Mas Trump já retornou a Mar-a-Lago, e há muita expectativa em Havana com a chegada dos democratas à Casa Branca. Esta foi uma das mensagens mais fortes de Castro em seu discurso de despedida: com quase quatro meses no poder, o atual presidente americano, Joe Biden, não tomou medidas para restabelecer as relações com a ilha e aliviar as restrições impostas por Trump.
Mas, para além das relações bilaterais entre Cuba e os Estados Unidos, nas quais grande parte das seis décadas do castrismo se baseia, a saída de Castro, aos 89 anos, marca um momento histórico: o fim da geração que liderou a revolução com Fidel Castro. Miguel Díaz-Canel, de 61, presidente do Partido Comunista há três anos, assumirá as rédeas do país, iniciando seu mandato com uma clara mensagem de continuidade. Mas embora Díaz-Canel tenha nascido em 1960, um ano após o triunfo da revolução liderada pelos Castros, não é o mesmo que ter um dos revolucionários no comando.
Resta saber se a mudança geracional terá algum efeito sobre a situação crítica em que a ilha do Caribe se acostumou a viver. Ao longo dos anos e apesar da repressão, a dissidência vem crescendo. E, embora seja impossível não sentir o carinho e o respeito que muitos têm pelos irmãos Castro nas ruas de Cuba, a epopeia da resistência encarnada pelos protagonistas da revolução, hoje nonagenários ou já falecidos, se dissolve inevitavelmente diante das dificuldades eternas. Diante da falta de alimentos, do crescimento da pobreza e das longas filas para atender às necessidades diárias, e com a contínua migração de cubanos em busca de melhores oportunidades, é difícil pensar que a nova geração de líderes não acabará promovendo mudanças.
Em seu discurso de despedida, Castro pediu ao povo que mantivesse a revolução viva nas ruas e não através de telefones celulares, mas também pediu o reconhecimento da dissidência e a inclusão de uma maior diversidade no PCC. Ele fez fortes acusações ao governo dos Estados Unidos, mas também pediu respeito pelas relações bilaterais. A dicotomia entre a ideia utópica de um socialismo imaculado e a dura realidade imposta pelo liberalismo ficou evidente em seu discurso.
Seja como for, Castro deixa o poder em Cuba em um momento importante. O país foi fortemente afetado pela crise da Covid-19. A economia contraiu 11% e as importações caíram 40%, o embargo dos EUA continua a pesar e é cada vez mais difícil justificar a recusa de fazer concessões democráticas em um país à beira do colapso e com expectativa de inflação de 500% para este ano.
A chegada de Díaz-Canel pode representar uma mudança real, embora o entrincheiramento seja enorme e o regime tenha desenvolvido poderosos mecanismos de controle, cujo único propósito é permanecer ativo. Cuba também desempenha um papel geoestratégico na América Latina como referência para uma esquerda nostálgica por uma revolução perigosa, que passou por desvios autoritários, como a que hoje governa a Venezuela ou a Nicarágua. Uma abertura democrática em Cuba mudaria o jogo.
Navegar nesta difícil conjuntura exigirá que Díaz-Canel demonstre convicção e habilidade e se afaste da ortodoxia prevalecente no PCC. A chegada dos democratas à Casa Branca e a previsível reativação da economia que trará o controle da pandemia e a volta do turismo internacional representam uma oportunidade.
A revolução sem os revolucionários pode dar lugar a um futuro melhor, se os novos líderes forem capazes de lidar de forma inteligente com uma herança pesada.