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TEMA 4: A QUESTÃO DA LIDERANÇA

Political innovation, context and leadership: A view from local power

Avina democracia Abierta
14 Setembro 2017

Inspirando-se no evento "Cidades sem medo" ("Fearless Cities") deste ano, a Fundación Avina e o Democracia Abierta estabeleceram uma colaboração especial para explorar algumas das experiências políticas mais interessantes que estão emergendo na América Latina.

Concersar com líderes relevantes neste campo, diretamente envolvidos na ação da inovação política a nível local, nos deu a oportunidade de buscar respostas para quatro questões principais que afetam de forma diferente, porém transversal, todos esses projetos: a) Visão de inovação; b) contexto político nacional e limitações do poder local; c) Influência do contexto político internacional e d) A questão da liderança.

Nesta página, os inovadores compartilham sua resposta ao quarto e último desses temas: 

TEMA 4: Nenhuma inovação é possível sem novas lógicas de organização política capazes de produzir resultados e implementar ações capazes de distribuir e democratizar o poder. Aqui, a importância da liderança é fundamental. O sistema e o trabalho dos partidos políticos como aparelhos de acesso e exercício do poder, muitas vezes resultam em partidocracias que segmentam a liderança e muitas vezes acabam excluindo os protagonistas da mudança e da inovação. Quais são suas percepções sobre isso? Como isso afeta a dinâmica do seu projeto?

Javier Arteaga Romero, Nariño (Colombia)

Por sua liderança, por sua empatia, Camilo Romero, governador de Nariño, é uma das pessoas que neste momento tem maior reconhecimento no país. Mas, ao mesmo tempo, isso representa também o nosso maior risco para o mapa político do país.

Camilo começa a aparecer na mídia principal, nos canais nacionais, e começa a ser uma referência nas reuniões internacionais. Isso dá um grande protagonismo que coloca Nariño no centro das atenções, mas também faz com que eles tenham poder para nos destruir com uma única matéria na mídia. Se um ator diz que Camilo Romero apoia seu grupo político, por exemplo, a senadora Claudia López, candidata presidencial de 2018, ela será uma pessoa que será constantemente monitorada. E, embora seja verdade que isso é importante para a democracia, pode acontecer que qualquer dado possa ser usado para desqualificá-la, e imediatamente se deduzirá que o que deve ser atacado é Camilo Romero.

Vivemos em uma luta constante, com um grande medo de que apenas uma palavra de desqualificação em relação a Camilo que os jornais pronunciem possa acabar com todo esse processo de inovação no governo de Nariño. Esse é um dos grandes medos, e acho nossa principal fraqueza, porque somos um pequeno ator político, não pertencemos a grandes grupos econômicos, não pertencemos a uma história política tradicional, nem somos filhos de presidentes ou nada parecido. E isso, neste jogo da democracia colombiana, é importante. E também sabemos que, no momento em que representamos uma ameaça para alguém ou algo importante, nos podem acabar com muita facilidade.

 

Áurea Carolina de Freitas e Silva, PSOL, Belo Horizonte (Brasil)

As novas lideranças são constituídas por equipes de pessoas poderosas. Eles são pessoas muito corajosas, que gostam muito da democracia, da comunidade. E devemos incentivar o surgimento de outros líderes, outras pessoas envolvidas, que sejam postas em uma situação de compromisso. Esses líderes agora não são destinados a prover pessoas que vão salvar a humanidade, como a esquerda tradicional frequentemente fez. "Precisamos de um homem que...". Esses homens não existem, não podem existir. A liderança não pode ser baseada no poder das pessoas, porque isso custa muito. Custa saúde, custa tempo, custa energia, emoção e devemos proteger as pessoas envolvidas que dedicam suas vidas a esses processos.

Penso que estamos trabalhando com outra forma de liderar, que não é para competir, nem para obter vantagens, privilégios. É mais uma liderança para prestar serviços. Muitas vezes pode parecer uma idealização, como dizer: "Agora são todos muito santos, dando tudo o que têm". Mas se você não se comprometer com valores, então é muito difícil. Esta é uma mudança ética, sim. Uma mudança ética baseada na prática, porque são práticas que revelam como as pessoas são. É como elas se comportam. É como elas interagem. E os líderes mais firmes em termos democráticos são aqueles que têm a capacidade de se mobilizar mais, abrir estradas, atrair mais pessoas, inspirar e trazer mudanças para a sociedade.

 

Caio Tendolini, Update Politics, SÃO PABLO (Brasil)

Diante dessa questão, acho que estamos culturalmente acostumados a procurar um salvador. Eu acredito que o maior meme da história da humanidade é um salvador. O maior símbolo é um salvador. E mudar isso é muito, muito complexo.

O que vimos e tentamos construir é que é possível sair da ideia da liderança messiânica e ir à ideia de protagonismo. Porque há também uma grande falácia em construções horizontais, na ideia de horizontalidade, que pretende que não existe o protagonismo. E existe, sim. Há pessoas que são melhores que outras em algumas coisas. Há pessoas que são melhores do que outras dependendo do momento.

