
Tiroteios nos EUA: a epidemia se espalha

Em menos de 13 horas, dois tiroteios no Texas e em Ohio deixaram 31 mortos e 53 feridos. Esses dois assassinatos em massa somam-se aos 251 tiroteios que ocorreram até agora só neste ano nos Estados Unidos. A epidemia se espalha.
Este fenômeno de violência extrema começou a aparecer com mais força depois do tiroteio em Sandy Hook em 2012, quando Adam Lanza entrou em uma escola de Connecticut e matou 26 pessoas, incluindo 20 crianças, antes de cometer suicídio na cena do crime.
Depois de Sandy Hook, surgiram debates sobre como implementar controles de armas e limitar seu acesso a pessoas com transtornos mentais, como no caso de Lanza. No entanto, congressistas progressistas fracassaram repetidamente em sua luta contra uma bancada conservadora que favorece o acesso ilimitado à armas — bancada que se mostra poderosas demais, mesmo para o próprio partido republicano.
Desde Sandy Hook, aconteceram outros 2.190 massacres em massa, incluindo o tiroteio na casa de show Pulse em Orlando contra a população LGBT+ que matou 50, e o tiroteio durante um festival de música em Las Vegas que matou 59 jovens que só queriam se divertir. No total, nestes 2.190 massacres, cerca de 2.477 pessoas morreram e 9.168 ficaram feridas.
Nos EUA, cerca de 34.000 pessoas morrem a cada ano por armas de fogo, isto é, cerca de 9 fatalidades por dia. Entre as economias mais desenvolvidas do mundo, os EUA lidera as taxas de morte por armas de fogo, com 10 mortes por cada 100.000 pessoas.
O país americano é seguido pela Áustria, com uma taxa de mortalidade de 3 pessoas por 100.000 habitantes, enquanto os mais baixos são o Japão e a Coréia do Sul, com quase 0 mortes por armas de fogo.

Os tiroteios do fim de semana abalaram os EUA novamente. Nesta ocasião, o escândalo foi exacerbado por possíveis motivos ligados ao racismo e à supremacia branca no ataque no Texas. Segundo as autoridades, Patrick Crusius dirigiu mais de 1.000 km de um subúrbio de Dallas para abater pessoas de origem latino em um Walmart em El Paso, na fronteira com o México, pouco depois de supostamente publicar um manifesto na internet contra a "invasão" hispânica que, segundo o presidente americano Donald Trump, é vivida nos EUA.
Por isso, apresentamos tudo que você precisa saber sobre a violência recente nos EUA, a propaganda política e as leis que permitem a proliferação desses atos.
As reações aos tiroteios
Não é de surpreender que as reações de Trump aos tiroteios causaram polêmica nos EUA e no mundo. Enquanto minimizamos a ascensão da ideologia de supremacia branca e continuamos permitindo o total acesso à armas no país, testemunhamos uma recente epidemia de tiroteios em massa no país, cujas raízes se encontram na ausência de controle e em cultura violenta que rodeia os cidadãos comuns.
Após o tiroteio racista no Texas, o presidente Trump não reconheceu que seu discurso agressivo, supremacista e desumano contra a imigração seja parte do problema. Pelo contrário, Trump condenou a violência, mas optou por culpar os videogames violentos em um discurso em que disse que a "internet facilita a radicalização dos americanos" e que não se pode "ignorar os perigos da internet e das redes sociais" na causa de tais tiroteios.
Ele também alegou no seu discurso justificativo que há questões de saúde mental, o que pode ser combatido, apesar de ser difícil. Por trás desse argumento esconde-se a ideia de que sempre haverá alguns "loucos" por aí, mas que você não pode culpar os assassinatos pela facilidade de acesso à armas no país.
O México, que perdeu 7 de seus cidadãos no ataque do Texas, disse que vai entrar com uma ação de terrorismo que pode implicar na extradição do autor do crime
Trump não mencionou a falta de controle legal de armas nos EUA, o que torna muito fácil para qualquer um obter um fuzil de assalto, nem reconheceu que sua retórica racista e discriminatória contra os imigrantes latinos poderia ter contribuído para criar uma atmosfera que fomenta atos de violência racista no país.
