
Tomada de posse de Maurício Macri - 10/12/2015. Magalí Iglesias/Flickr. Some rights reserved.
Muitas explicações foram oferecidas sobre a surpreendente derrota do Frente para Vitória (FPV, uma coligação de centro-esquerda fundada por Nestor e Cristina Kirchner com raízes no movimento político fundado por Juan Perón) na segunda volta das eleições presidenciais Argentinas de 2015 frente à coligação Cambiemos (uma coligação de centro-direita liderada por ex-chefe de Governo da Cidade de Buenos Aires, Mauricio Macri, herdeiro da fortuna Macri). Tendo em conta que estas explicações são insuficientes, argumento que o motivo pelo qual o FPV perdeu as eleições deve-se a que não compreendeu que a sociedade Argentina está cansada do tom duro e confrontacional que caracterizou os governos do FPV e que a mesma pedia uma mudança tanto de tom como de estilo por parte do executivo.
A inesperada promessa de Cambiemos de manter as políticas económicas e sociais chaves da última década demostram que as pessoas estavam em geral satisfeitas com as transformações introduzidas pelos governos de Nestor e Cristina Kirchner. Em consequência, pese a ter ganho as eleições, Cambiemos não obteve um mandato para reverter as transformações económicas e sociais dos anos dos Kirchner, as quais Macri criticou durante os últimos 10 anos.
Há oito razoes que são dadas para explicar a derrota do FNV, ou se quiserem, a vitória de Cambiemos. Primeiro, as pessoas cansaram-se de Cristina Kirchner. Segundo, as pessoas votaram tendo em conta as denúncias e suspeitas de corrupção que pesam sobre o FPV. Terceiro, que a responsável da derrota do FPV foi a situação económica. Quinto, que as primárias deixaram um FPV dividido internamente. Sexto, que o candidato do FPV, Daniel Scioli, não representava a essência do projeto kirchnerista. Sétimo, que Cambiemos representava a mudança natural exigida pelo povo argentino. E oitavo, que simplesmente os votantes estavam em contra as principais políticas sociais dos governos FPV e pediam uma mudança de rumo.
Contudo, todas estas explicações são insuficientes. Primeiro, Cristina Fernández abandona o cargo com uma taxa de aprovação superior ao 50%, sendo em termos comparativos a Presidente cessante mais popular depois do seu marido, Nestor Kirchner. Segundo, as acusações e corrupção acompanharam tanto Cambiemos como o FPV durante a campanha – existindo inclusive renuncias em plena campanha por casos de corrupção na lista de Cambiemos pela província de Buenos Aires, em particular a de Fernando Niembro. Terceiro, as expectativas económicas pessoais de 65% dos argentinos são positivas e o desemprego e a pobreza encontram-se em mínimos históricos. Quarto, a liderança indiscutível da Presidente Cristina Kirchner dentro do FPV não deu lugar a confrontações dentro do oficialismo, que se apresentou ás eleições sem sequer passar primeiro por primárias. Quinto, frente aos meios opositores, o oficialismo contava não são com meios aliados e jornalistas militantes, mas também com a penetrante presença da mensagem oficial no monopólio público das transmissões televisivas da liga argentina de futebol– recursos que os outros governos progressistas da região só podem sonhar com. Sexto, Daniel Scioli, vice-presidente do Nestor Kirchner e duas vezes Governador da província de Buenos Aires, é dos poucos políticos com permanente visibilidade pública que se encontram alinhados com o oficialismo desde a chegada do Kirchnerismo à ribalta internacional em 2002. Sétimo, um fraturado PRO, o partido eixo de Cambiemos, esteve perto de perder a Cidade de Buenos Aires nas eleições para eleger o chefe de Governo neste ano, e não tinha conseguido até 2015 expandir-se mais alem da cidade mais rica da Argentina. Finalmente, o próprio Maurício Macri mudou de rumo na direção do peronismo kirchnerista depois das eleições PASO (primarias abertas simultâneas e obrigatórias), prometendo manter os principais eixos sociais e económicos do oficialismo se fosse eleito e chegando inclusive a inaugurar a primeira estátua em honra do General Perón na cidade de Buenos Aires.
