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Príncipe Philip: com sua morte, nacionalismo anglo-britânico fica próximo do fim

Ele unificou TV, tabloides e monarquia. Mas isso não é suficiente para as gerações jovens – como Harry e Meghan sabem.

Adam Ramsay
Adam Ramsay
9 Abril 2021, 4.41
Philip Mountbatten Windsor com Elizabeth Windsor, 2015
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Myles Cullen/Domínio Público

No ano anterior ao nascimento do príncipe Philip, 1920, o império britânico era o maior que havia existido. No ano seguinte ao seu nascimento, 1922, Charles Francis Jenkins demonstrou os primeiros princípios da televisão.

As mudanças impulsionadas pela descolonização e a invenção da mídia moderna poderiam facilmente ter acabado com o reinado da Casa de Windsor. Mas o sucesso da monarquia britânica na transição dos governantes divinos no ápice do maior império da história para as celebridades no centro de um projeto nacionalista moderno construído na televisão e nos tabloides foi, em grande parte, por causa do duque de Edimburgo, que morreu hoje aos 99 anos.

Como presidente do comitê de coroação da rainha em 1953, Philip propôs uma ideia radical: por que não televisioná-la? O resultado foi o programa de televisão mais assistido da história na época, fazendo mais do que qualquer outra coisa por transformar a televisão em um meio de comunicação dominante.

No dia seguinte, um jornalista do Daily Express escreveu que o programa "estabeleceu novos padrões brilhantes na ligação da coroa com o povo". Os telespectadores, disse ele, "virtualmente cavalgaram com a rainha por Londres e ficaram perto dela na própria Abadia".

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Ao capturar um público tão vasto e diretamente – ou assim parecia – envolvê-los nos outrora distantes rituais do Estado, Philip criou um fenômeno totalmente novo. E a tensão entre as instituições que ele unificou – TV, os tabloides e monarquia – tornou-se o tripé no qual o nacionalismo anglo-britânico se sustentou enquanto o império se desmoronava.

A função decorativa da monarquia sempre teve o papel de mascarar a violência do Estado, e Philip desempenhou um papel vital para dar vida a essa narrativa no século 20

Philip também se tornou um ícone dessa visão de mundo: suas "piadas" racistas eram cuidadosamente proferidas em tom atrevido, como se fosse um menino impertinente zombando de algum tipo de poder, quando na realidade era ele que tinha o poder. É um tom que ele aperfeiçoou: Lembro-me dele usando-o nas três ocasiões em que o conheci. Mas elas escondiam algo mais insidioso.

O tio e mentor de Philip, Louis Mountbatten, foi o homem que fez mais do que qualquer outro para dividir a Índia. De fato, é extraordinário que William Windsor tenha batizado seu terceiro filho de Louis em homenagem a um dos maiores criminosos do antigo império e, no entanto, afirme que a monarquia "não é, absolutamente, uma família racista".

As atrocidades do falecido império britânico – desde campos de concentração na Malásia até castrações no Quênia – foram silenciosamente ignoradas. A função decorativa da monarquia sempre teve o papel de mascarar a violência do Estado, e Philip desempenhou um papel vital para dar vida a essa narrativa no século 20.

Se as nações modernas são comunidades imaginárias convocadas pela mídia e os estados feudais eram assuntos familiares, então a nova relação que ele criou fundiu as duas, dando origem a uma herança gaudiosa de churchillismo, revisionismo imperial, thatcherismo e, mais recentemente, o Brexit.

É claro que esta relação sempre foi tensa. Mas foi Diana quem a domou brevemente, antes de que a matasse. Como Anthony Barnett argumentou em seu livro "The Lure of Greatness" (A atração da grandeza, em tradução livre), ela se transformou na primeira celebridade populista, por quem Trump era obcecado.

O padrinho do nacionalismo anglo-britânico morreu no momento em que ele entra em crise, com tumultos na Irlanda do Norte enquanto os legalistas observam o risco da união da Irlanda, eleições na Escócia que provavelmente farão avançar o movimento pela independência, a divisão causado por Harry e Meghan e uma profunda perda de fé na classe dominante britânica.

O padrinho do nacionalismo anglo-britânico morreu no momento em que ele entra em crise

E, portanto, podemos esperar que as instituições da nação anglo-britânica propaguem desesperadamente sua mensagem habitual. Nicholas Witchell, da BBC, um fanático beligerante da propaganda monárquica, já está se prostrando na televisão. Amanhã, os tabloides escorrerão vermelho, branco e azul. Os políticos conservadores e as figuras trabalhistas que gostam de se esconder atrás deles irão berrar lagrimas de tristeza.

Mas a realidade é que pessoas de 99 anos morrem e suas eras se dissipam.

A TV e os tabloides não são mais os formatos vívidos e empolgantes de antes. Eles foram substituídos por mídias sociais e sites de streaming, que formaram diferentes tipos de público: públicos que não se satisfazem com simplesmente assistir aos assuntos de Estado, mas insistem em participar deles; públicos que dificilmente existem dentro das fronteiras nacionais e não se encaixam em um "nós" unificado. Públicos que formam suas compreensões do mundo através de suas conexões uns com os outros. Públicos que, no caso de "The Crown" da Netflix, podem agora acessar a uma versão menos propagandeada de sua história do que a imprensa britânica apresenta.

A separação de Harry e Meghan da família real foi impulsionada por esta divisão: eles não tolerariam estar vinculados ao racismo tóxico da Grã-Bretanha dos tabloides e, em vez disso, se lançaram como rei e rainha transatlânticos do Instagram. E eles representam uma geração. O nacionalismo anglo-britânico falhou amplamente em se ajustar à mídia moderna. Entre os jovens da periferia do Reino Unido, as identidades escocesa, galesa e irlandesa ou irlandesa do norte são mais fortes. E entre os ingleses, quem sabe?

O nacionalismo anglo-britânico já estava em declínio. Hoje, seu padrinho faleceu. E quando sua mãe se for, quem sabe quanto tempo sobreviverá?

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