
Ativistas reunidos em frente ao prédio do New York Times, no centro de Manhattan, em Nova York, no domingo 26 de fevereiro de 2017. Richard B. Levine / Sipa EUA / PA Images. Todos os direitos reservados.
O fim da história, que vaticinou Francis Fukuyama no seu famoso ensaio, não se cumpriu, e o triunfo da ordem liberal com a rápida conversão em democracias liberais das grandes e pequenas autocracias, inseridas na potente dinâmica transformadora da globalização capitalista, acabou por não ter lugar. O mundo plano que predisse Thomas Friedman afinal é uma montanha.
A democracia liberal, como sistema inventado para pensar a política como a arte de alcançar o bem comum, que se imponha e regule as forças do mercado, as tendências autoritárias da acumulação de poder, e a natureza exclusiva das minorias maioritárias, não parece ter superado a suas contradições intrínsecas.
Vários dos valores que conduziram à prosperidade perderam o seu poder de atracção e o seu prestigio. O liberal é visto como “fraco”. Outros valores, como a aspiração cosmopolita ou a meritocracia, são tidos como valores da elite, desligada da necessidade de reafirmação identitária que insta uma população insegura perante o seu futuro, que não viu a promessa da globalização cumprida e que agora reclama o Estado e a fronteira.
No meio da decadência destes valores, surgem líderes como Orban na Hungria, Farage no Reino Unido, Erdogan na Turquia, Le Pen na França, que parecem ter como referencia a deviação autocrática que Putin baptizou como democracia iliberal.
Assim, na Europa, e agora parece que também nos Estados Unidos, um nacionalismo oligárquico de tendência populista erige-se como alternativa nas economias em retrocesso. Também na Índia, ou nas Filipinas, os “homens fortes” impõem-se nas urnas.
Na América Latina, o México enfrenta-se à ameaça de Trump com uma presidência fraca e um sistema político incapaz, disfuncional e violento; a Venezuela chavista deixou a democracia para trás e caminha a passos largos para a suspensão das instituições eleitas; o gigante Brasileiro, com os pés presos no barro da corrupção, desequilibra-se; e a Colômbia esperançosa dos últimos quatro anos foi vitima da utilização política do processo de paz, e parece que retorna à frustração do passado.
Além disso, um dos pilares mais ameaçados é o direito à informação, tanto à liberdade de informação, como à veracidade da mesma. Se a informação se converter em propaganda e falharem os mecanismos de controlo, o sistema democrático debilita-se perigosamente e as fronteiras entre a mentira e a verdade desaparecem. A proliferação do que se veio a chamar “fake news” e o perigoso avanço da “pós-verdade” ou dos “factos alternativos” ameaçam com destruir o pacto de confiança na imprensa livre que funciona como cola da sociedade democrática e preside, ainda que não sem tensões, a luta de ideias na política democrática e a sociedade aberta.
Neste cenário, se o impulsor e defensor da globalização se converter ao nacionalismo-proteccionismo e entender as relações internacionais como pactos bilaterais entre homens de negócios em vez de acordos multilaterais entre governante ao amparo da lei internacional, toda a arquitectura está em perigo.
Na maior e mais poderosa democracia do mundo, um “spoiler” fez-se com o poder, aproveitando democraticamente as múltiplas fissuras da própria democracia como são o peso do dinheiro nas eleições, as dificuldades de se inscrever para votar, a distribuição do voto por distritos eleitorais, o “hacking”, as dificuldades da imprensa independente, a manipulação das redes sociais… Estamos perante o fim da democracia?
Um seminário internacional da democraciaAberta e da Fundação Foro do Sul em Buenos Aires esta semana abordará esta deriva inquietante.
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