O motivo principal pelo qual o FPV perdeu as eleições presidências por 700 mil votos deve-se a não saber, poder, ou querer oferecer uma mudança de tom e de formas no discurso público que a sociedade Argentina exigia. Curiosa e fatalmente, Scioli não conseguiu transpor à campanha do FPV o seu maior capital político obtido na última década: a sua capacidade de diálogo e entendimento. Assim, apesar de que Scioli se tenha mantido como uma figura dialogante dentro do FPV, a sua voz terminou por ser tapada por um coro oficial que manteve o duro estilo confrontacional que caracterizou o Kirchnerismo. Esse tom, que demonstrou ser o adequado nas últimas três eleições presidências, não era o que a maioria das pessoas queria ouvir, ao sentir-se já longe da crise económica, social e política de 2001. O tom duro e confrontacional do kirchnerismo serviu outrora para levar a cabo as difíceis reformas que conseguiram levantar a Argentina, mas deixou de ser o adequado uma vez que a pessoas se esqueceram que até há pouco tempo estávamos a beira do abismo.
Depois de quase perder o controlo da Cidade de Buenos Aires perante um dos ex-ministros de Economia de Cristina Kirchner, nomeado como embaixador ante os Estados Unidos, Martin Losteau, Cambiemos mudou de rumo e decidiu fazer sua a base fundamental do modelo económico e social kirchnerista prometendo a continuidade dos planos sociais e a não privatização das empresas públicas. Inteligentemente, Macri retirou do debate público aqueles porta-vozes e políticos que pudessem evidenciar as infinitas contradições desta mudança de rumo, prometendo alem disso diálogo e entendimento e o fim do tom confrontacional do oficialismo cessante. Convém notar como o gabinete anunciado por Macri, repleto daqueles porta-vozes silenciados, demonstra que a mudança retórica de rumo eleitoral de Cambiemos foi simplesmente isso: retórica e eleitoral. Por exemplo, pela primeira vez numa década, o recentemente nomeado Ministro das Finanças anunciou que o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos tinha sido informado do plano económico do novo Presidente antes do Congresso Nacional.
As ofertas eleitorais do FPV e Cambiemos demonstram que a maioria dos votantes quer a continuidade das políticas sociais e económicas fundamentais do kirchnerismo. De aí, que o oficialismo tenha ficado descolocado. Não entendeu a tempo o alcance da mudança de rumo kirchnerista de Macri e continou com a confrontação num eixo, o modelo económico e social, no qual já não havia oposição retórica.
Em consonância, o segundo erro do oficialismo foi não compreender a tempo as implicações da oferta de mudança de tom feita por Cambiemos em campanha. Macri, quem até há uns poucos anos tinha uma taxa de aprovação de tão só 13% a nível nacional e quem em 2010 tinha brincado com a necessidade de atirar o ex-Presidente Nestor Kirchner pela janela de um comboio para ganhar as eleições, propôs que o que se elegia nestas eleições fossem os tons e as formas que os Argentinos queria ver refletidas no seu executivo, e não a conquistas sociais e econômicas dos últimos anos. Macri propôs diálogo, entendimento e o fim da confrontação. Ironicamente, Scioli era, entre os oficialistas, quem melhor sabia mexer-se nesta área. Mas não soube interpretá-lo quando mais crucial era.
Por vontade, liderança ou erro próprio, Scioli não conseguir impor o “estilo Scioli” à campanha do FPV. Os porta-vozes habituais do oficialismo nunca abandonaram o seu tradicional estilo duro e confrontacional que demostrou ser, nestas eleições, claramente extemporâneo. Por isso perdeu o FPV.
Duas conclusões acompanham as linhas precedentes. Primeiro, manter o tom duro e confrontacional só ajudará o FPV a manter a sua base mais mobilizada. Segundo, o facto que Macri tenha ganho as eleições prometendo não mudar muitas das políticas que durante 10 anos explicou que se tinham que mudar, implica que a sua legitimação para realizar reformas mais profundas está, em consequência, limitada.
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