A dificuldade está em como migrar da ideia de liderança para a ideia de protagonismo. E muitas vezes acontece por como funcionam os processos relacionais. Aí as dificuldades surgem porque, apesar de sabermos que a noção de liderança é limitada, sabemos que isso gera muito conforto para as pessoas, porque delega a responsabilidade de trazer soluções a outra pessoa, e isso é muito confortável, até como mecanismo psicológico para quando não podemos enfrentar a realidade. E a complexidade da realidade de hoje coloca a quase todos nós diante dessa situação de perguntar: quem tem a resposta? Onde é que estou procurando? E um bom discurso, uma ideia forte, incorporada em um forte modelo de liderança, continua a convencer muitas pessoas.

Mesmo assim, acredito que a experimentação com novas formas organizacionais é um caminho que precisa ser abordado. Temos de criar instituições e comunidades capazes de avançar. E quando saímos, quando percebemos essa noção de protagonismo e colocamos isso em contato com a institucionalidade democrática, com os partidos políticos, vemos como esses partidos têm enorme dificuldade para realizar essa transformação da qual estamos falando. Porque isso é feito de perto, e os partidos são instituições muito grandes, muito distantes. Isso é feito com muita confiança, e os partidos são instituições muito conspiradoras.

No Brasil, por exemplo, uma coisa que estamos fazendo é buscar a maneira de promover candidatos independentes, que não existem no Brasil, para quebrar o monopólio dos partidos políticos. E a melhor maneira de exercer pressão sobre o monopólio é criar concorrência. E isso não é negar que os partidos são importantes. Os partidos são a instituição mais importante que já conseguimos inventar para a democracia representativa. Não há dúvida sobre isso. Mas voltamos à ideia inicial: não é que a gente não gosta de partidos políticos, mas os partidos e a forma como eles estão operando precisam mudar. É necessário criar outros espaços, outras instituições e outros formatos organizacionais. Isso é, na minha opinião, absolutamente essencial para avançar nesta questão organizacional em resposta à necessária transformação da liderança.

 

Sâmia Bonfim, Bancada Activista, SÃO PAULO (Brasil)

Um dos principais problemas da política no Brasil é a falta de alternativas, de ferramentas para disputar o poder. Especialmente lá onde a polarização se concentra entre dois partidos principais: o PT e o PSDB, a velha esquerda e a velha direita. E ambos estão envolvidos nos mesmos esquemas, defendem a mesma plataforma política, têm as mesmas figuras, os mesmos líderes, que já estão completamente desgastados.

Ao mesmo tempo, ainda não existe um terceiro partido que represente uma frente de movimentos, grupos, organizações sociais que possam participar da disputa de poder. Eu acho que isso tem a ver com a cobertura da mídia, que é muito guiada pelo que acontece nos Estados Unidos – bipartidarismo – e tenta imprimir a mesma dinâmica no Brasil, como se houvesse apenas duas possibilidades.

Mas também tem a ver com o próprio sistema eleitoral brasileiro. Não temos candidatos independentes, não existe tal possibilidade, é muito difícil eleger um candidato sem dinheiro. Isso é muito antidemocrático, porque os donos do poder acabam elegendo seus representantes, enquanto as pessoas dos movimentos sociais não conseguem atingir essa estrutura partidária. Mesmo os partidos mais democráticos e progressistas ainda têm o que no Brasil chamamos de "caciques", que se refere aos chefes das comunidades indígenas. Os partidos ainda têm seus caciques, que são os grandes nomes da política, e essa dinâmica acaba sendo endêmica na forma de fazer política no Brasil.

Eu acho que as experiências de liderança social como a minha, como a da Áurea Carolina, como as dos movimentos espontâneos das cidades, precisam ser ainda mais corajosas e tentar perfurar o bloqueio, ocupar a política, porque existem exemplos que mostram que é possível. O Brasil abriu uma discussão sobre a reforma política. Existem algumas propostas que podem dificultar, mas existem outras que podem ajudar. Por exemplo, a disputa entre se devemos permitir que o voto distrital ou não. Isso está sendo discutido hoje no Brasil, mas ao mesmo tempo eles querem eliminar pequenos partidos, como o PSOL, por exemplo, que é o meu partido. Então, pessoas como eu, para onde eu iria? Qual seria a nossa possibilidade de fazer campanha nesta disputa entre dois grandes partidos, dominados por seus caciques?

Na discussão sobre participação, democracia e liderança, estamos em uma encruzilhada hoje. Há uma crise de representatividade, uma crise econômica e um grande desacredito na política. Portanto, nosso desafio é começar discussões sobre o curso desta reforma política, e fazer isso neste momento em que as pessoas não confiam na política. Esse é o desafio: recuperar a confiança, e isso é feito trazendo novas pessoas para as instituições.