O México, que perdeu 7 de seus cidadãos no ataque do Texas, disse que vai entrar com uma ação de terrorismo que pode implicar na extradição do autor do crime
O ministro das Relações Exteriores, Marcelo Ebrard, disse no domingo passado: "para o México, esse indivíduo é um terrorista", embora não se possa confiar nos Estados Unidos para reconhecê-lo como tal.
Leis de armas nos EUA e no mundo
Várias pesquisas públicas nos EUA mostram que há apoio popular para restringir o porte de armas. No entanto, o governo não consegue aprovar legislação de controle e o país ainda é, de longe, o país com mais cidadãos com armas de fogo.
De acordo com a segunda emenda da constituição dos EUA (de 1791), o direito dos americanos de portar e usar armas não deve ser restringido, e embora essa emenda já tenha 228 anos e o mundo tenha mudado radicalmente, essa continua sendo a base legal que permite a vende basicamente irrestrita de armas de fogo no país, um negócio lucrativo manchado de sangue.
A lei federal deveria ser o regulador principal e decidir quem pode portar armas e quem não pode. De fato, a lei proíbe a compra de armas daqueles com antecedentes criminais, graves transtornos mentais ou migrantes indocumentados. No entanto, a regulamentação dos vendedores de armas em todo o país é fraca, e muitas vezes as leis de cada estado prevalecem sobre as regulamentações federais.
Por exemplo, algumas leis recentemente aprovadas no Texas com o apoio do lobby favorável às armas, a poderosa e polêmica National Rifle Association (NRA), abriu a possibilidade de compra livre em feiras de armas, e autorizou o porte de armas em escolas e templos religiosos.
Em comparação, a União Europeia impõe regulamentações em seus estados membros em relação ao porte de armas e permite que os estados decidam se querem impor leis mais rigorosas, embora o cumprimento da regulamentação da união seja um requisito necessário.
As leis proíbem as armas mais mortíferas (geralmente fuzis de assalto e armas automáticas) que são frequentemente usadas em tiroteios em massa nos EUA, e forçam os estados membros a fazerem exames médicos completos em todas as pessoas que querem obter uma permissão para comprar uma arma.
O Canadá é outro exemplo da implementação mais efetiva dos controles sobre o porte de armas: para ter autorização de posse e porte de arma, é obrigatório passar por um exame médico rigorosa e concluir um curso de segurança pública.
Em um país onde é mais difícil comprar um filhote de cachorro do que uma arma semi-automática, será muito difícil frear os entusiastas da NRA
Tanto na União Europeia como no Canadá, há taxas muito mais baixas de mortes por armas do que nos EUA. Por isso é frustrante para muitos que o país seja incapaz de implementar medidas de controle para conter os massacres que semeiam o terror e o luto entre milhares de famílias com frequência crescente sem que as autoridades possam reagir.
A National Rifle Association está mais forte do que nunca e o lobby a favor das armas tem no bolso metade do congresso norte-americano, que continua apoiando o porte e a compra completamente livre de armas nos EUA.
É difícil ter esperança com um presidente abertamente racista e irresponsável que um dia é forçado a condenar a violência de forma hipócrita e banal, atribuindo-a a videogames, mas no dia seguinte fala que o país está “infestado” de latinos, alimentando o ultra-nacionalismo branco e uma política discriminatória que impede, humilha e maltrata os imigrantes. Em um país onde é mais difícil comprar um filhote de cachorro que uma arma semi-automática, será muito difícil frear os entusiastas da NRA.
Quantos mais assassinatos em massa serão necessários para que o livre acesso a armas nos EUA seja controlado? Algo tem que mudar profundamente no país, mas nem Trump nem seus amigos lobistas sequer consideram tentar.
Afinal, com um mercado onde um em cada três lares americanos é dono de armas, trata-se de um negócio de bilhões de dólares, e não parece importar que seja baseado na fabricação e venda de máquinas e munições projetadas para matar gente.
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