, julho e agosto de 2022, há uma probabilidade de 74,8% de chuva acima da média histórica.

A mudança climática é uma realidade inescapável. Projetos como os do Ciat, no entanto, são ferramentas práticas para o campesinato — coração agrícola de qualquer país — enfrentá-la. Aclimate Colombia e Melisa são a prova de que a ciência é a resposta para alcançar o desenvolvimento regenerativo na Colômbia — e em qualquer país.

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