A Antártica continua sem acordo internacional de proteção de seu oceano
Os países membros da Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos (CCAMLR) adiaram novamente a assinatura de um novo acordo internacional para a proteção de áreas marinhas do Oceano Antártico.
Uma visão geral da recém construída estação de pesquisa brasileira Comandante Ferraz na Antártica, que foi aberta após um incêndio que destruiu a base original há nove anos
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-/Brasilianische Marine/dpa/PA Images
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Em reunião do final de novembro, os países membros da Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos (CCAMLR) adiaram novamente a assinatura de um novo acordo internacional para a proteção de áreas marinhas do Oceano Antártico. A notícia é preocupante, pois o Oceano Antártico abriga alguns dos ecossistemas mais importantes e vulneráveis do planeta e suas correntes são responsáveis pela manutenção da biodiversidade marinha em todo o mundo.
Um bem coletivo internacional
A Antártica é o quarto maior continente do mundo. Entretanto, o clima difícil e as condições de acesso significam que este lugar é praticamente desabitado – com exceção daqueles que trabalham nas bases científicas da área – e que é uma das últimas áreas inexploradas do planeta.
A competição global pelo controle da Antártica começou em 1904, quando a Argentina instalou a primeira estação científica permanente no continente. Pouco depois, Chile, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, França e Noruega também começaram a reivindicar a soberania sobre partes da Antártica, o que contribuiu para agravar outras disputas territoriais, como a entre Argentina e Reino Unido sobre as Ilhas Malvinas (ou Falklands, na denominação britânica) no vizinho Atlântico Sul.
O crescente interesse geopolítico e científico pela Antártica levou esses sete países a assinar, juntamente com a Bélgica, os Estados Unidos, o Japão, a África do Sul e a União Soviética, o Tratado da Antártida em 1959. O objetivo era garantir o uso pacífico e exclusivamente científico da Antártica e evitar que a região se tornasse outro cenário da Guerra Fria. Por isso, o Tratado estabeleceu que as disputas territoriais seriam suspensas enquanto estivesse em vigor.
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Um total 54 países ratificaram o Tratado da Antártida, embora apenas 27 deles tenham o direito de participar com voz e voto na tomada de decisões sobre o continente, porque demonstraram realizar atividade científica substancial e regular ali. Além disso, outros acordos internacionais foram assinados para complementar o tratado, tais como a Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos, que entrou em vigor em 1982.
Um cenário chave para a vida na Terra
Entre as muitas espécies marinhas que habitam o Oceano Antártico há uma que é particularmente importante: o krill. Este crustáceo é a base alimentar de muitas espécies de aves, mamíferos e peixes, e é particularmente procurado pela indústria pesqueira. Mas, além disso, o krill desempenha um papel fundamental no equilíbrio climático do planeta, pois transporta o carbono da atmosfera da superfície para as profundezas do oceano.
Pingüinos emperador con polluelos, glaciar Dawson-Lambton, Antártida
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Pinguins imperadores no glaciar Dawson-Lambton, Antártica
A regulamentação da pesca do krill foi a principal razão para a CCAMLR, em 2002, decidir criar uma rede de áreas marinhas protegidas cobrindo 10% do Oceano Antártico, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. O progresso mais significativo foi feito em 2009, quando protegeu-se 94 mil km2 sob as Ilhas Órcades do Sul, e em 2016, quando criou-se a maior reserva marinha do mundo no Mar de Ross, cobrindo 1,55 milhões de km2.
Embora pouco mais de 7,5% do oceano já tenha sido protegido através de iniciativas multilaterais e bilaterais, os números ainda estão longe da meta de proteger 30% até 2030 defendida por um setor significativo de ativistas e especialistas em conservação para garantir a sustentabilidade da vida na Terra.
O principal obstáculo ao progresso na proteção do Oceano Antártico tem sido os interesses econômicos e geopolíticos de alguns países que procuram manter e até mesmo aumentar seus direitos de pesca e exploração mineral até 2048, para quando está prevista uma revisão do Protocolo ao Tratado da Antártida sobre Proteção ao Meio Ambiente, conhecido como Protocolo de Madri, que proíbe a exploração de recursos naturais para qualquer outro fim que não seja científico.
Está em jogo o acesso à água do continente Antártico, onde se encontram cerca de 90% do gelo e 70% da água doce do mundo
E embora a data possa parecer distante, uma regulamentação mais flexível poderia permitir a mineração e extração de combustíveis fósseis na área, considerada a terceira maior reserva de petróleo e gás natural do planeta. Também está em jogo o acesso à água do continente Antártico, onde se encontram cerca de 90% do gelo e 70% da água doce do mundo.
Multilateralismo: uma questão de sobrevivência
O caso mais ilustrativo é o da China, país que tem feito grandes investimentos para aumentar sua presença no continente e fortalecer sua capacidade de pesquisa com a instalação de cinco bases científicas. O gigante asiático também ocupa atualmente o primeiro lugar em número de embarcações pesqueiras na área e tem resistido nos últimos anos ao aumento de áreas marinhas protegidas.
Nesse sentido, o retorno dos Estados Unidos ao multilateralismo prometido pelo presidente eleito Joe Biden poderia contribuir para o avanço da proteção do Oceano Antártico, já que a gestão bilateral entre o governo do ex-presidente Barack Obama e o presidente Xi Jinping foi essencial para a declaração da reserva no Mar de Ross em 2016.
O retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris e à agenda ambiental também é importante, dado o papel que a Antártica desempenha na regulação do clima do planeta e cujo degelo contribui perigosamente para a elevação do nível do mar.
A Antártica é um bem coletivo essencial para a sobrevivência da humanidade, sem distinção de nacionalidade, assim como de muitas outras espécies do planeta Terra. Por isso, é urgente redobrar os esforços para proteger as áreas marinhas e continentais.
Nesse cenário, ações multilaterais são essenciais, pois além de preservar a biodiversidade frente às ambições dos Estados e empresas privadas, também contribuem para manter a Antártica como um lugar pacífico, reservado à ciência e à vida selvagem, com base na liberdade de investigação e da cooperação internacional.
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