 

Susana Ochoa, Wikipolítica, Jalisco (México)

A questão da liderança tem sido objeto de muita reflexão na Wikipolitics, porque acredito que, durante muito tempo, fetichizamos a horizontalidade. Agora sabemos que a horizontalidade é uma aspiração, mas que estamos definitivamente longe. Nós podemos até transitar pelo território, descentralizar um pouco o poder. Na campanha, por exemplo, Pedro Kumamoto sempre fazia referência a “nós”, e sempre foi muito explícito que havia um time por trás.

Mas a liderança compartilhada é difícil, porque as pessoas estão acostumadas a delegar as mudanças, elas acham que virá uma pessoa para salvá-las. Isso é o que Lopez Obrador representa, por exemplo. Na história mexicana, quase sempre tivemos muitos salvadores. Mas estamos no meio do debate da horizontalidade, da coletividade, que definitivamente é uma maneira de avançar na política: não há retorno.

Mas, no fim das contas, as pessoas quando vão às urnas votar, votam em uma pessoa, um líder que representa as coisas. E esse líder está cercado de pessoas. A pessoa que vai liderar a lista também é parte de uma equipe, mas no final, é a pessoa que dá as entrevistas, é essa pessoa que sai e fala com as pessoas, é o nome dessa pessoa que aparece nas urnas eleitorais. O desafio é construir novas lideranças, reinventá-las e torná-las mais coletivas, mas definitivamente não podemos fazer políticas sem líderes. E isso nos custou entender, tivemos que trabalhar ... mas fizemos a paz nesse sentido.

 

Jorge Sharp, Movimiento Valparaíso Ciudadano, Valparaíso (Chile)

Todo processo político, em qualquer dos seus planos, locais, nacionais, continentais, tem certos rostos: mulheres ou homens que devem desempenhar certas funções, como a de liderança. Esse não é o problema, o problema é quando essa liderança é construída de forma remota e distante do processo político coletivo que a impulsiona.

A liderança deve sempre estar conectada, com os dois pés bem colocados no chão, bem enraizados no processo coletivo do qual ele emerge e do qual faz parte, do qual deriva sua força. Quando isso se dissocia, temos problemas, como o messianismo. Se não os mantemos fortemente enraizados no coletivo, nossos projetos políticos de mudança enfraquecem e os nossos oponentes se tornam mais fácil de flanquear. Isso é para mim o ponto central: que essas lideranças não surjam das imposições de uma cúpula, mas do que as pessoas definam, seja através de uma primária, através de uma assembleia, ou através de uma luta social concreta, que catapulta um líder social. A liderança que queremos é a liderança que é construída a partir do coletivo e não a que é determinada entre quatro paredes.

Mas existe uma ameaça, que é a fragilidade nessas lideranças que não têm um dispositivo por trás. Ao derrubar aquele que está acima de tudo, eles derrubam tudo. É por isso que é urgente fortalecer, ao invés do aparelho político, o processo coletivo que impulsiona essa liderança. Sem isso, os líderes são facilmente licenciados.

 

Caren Tepp, Ciudad Futura, Rosario, Argentina

Todos nós que estamos hoje no Ciudad Futura desenvolvendo alguma tarefa dentro da função pública, deixamos claro que não queremos nenhum tipo de carreira a nível pessoal ou individual. Nós estamos orgulhosamente expressando um coletivo, um projeto político coletivo, e entendemos que, circunstancialmente, é a nossa vez de gerenciar esse lugar.

É por isso que também devemos ter em mente a importância de tomar decisões dentro das organizações que respondem por isso e que dão sustentabilidade ao tempo. Nós que somos hoje vereadores pelo Ciudad Futura doamos desde o primeiro minuto 70% do nosso salário; vivemos com os mesmos salários que tínhamos antes de serem vereadores, e cobramos o mesmo que todos os assessires que fazem parte da nossa equipe. Tentamos não gerar privilégios, não fazer parte da casta, nem da corporação política; tentamos não mentir para nós mesmos. Estamos tentando garantir que tudo o que damos vai fortalecer a organização, fortalecer os projetos que realizamos fora do Estado e deixar bem claro que o estilo de vida – quando a militância é um estilo de vida – não se pode aceitar nenhum tipo de privilégios.

Acredito que os líderes do século XXI incorporam os movimentos que partem mais das cidades (e para mim, pessoalmente, Ada Colau expressa isso perfeitamente). Você vê Ada e vê todo o movimento dos Indignados, vê também toda a luta contra os despejos, vê os companheiros e companheiras de Barcelona em comum, e vê uma mulher forte, firme em suas ideias, mas que tem empatia e paixão por tudo o que faz. Eu acredito que esta é uma maneira crucial de penetrar as instituições do Estado, que são regidas por uma lógica absolutamente patriarcal, onde a agressividade ou essa ideia de poder como dominação é a essência e é uma parte crucial do que temos de transformar.

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