democraciaAbierta: Analysis

Surto de violência em El Salvador expõe fragilidade da polêmica política de Bukele

O presidente nega negociar com gangues, mas os assassinatos indiscriminados de 26 de março indicam problemas já conhecidos

Manuella Libardi democracia Abierta
31 Março 2022, 12.01
Bukele declarou estado de emergência esta semana devido ao aumento da violência relacionada às gangues
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SOPA Images Limited/Alamy Stock Photo

No últimos dias de março, as maras, como são conhecidas as notórias gangues de El Salvador, saíram às ruas do país, atirando sem critérios em quem cruzava seu caminho. Em apenas quatro dias, El Salvador registrou 89 homicídios, mais do que os 79 que o país registrou em todo o mês de fevereiro. Só no sábado, houve 62 assassinatos, transformando esse 26 de março no dia mais sangrento da história do país desde o fim da guerra civil em 1992. Dada a grave situação, o presidente Nayib Bukele declarou estado de emergência.

A notícia é um choque para os salvadorenhos, que nos últimos dois anos e meio se acostumaram a viver em relativa paz no que antes era o país mais perigoso do mundo fora de situação de guerra.

Ao longo do século 21, El Salvador registrou uma média entre 60 e 70 homicídios por 100 mil habitantes, com anos em que a taxa chega a ser até três vezes mais alta da de países como Brasil e México, exemplos regionais conhecidos por sua insegurança.

Quando Bukele assumiu o cargo em junho de 2019, o jovem presidente prometeu combater a violência e declarou guerra contra o MS-13 e as duas facções do Barrio 18, as três principais gangues do país, cujos confrontos e disputas territoriais resultam em altos índices de violência. E ele começou a agir imediatamente. Um dos primeiros programas que aprovou como presidente foi seu Plano de Controle Territorial, que prometia aumentar a presença de militares e policiais nas ruas, entre outros objetivos. Já em julho, El Salvador viveu seu segundo mês mais pacífico do século. Bukele foi rápido em reagir à notícia. "Não achávamos que a redução seria tão rápida e tão ampla", disse Bukele na época.

Milagre de Bukele ou corrupção?

A taxa de homicídios em El Salvador em 2018 foi de 52 por 100 mil habitantes. Já no ano seguinte, essa taxa caiu para 36. Em 2020, despencou para menos de 20 e, em 2021, para 17, taxas nunca vistas na história moderna de El Salvador.

Apesar da negação de Bukele, os sinais das negociações são cada vez mais difíceis de ignorar

Parecia um milagre, um que Bukele convenientemente atribuiu ao seu plano de segurança. Mas um ano depois da sua ascensão ao poder, o meio de comunicação independente El Faro publicou documentos indicando que funcionários do governo Bukele haviam negociado um pacto com as gangues para diminuir os homicídios no país em troca de concessões para seus membros, tanto na prisão quanto fora. As três gangues foram consideradas grupos terroristas pela legislação de El Salvador. Bukele nega todas as acusações.

Outras evidências de acordos entre o governo e as gangues vieram à tona desde então. Em dezembro, os Estados Unidos acusaram formalmente o governo Bukele e impuseram sanções econômicas a dois oficiais salvadorenhos de alto escalão. Segundo os americanos, o governo salvadorenho supostamente ofereceu regalias a membros de gangues encarcerados, como acesso a telefones celulares e prostitutas. Apesar da negação de Bukele, os sinais das negociações são cada vez mais difíceis de ignorar, principalmente devido ao histórico recente do país.

A Trégua de 2012

Negociações entre o governo salvadorenho e as maras não são nenhuma novidade. Em 2012, o então presidente Mauricio Funes autorizou uma trégua com as gangues que também resultou em uma queda significativa na taxa de homicídios do país. Em troca de um cessar fogo entre a MS-13 e o Barrio 18, o governo prometeu melhorar as condições de seus membros encarcerados, o que também envolveu a transferência de dezenas de líderes de presídios de segurança máxima para presídios mais flexíveis.

Para muitos analistas, este tipo de violência indiscriminada só pode ser uma mensagem do MS-13 ao governo Bukele

Isso facilitou a comunicação e a articulação entre os integrantes da estrutura dentro das penitenciárias e os que atuavam nas ruas. Mas as concessões também incluíam luxos, como visitas de até 12 horas, televisões nas celas e até festas.

O pacto, conhecido como A Trégua, se refletiu nos números. Em 2011, El Salvador registrou 70 homicídios por 100 mil habitantes. Em 2012, a taxa caiu para 40. A taxa se manteve estável no ano seguinte, em 41 homicídios. Mas ela volta a subir para 64 homicídios em 2014, quando o pacto é quebrado. E em 2015, El Salvador viu esse número disparar para um impensável 105 homicídios por 100 mil habitantes, tornando-se o país mais violento do mundo naquele ano.

O cenário atual parece estranhamente familiar. No entanto, existem diferenças importantes entre a trégua de Funes e as supostas negociações de Bukele. Ao contrário de seu antecessor, não há evidências de que as condições dos membros do MS-13 ou Barrio 18 tenham melhorado durante seu mandato. Pelo contrário, Bukele foi acusado de promover tratamento desumano dos presos, colocando até mesmo membros de gangues rivais na mesma cela.

Além disso, a queda na taxa de homicídios sob Bukele foi muito mais pronunciada diante de evidências menos visíveis de concessões. Mas qualquer que seja a estratégia de Bukele, o surto de violência atual em El Salvador sugere que pode não ser tão sólida quanto parecia até alguns dias atrás. Para muitos analistas, este tipo de violência indiscriminada só pode ser uma mensagem do MS-13 ao governo Bukele.

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